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Artigo 1
O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, é regido por este Código.
§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.
§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.
§ 3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.
§ 4º (VETADO)
§ 5º Os órgãos e entidades de trânsito pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito darão prioridade em suas ações à defesa da vida, nela incluída a preservação da saúde e do meio-ambiente.
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Vinny Borges
Comentário
O artigo 1º do CTB trata, justamente, da sua aplicabilidade, limitando a área de incidência da lei. Assim, podemos dizer que, em regra, o Código de Trânsito Brasileiro rege a utilização, de qualquer forma, das VIAS PÚBLICAS.
Embora não tenha sido utilizada a expressão “vias públicas” na redação do artigo 1º, preferindo o legislador o termo “vias terrestres abertas à circulação”, é lícito entender que eles se equivalem, de forma que somente se aplicam as regras de trânsito, instituídas pela lei, às “superfícies por onde transitam veículos, pessoas e animais, compreendendo a pista, a calçada, o acostamento, ilha e canteiro central” (conceito de via, segundo o Anexo I), quando elas estiverem inseridas no contexto de bem público de uso comum do povo, nos termos do artigo 99, inciso I, da Lei n. 10.406/02 (Código Civil).
Bem por essa razão, foi necessária a inclusão, no parágrafo único do artigo 2º, das vias internas pertencentes a condomínios, numa clara exceção à regra, a fim de que a lei também pudesse ser aplicada, especificamente, a estas vias particulares.
Apesar de, inicialmente, as vias internas de condomínios serem a única situação especial de aplicabilidade do CTB, ao longo de seus 18 anos de vigência, tivemos duas inovações:
1ª) Em 2009, a Lei n. 12.058/09 incluiu o artigo 7º-A, permitindo a aplicação da legislação de trânsito (especificamente para fins de fiscalização) nas áreas portuárias, desde que seja firmado convênio entre a autoridade portuária e o órgão de trânsito com circunscrição sobre a via; e
2ª) Mais recentemente, a Lei n. 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) promoveu alteração justamente no parágrafo único do artigo 2º, para também considerar vias terrestres as vias e áreas de estacionamento de estabelecimentos privados de uso coletivo, como estacionamentos de supermercados, shoppings e congêneres.
Com tais modificações, podemos dizer que a incidência da legislação de trânsito passou a ocorrer em todos os locais em que ocorra um uso coletivo, ainda que se trate de propriedade privada.
O conceito de trânsito, consignado no artigo 1º, § 1º, do CTB, é apresentado, de maneira mais sintética, no Anexo I: “movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres”. Em ambas as definições, verificamos que, diferentemente do que muitos imaginam, trânsito não traduz apenas a ideia de movimento, mas abrange também a imobilização na via.
O § 2º traz o que podemos denominar de “princípio da universalidade do direito ao trânsito seguro”, uma vez que cria um direito aplicável a todos, indistintamente, o que não significa, entretanto, que, por ser direito, não represente igualmente uma obrigação, pois a segurança do trânsito depende, logicamente, de uma participação de toda a sociedade, não sendo possível esperar que apenas os órgãos e entidades de trânsito se responsabilizem pela garantia a esse direito. Neste sentido, vale lembrar que a segurança do trânsito está inserida no campo da segurança pública, prevista no artigo 144 da Constituição Federal: “A segurança pública, dever do Estado, direito e RESPONSABILIDADE de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio…”, o que se tornou ainda mais latente, com a inclusão do § 10 ao artigo 144, pela Emenda Constitucional n. 82/14, que versa sobre a segurança viária.
No § 3º, merece realce a palavra “objetivamente”, tendo em vista que a responsabilidade objetiva do Estado possui um significado jurídico próprio, que podemos sintetizar da seguinte forma: a Administração pública é responsável civilmente pelos danos causados aos cidadãos, toda vez que houver uma relação de causalidade entre o prejuízo causado e a ação ou omissão do órgão público, independente de culpa ou dolo (intenção na produção do resultado).
Por último, destaca-se a disposição do § 5º, que é repetida posteriormente, no § 1º do artigo 269 (“A ordem, o consentimento, a fiscalização, as medidas administrativas e coercitivas adotadas pelas autoridades de trânsito e seus agentes terão por objetivo prioritário a proteção à vida e à incolumidade física da pessoa”), o que demonstra a constante preocupação do legislador em vincular as atividades de trânsito, de forma abrangente, à garantia do direito ao trânsito seguro.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano de 1996 a 2019, atualmente Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (2019/2021); Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Autor:
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Vinny Borges
Art. 1 – Expressões interessantes da legislação de trânsito, por Julyver Modesto de Araujo
Conhecer o significado da linguagem é essencial para qualquer comunicação, pois, para que haja entendimento entre o emissor e o receptor da mensagem, ambos devem, obviamente, compreender o código linguístico utilizado. No meio jurídico, não é diferente; a questão, aliás, é ainda mais complexa, já que existe uma distância significativa entre aquele que transmite a informação, por meio de um regramento jurídico (o legislador) e aquele a quem se destina a mensagem, seja o intérprete, o operador do Direito ou o cidadão, de maneira geral.
Na comunicação cotidiana, as relações sociais dão sentido às palavras e as emoções acentuam ou atenuam os seus significados, permitindo uma interação mais efetiva entre as pessoas.
Um aluno que responde ao professor que entendeu a aula ministrada pode transmitir, por meio da sua expressão corporal e da entonação de sua voz, uma mensagem totalmente oposta, apesar da afirmação proferida.
No Direito, entretanto, a utilização da linguagem requer um cuidado apurado, tendo em vista que, além de ser impessoal, a lei tem como fundamento justamente prescrever um comportamento para a vida em sociedade e, portanto, deve ser clara o suficiente para evitar interpretações equivocadas, dúbias ou contraditórias. Não se trata de privilegiar uma redação rebuscada, mas, pelo contrário, deve o legislador primar pelo uso do discurso, ao mesmo tempo, simples, correto e inteligível.
Em sua famosa obra, denominada “Do Espírito das leis”, de 1748, o Barão de Montesquieu ponderava que “o estilo das leis deve ser simples. A expressão direta se entende sempre melhor do que a expressão refletida. Não há majestade alguma nas leis do baixo império, nas quais se fez os príncipes falarem como retóricos. Quando o estilo das leis é empolado, as encaramos apenas como uma obra de ostentação” e ainda que “as leis não devem ser sutis. São feitas para pessoas de pouco entendimento. Não são uma arte da lógica, mas a razão simples de um pai de família”.
Infelizmente, nem sempre, a simplicidade está presente no texto legal. No trânsito, assim como em qualquer área na qual aprofundássemos nosso estudo, encontramos diversas expressões que lhe são próprias, variando, inclusive, no mesmo idioma. Um semáforo pode ser chamado também de farol ou de sinaleira, assim como uma rotatória pode ser uma ilha, uma rótula ou um “queijim”, a depender do regionalismo brasileiro, muito embora a rica variação da nomenclatura não conste da redação legislativa.
Algumas das palavras utilizadas pelo Código de Trânsito Brasileiro são traduzidas, após o seu último artigo, com a expressa explicação, no artigo 4º, de que “os conceitos e definições estabelecidos para os efeitos deste Código são os constantes do Anexo I”. Ainda assim, nem todos os termos de trânsito foram contemplados: o Código traz, por exemplo, o significado de noite (período do dia compreendido entre o pôr do sol e o nascer do sol), mas não faz menção ao que vem a ser um carro, um caminhão, ou um triciclo (apesar de relacionar automóvel, bicicleta, caminhão-trator, caminhonete, camioneta, ciclo, ciclomotor, motocicleta, motoneta, reboque e semirreboque).
A simples análise do Anexo I do CTB nos renderia vários exemplos curiosos, como a lacônica descrição do que são vias rurais (estradas e rodovias), ou a expressão técnica (e pouco conhecida), cuja tradução é acompanhada do seu nome popular – CATADIÓPTRICO: dispositivo de reflexão e refração da luz, utilizado na sinalização de vias e veículos (olho-de-gato).
Aliás, algumas explicações não esclarecem muita coisa: INTERSEÇÃO, por exemplo, é todo cruzamento em nível, mas se o leitor quiser saber o que é CRUZAMENTO, este é descrito como interseção de duas vias em nível.
Não me limitarei, entretanto, aos conceitos e definições propostos pelo legislador de trânsito; minha intenção é percorrer os (atuais) 21 Capítulos do CTB e apontar algumas expressões interessantes que merecem um olhar mais crítico.
Comecemos pelo título do próprio Anexo I: “Dos conceitos e definições”. Afinal, como se preteriu o popular “glossário”, para explicitar os termos técnicos de trânsito, é de se perguntar se as palavras “conceitos” e “definições” se equivalem. Embora pareçam sinônimos, existem diferenças sintáticas para a utilização técnica de tais expressões: O “conceito” pode variar de uma pessoa para outra e é resultante de uma escolha arbitrária (ou convencionada), a respeito daquilo que se quer conceber. Enquanto alguém pode dizer, por exemplo, que o seu conceito de água é “o bem mais precioso da natureza”, outro pode argumentar que o conceito mais adequado seria “uma substância incolor, inodora e insípida”. Tratam-se de conceitos que, mesmo distintos, conservam igual validade, alterando-se tão somente em função do referencial utilizado pelos interlocutores.
Diferentemente, a “definição” procura apontar, em relação a determinado ser ou objeto, quais são suas particularidades que o distinguem de outros do mesmo gênero: por definição, a água é uma substância líquida, composta por duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio.
Mas esta também é uma convenção linguística ignorada: na prática, o CTB parece denominar de “conceitos” e “definições” os significados escolhidos para cada uma das palavras indicadas no Anexo I, sem o rigor técnico apontado.
De igual sorte, em outros dispositivos do Código, encontramos palavras diferentes, com sutis peculiaridades em seu alcance ou com significados exatamente iguais. No primeiro caso, aponto como exemplo o artigo 7º do CTB, que indica os ÓRGÃOS e ENTIDADES que compõem o Sistema Nacional de Trânsito. Apesar de, frequentemente, tais palavras serem usadas como equivalentes, a doutrina de Direito Administrativo costuma nominar ÓRGÃOS os componentes da Administração pública direta, criados por meio da desconcentração do Poder Executivo, enquanto intitula ENTIDADES aquelas criadas pela descentralização administrativa, que dá origem à Administração pública indireta.
No que se refere a palavras diferentes, com igual significado, podemos destacar o artigo 220, inciso I, que pune a velocidade incompatível com a segurança do trânsito, quando o veículo se aproximar de passeatas, aglomerações, CORTEJOS, PRÉSTITOS e desfiles, não havendo diferença substancial entre os termos grifados. Também encontramos sinônimos em artigos distintos do CTB: para indicar infrações de trânsito que ocorrem com o veículo em movimento, por exemplo, a lei utiliza os verbos DIRIGIR (artigos 162, 165, 169, 170 e 252), CONDUZIR (artigos 230, 232, 235, 244 e 255), TRANSITAR (artigos 184, 186, 187, 188, 193, 194, 218, 219, 223, 231, 237, 244 §§ 1º e 2º) e, de forma mais taxativa, QUANDO O VEÍCULO ESTIVER EM MOVIMENTO (artigos 185 e 250), condutas que, na minha opinião, representam a mesma coisa.
O verbo transitar, aliás, contempla uma questão interessante, pois, apesar de ser um verbo derivado do substantivo trânsito (que abrange a movimentação e a imobilização do veículo), indica infrações que, em sua completa maioria, somente podem se configurar se o veículo estiver efetivamente em movimento (por exemplo, transitar em “marcha a ré” ou na “contramão de direção”).
As repetições, às vezes, parecem ser necessárias, para abranger todas as situações que podem ser alcançadas pelo dispositivo legal, como no caso do artigo 277, § 2º, que versa sobre os sinais de embriaguez, excitação ou torpor, decorrentes da influência de álcool, ou do artigo 280, § 2º, que prescreve que a fiscalização eletrônica pode ocorrer por meio de aparelho eletrônico, equipamento audiovisual, reações químicas, ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível. Outras vezes, no entanto, o detalhamento da informação não é apenas desnecessário, mas ilógico: o artigo 218, alterado pela Lei nº 11.334/06, prevê a infração de “transitar em velocidade superior à máxima permitida para o local, em rodovias, vias de trânsito rápido, vias arteriais e demais vias”. Ora, se a infração ocorre em qualquer via, qual é o motivo de começar enumerando-as? (houve aqui, a bem da verdade, uma falta de atenção na alteração legislativa, pois foram aglutinados o antigo inciso I – rodovias, vias de trânsito rápido e vias arteriais – com o antigo inciso II – demais vias – sem se perceber a forma errônea como restou descrita a conduta infracional).
Assim como encontramos palavras diferentes com o mesmo significado, a língua portuguesa também nos oferece palavras iguais, com significados diferentes: a Lei nº 9.503/97, que instituiu o CTB, recebeu a SANÇÃO do Presidente da República, da mesma forma que as penalidades de trânsito, previstas no artigo 256, constituem SANÇÕES administrativas a serem aplicadas aos infratores. No primeiro caso, sanção significa aprovação, enquanto no segundo quer dizer punição.
Em vários artigos do Código, encontramos a necessidade de REGULAMENTAÇÃO do CONTRAN (que quer dizer: elaboração de normas complementares), mas o significado de REGULAMENTAÇÃO DA VIA, no Anexo I, é “implantação de sinalização de regulamentação pelo órgão ou entidade competente com circunscrição sobre a via, definindo, entre outros, sentido de direção, tipo de estacionamento, horários e dias”.
Assim, para que se configure a infração do artigo 187: transitar em locais e horários não permitidos pela REGULAMENTAÇÃO estabelecida pela autoridade competente, entendo que não basta a criação de uma norma, mas é necessária a implantação de sinalização proibitiva.
Outro exemplo está no § 2º do artigo 1º, que garante, a todos, o DIREITO ao trânsito seguro.
Este direito do cidadão é, notoriamente, diferente da mesma palavra, quando empregada na penalidade de trânsito denominada “suspensão do DIREITO de dirigir” (artigo 256, inciso III), posto que esta suspensão se refere à retirada de um ato administrativo anterior, que concedeu o exercício de um privilégio, pelo detentor da CNH (a este respeito, sugiro a leitura de meu artigo “Quando se perde o direito de dirigir – diferenças entre suspensão e cassação”, disponível em http://www.ceatnet.com.br/uploads/suspcass.pdf).
Por vezes, nos deparamos, no CTB, com palavras que nos remetem a uma ideia totalmente distinta do que, efetivamente, se quer designar, ou seja, o conceito atribuído pelo senso comum é diferente do conceito legislativo. O artigo 200, por exemplo, estabelece a infração de trânsito de “ultrapassar pela direita veículo de transporte coletivo ou de escolares, parado para embarque ou desembarque de passageiros, salvo quando houver REFÚGIO de segurança para o pedestre”. A palavra “refúgio”, ao contrário do que pode parecer (de forma bem simples, “lugar para onde correr”), tem um significado delimitado pelo Anexo I: “parte da via, devidamente sinalizada e protegida, destinada ao uso de pedestres durante a travessia da mesma”. Desta forma, o que o artigo quer dizer é que a infração não terá ocorrido quando o veículo de transporte coletivo possuir portas do seu lado esquerdo e estiver embarcando ou desembarcando os seus passageiros no canteiro central da via, utilizado como refúgio, pois, neste caso, não haveria risco à segurança, em uma ultrapassagem pela sua direita.
Também merece atenção o artigo 68, § 5º, o qual estabelece que, nas OBRAS DE ARTE a serem construídas, deverá ser previsto passeio destinado à circulação dos pedestres. Para a lei, “obras de arte” não são monumentos, a serem apreciados em visitação pública, mas apenas designam as passarelas e passagens subterrâneas, que recebem esta denominação pelo Anexo I.
O uso comum de algumas expressões também acaba por consagrar o seu significado na comunicação oral, embora não registrado na lei. Todo motorista sabe que é proibido praticar RACHA, dar CAVALO DE PAU ou ultrapassar em local com FAIXA DUPLA, ainda que desconheça que a lei denomina tais condutas como “disputa de corrida por espírito de emulação” (artigo 173), “exibição de manobra perigosa, com deslizamento ou arrastamento de pneus” (artigo 175) e “ultrapassar onde houver marcação viária longitudinal de divisão de fluxos opostos” (artigo 203, V).
Existem denominações que são substituídas, ao longo do tempo, mas continuam a ser utilizadas no texto legal: a composição do CONTRAN, prevista no artigo 10 do CTB, por exemplo, prevê, entre outros, a participação de representantes do Ministério do EXÉRCITO e da EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, muito embora, atualmente, tais órgãos se denominem, respectivamente, Ministério da DEFESA e da EDUCAÇÃO. Neste caso, as mudanças ocorreram posteriormente à aprovação do CTB e, portanto, as designações não foram grafadas erradas (apenas deixaram de ser atualizadas). No caso do artigo 76, a situação já é diferente: o CTB determina que a educação para o trânsito ocorra em todos os níveis de ensino, mas usa os termos “pré-escola, 1º, 2º e 3º graus”, em contradição com as “novas” nomenclaturas utilizadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que é anterior ao CTB (Lei nº 9.394/96): educação infantil, ensino fundamental, médio e superior.
Há, também, mudanças que são, de certa forma, rejeitadas: o CTB atribuiu um “novo” nome para o documento que comprova o licenciamento anual de um veículo: CLA – Certificado de Licenciamento Anual (artigo 131 e vários outros), em substituição ao antigo CRLV – Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo, mas este revogado nome continua a ser utilizado em todos os documentos expedidos no país, ainda que passados 12 anos de vigência do Código. A questão é tão intrigante, que o CONTRAN publicou, em 1998, a Resolução nº 61/98, apenas para explicar que o CLA, de que trata o Código, é o CRLV. Ressalta-se, ainda, que o modelo de documento sofreu algumas alterações recentes (entre elas, a troca do nome do Ministério coordenador do SNT – da Justiça para Cidades), mas manteve a nomenclatura tradicional do documento. A confusão faz o próprio CONTRAN misturar os nomes: na Resolução nº 205/06, que versa sobre os documentos de porte obrigatório, prevê a exigência do porte do Certificado de Registro e Licenciamento ANUAL – CRLV (???).
Outra Resolução do CONTRAN que serviu apenas para esclarecer um significado foi a de número 22/98: “para efeito da fiscalização, o selo de uso obrigatório, que consta do art. 230, inciso I, comprovará a inspeção veicular, após regulamentação da referida inspeção, a qual estabelecerá, inclusive, a forma desse selo e o local de sua colocação”. Não fosse a explicação do Conselho, muitos não saberiam qual o alcance da palavra SELO, no artigo mencionado.
Infelizmente, existem confusões que nem o CONTRAN explica: qual o significado, por exemplo, da sigla RENACH – Registro Nacional de Condutores Habilitados, como consta do artigo 19, inciso VIII, ou Registro Nacional de Carteiras de Habilitação, como apresenta o Anexo I?
E por falar em sigla, interessante apontar uma palavra incorporada ao nosso vocabulário, que, na verdade, é uma sigla da língua inglesa: no artigo 230, inciso III, encontramos a infração de “conduzir o veículo com dispositivo anti-RADAR”. O radar, nome atribuído, genericamente, aos equipamentos medidores de velocidade, é a junção das primeiras letras de Radio Detection And Ranging (Detecção e Localização por meio de Rádio). Aliás, a oportunidade é propícia, para também esclarecer que os equipamentos eletrônicos usados para constatar outras infrações, como o avanço do sinal vermelho, imobilização na faixa de pedestres e trânsito em locais e horários não permitidos NÃO SÃO considerados radares, mas levam o singelo nome de equipamentos automáticos não metrológicos, conforme a Resolução do CONTRAN nº 165/04.
Já que tratamos de um neologismo (criação de uma palavra nova), convém mencionar outros dois exemplos interessantes: o artigo 5º, ao tratar das competências dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, prevê a atividade de NORMATIZAÇÃO, própria dos Conselhos de Trânsito: embora seja, hoje, admitida na língua portuguesa, a palavra mais correta seria NORMALIZAÇÃO, como sendo a criação de normas; o segundo exemplo fica por conta do verbo OBSTACULIZAR (em vez de obstar), previsto no artigo 246: não obstante tenha se tornado cada vez mais comum (a ponto de ser aceitável), a criação de verbos, com o sufixo “lizar”, é mais adequada quando o verbo derivar de um adjetivo (como de “legal” para “legalizar”) e não de um substantivo (obstáculo).
Entre tantas curiosidades, destaca-se uma palavra totalmente brasileira, que inexiste na língua portuguesa: trata-se do adjetivo CELETISTA, utilizado no artigo 280, § 4º, para se referir aos ocupantes de emprego público, contratados pela Administração pública indireta, pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (nome atribuído à legislação trabalhista de nosso país).
Ainda no artigo 280, § 4º, aproveito para destacar a palavra JURISDIÇÃO, utilizada para determinar a competência da autoridade de trânsito, na designação do seu agente autuador. O correto seria o termo circunscrição (área de atuação territorial), já que jurisdição, que é a capacidade de dizer o direito (do latim jus – direito e dicere – dizer), é exclusiva do Poder Judiciário.
Assim como verificamos inovações linguísticas de nosso idioma, também encontramos, na legislação de trânsito, a utilização de termos estrangeiros: nos artigos 77-B, § 2º; 77-E, § 2º; 105, § 5º e 6º; 108, parágrafo único; 244, § 3º e 277, § 3º, por exemplo, consta o latim caput, próprio do vernáculo jurídico, e que significa cabeça, isto é, a parte introdutória do artigo, antes de sua subdivisão em incisos ou parágrafos (aos que, porventura, desconheciam a expressão, vale explicar que se lê cáput); já nos artigos 77-B e 139-A, incluídos, respectivamente, pelas Leis nº 12.006/09 e 12.009/09, nos deparamos com o inglês outdoor e sidecar.
É, de certa maneira, um equívoco utilizar palavras que não são de nosso idioma, em um texto de lei, mas ainda acho melhor tolerar a inserção de palavras estrangeiras, quando são de domínio público, do que concordar com um termo vulgar, também incluído pela Lei n. 12.009/09, no artigo 139-A, inciso II, que exige, à motocicleta de transporte remunerado de cargas, a instalação de protetor de motor MATA-CACHORRO; sinceramente, não sei como as entidades de proteção dos animais não protestaram contra essa barbaridade, escrita em uma lei cujo objetivo prioritário é a proteção à vida (artigo 1º, § 5º).
Enquanto o Código mata cachorro, mato aqui o meu tempo, encerrando, por ora, minhas divagações. Os que também são críticos, que me acompanhem. Os que são gramáticos que me corrijam, se eu estiver errado. Concordem ou não com os meus apontamentos, temos que reconhecer que, afinal, não é possível admitir que um Código, cuja linguagem, em alguns momentos, seja tão rebuscada, usando a mesóclise, na colocação pronominal do “lavrar-se-á”, do artigo 280, e do “ser-lhe-ão”, do artigo 266, nos renda tantas pérolas, a ponto de nos propiciar o deleite deste texto.
São Paulo, 18 de agosto de 2010.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO
Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP. Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com atuação na área do policiamento de trânsito desde 1996. Conselheiro do CETRAN/SP, de 2003 a 2008. Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação em trânsito do CEAT – Centro de Estudos Avançados e Treinamento / Trânsito (www.ceatt.com.br). Presidente da ABPTRAN – Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito (www.abptran.org). Autor de livros e artigos sobre trânsito. Conselheiro Fiscal da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo – CET/SP, eleito como representante dos funcionários, no atual mandato da Diretoria de Representação.
Vinny Borges
Art. 1 – Comentários aos vetos do Código de Trânsito Brasileiro, por Julyver Modesto de Araujo
Em um Estado democrático de Direito, a elaboração de leis é a representação máxima da participação do povo nas decisões políticas, sendo os parlamentares eleitos os legítimos procuradores da vontade dos cidadãos. No processo legislativo, porém, a final aprovação de uma nova norma jurídica dependerá não apenas da discussão entre os integrantes do Poder Legislativo, mas a tripartição de poderes pressupõe o aval do Poder Executivo, que irá, efetivamente, colocá-la em prática. Assim, após a deliberação (votação) de qualquer lei, há de se enviá-la para sanção (aprovação) ou veto (reprovação) do Chefe do Poder Executivo, nas três esferas de Governo.
Quando uma lei é federal, por exemplo, quem deve emitir a sua concordância, para que lhe dê validade, é o Presidente da República, que deve fazê-lo em, no máximo, quinze dias úteis (artigo 66 da Constituição Federal), sob pena de o seu silêncio importar em sanção tácita do Projeto que lhe tenha sido encaminhado.
Este ritual legislativo não é novidade e já se encontrava previsto na primeira Constituição Brasileira, da época do Império (1824). Nela, determinava-se que uma Comissão de sete parlamentares deveria levar, pessoalmente, o Projeto ao Imperador, para sua aquiescência; se ele recusasse o consentimento, deveria responder aos parlamentares “O Imperador quer meditar sobre o Projecto de Lei”, ao que os representantes deveriam se manifestar, em tom formal: “Louva a sua Magestade Imperial o interesse, que toma pela Nação” (sic).
Antigamente, o Imperador; hoje, o Presidente; o fato é que dependemos da sanção ou veto do Executivo. O veto de uma lei pode ser total ou parcial, sem, entretanto, ser possível a alteração do texto original do Projeto analisado; portanto, se o Presidente não concordar com o teor de determinado dispositivo, sua única possibilidade é vetar o artigo, parágrafo, inciso ou alínea e, caso queira incluir texto que considere mais adequado, deverá fazê-lo mediante outro Projeto de lei, para que seja analisado pelo Legislativo, aguardando o retorno para sua final concordância.
O atual Código de Trânsito Brasileiro, instituído pela Lei nº 9.503/97, teve vários regramentos com os quais o Presidente discordou, ocasionando o seu veto parcial; para corrigir os erros detectados, alguns textos foram reescritos e incorporados ao CTB pela Lei nº 9.602/98, que se originou no Poder Executivo e foi publicada exatamente um dia antes de o Código entrar em vigor; ou seja, quando ele passou a valer, em 22/01/98, já tinham sido incorporadas as mudanças propostas pela Presidência.
No presente artigo, abordarei os vetos ao Código de Trânsito Brasileiro, explicando, de maneira resumida, quais foram os assuntos de cada um deles e as justificativas utilizadas para manifestar a discordância com o Projeto.
SISTEMA NACIONAL DE TRÂNSITO
Artigo 1º, § 4º – Explicava o que eram as “entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito”, mas foi vetado por ter sido interpretado erroneamente, como sendo uma exigência aos entes federados. Ou seja, o Presidente da República entendeu que o dispositivo obrigava que o Sistema Nacional de Trânsito fosse constituído exclusivamente por entes da Administração pública indireta, quando, na verdade, o artigo tão somente explicava que a expressão “entidades” era designativa dos casos em que houvesse este tipo de organização administrativa.
CONSELHO NACIONAL DE TRÂNSITO
Artigo 10 – Estabelecia a composição do Conselho Nacional de Trânsito, com a indicação de 23 (vinte e três) pessoas, de 21 representações diferentes (a entidade máxima representativa dos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios teria direito a 3 cadeiras), envolvendo órgãos públicos e entidades sociais. O veto retirou todas as indicações que não eram afetas aos Ministérios, deixando o CONTRAN com um total de 7 (sete) integrantes, que, segundo a redação original, seriam representantes dos Ministérios indicados; entretanto, mediante Decreto, o Governo federal nomeou os próprios Ministros para comporem o Conselho, sob o argumento de que havia a necessidade de um alto nível para formulação da política e dos programas estratégicos afetos à matéria (tal situação somente foi alterada em 2003, na mudança da coordenação do Sistema Nacional de Trânsito, do Ministério da Justiça para o das Cidades, quando, igualmente, as vagas dos Ministérios foram transferidas dos titulares para representantes indicados); quanto à participação de membros da sociedade, as razões do veto restringiram-na às Câmaras Temáticas, criadas no art. 13.
Artigo 11 – Tratava do funcionamento do CONTRAN, quanto à periodicidade de realização de reuniões e forma de votação, tendo sido vetado com o argumento de que tal regulamentação deveria constar apenas do Regimento Interno do órgão e não do CTB.
Artigo 12, III – Atribuía, ao CONTRAN, a competência de “propor, anualmente, ao ministério ou órgão coordenador máximo do Sistema Nacional de Trânsito, um Programa Nacional de Trânsito compatível com a Política Nacional de Trânsito e com a Política Nacional de Transportes, com objetivos e metas alcançáveis para períodos mínimos de dez anos”, tendo sido vetado por entender que a atribuição não era condizente com a função de órgão normativo, consultivo e coordenador do Conselho.
CÂMARAS TEMÁTICAS
Artigo 13, § 4º – Complementando o dispositivo que criou as Câmaras Temáticas, órgãos técnicos vinculados ao CONTRAN, o § 4º estabelecia que seriam 4 (quatro) as Câmaras: I – Educação; II – Operação, Fiscalização, e Policiamento Ostensivo de Trânsito; III – Engenharia de Tráfego, de Vias e de Veículos; IV – Medicina de Tráfego. O veto deu-se sob o argumento de que a lei não deveria criar as Câmaras de maneira taxativa, deixando tal atribuição a cargo do CONTRAN, que o fez mediante Resolução (a atual, de nº 218/06, menciona as seis Câmaras existentes: I – de Assuntos Veiculares; II – de Educação para o Trânsito e Cidadania; III – de Engenharia de Tráfego, da Sinalização e da Via; IV – Esforço Legal: infrações, penalidades, crimes de trânsito, policiamento e fiscalização de trânsito; V – de Formação e Habilitação de Condutores; e VI – de Saúde e Meio Ambiente no Trânsito).
CONSELHOS ESTADUAIS DE TRÂNSITO
Artigo 14, VII – Atribuía competência do CETRAN para “designar junta médica e psicológica especial para examinar os candidatos à habilitação para conduzir veículos automotores e para revalidação de exames, em caso de recursos deferidos” – o veto decorreu da oposição ao inciso II do artigo 147, tendo sido incluída, na sequência ao veto, redação semelhante no próprio Código (excluindo-se apenas a avaliação psicológica), como inciso XI do artigo 14 (Lei nº 9.602/98).
JUNTAS ADMINISTRATIVAS DE RECURSOS DE INFRAÇÕES
Artigo 18 – As Juntas Administrativas de Recursos de Infrações, tratadas nos artigos 16 e 17, seriam compostas nos termos do artigo 18, o qual foi vetado sob o argumento de que a explícita composição viria a ferir a autonomia de cada Estado e Município; isto é, cabe a cada ente federativo criar a JARI, no âmbito de seus órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários, como melhor lhes convier. Cabe consignar que existem apenas diretrizes para elaboração dos Regimentos internos das JARIs, estabelecidas pelo CONTRAN, no exercício da competência definida no artigo 12, inciso VI, do CTB (atualmente, Resolução nº 357/10).
FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO EM RODOVIAS FEDERAIS
Artigo 21, Parágrafo único – O artigo 21 versa sobre os órgãos executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e a ideia do parágrafo único era retirar, dentre as diversas atribuições estabelecidas, a competência de fiscalização de trânsito do órgão rodoviário da União (antigo DNER, atual DNIT – Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes), já que a fiscalização, em rodovias federais, é realizada pela Polícia Rodoviária Federal (artigo 20). O veto foi justificado pela necessidade de não se ensejar dúvidas quanto à competência da União, na fiscalização de trânsito, mas acabou criando mais divergências ainda – hoje, o DNIT e a PRF têm competências definidas por meio de Resolução do CONTRAN (289/08).
COMPETÊNCIAS DAS POLÍCIAS MILITARES
Artigo 23 – Dos sete incisos do artigo 23, inicialmente previstos no Código, para estabelecer as competências das Polícias Militares no trânsito, seis foram vetados, sob o argumento de que a fiscalização de trânsito não é de competência exclusiva das Polícias Militares, tendo em vista que as infrações de trânsito são preponderantemente de natureza administrativa (na verdade, os incisos não criavam esta exclusividade, até porque justamente o inciso aprovado, III, já menciona que a fiscalização da PM é concomitante com os demais agentes credenciados). O veto acabou por criar um vácuo na legislação, posto que retirou o inciso IV, o qual estabelecia competir à PM “elaborar e encaminhar aos órgãos competentes os boletins de ocorrências relativos aos acidentes de trânsito” e, portanto, deixou-se de constar, na lei, de qual órgão público é a competência do registro de ocorrências.
CIRCULAÇÃO DE MOTOCICLETAS ENTRE VEÍCULOS
Artigo 56 – A proibição de circulação de motocicletas, motonetas e ciclomotores nos corredores formados entre veículos foi retirada do Código de Trânsito, com a justificativa de que “restringiria, sobremaneira a utilização desse tipo de veículo que, em todo o mundo, é largamente utilizado como forma de garantir maior agilidade de deslocamento”. Isto significa que, além de não ser proibida a condução de motocicletas entre veículos, de certa forma, a conduta foi estimulada pelo Poder Executivo, com o veto ao artigo 56 (já há pretensões de se restabelecer a proibição, como artigo 56-A, como consta no Projeto de Lei nº 2.872/08).
CIRCULAÇÃO DE VEÍCULOS COM CARGA PERIGOSA
Artigo 63 – Exigia autorização do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via, para a circulação de: I – veículo transportando carga perigosa que possa danificar a via pública ou colocar a população ou o meio ambiente em risco ou, ainda, comprometer a segurança do trânsito; e II – veículos que não se desloquem sobre pneus (salvo se de uso bélico) – o veto decorreu de se entender que a exigência acarretaria ônus demasiado para os órgãos de trânsito e para os condutores de tais veículos, acrescentando que o assunto já se encontra regulado pelo artigo 101 do CTB (quanto às cargas indivisíveis que podem danificar a via ou comprometer a segurança de trânsito) e pela legislação de transporte de produtos perigosos (em especial o Decreto federal nº 96.044/88 – RTPP).
EMISSÃO DE POLUENTES
Artigo 66 – Vinculava a circulação de veículos ao cumprimento das normas do CONAMA, IBAMA e PROCONVE, com relação à emissão de poluentes, tendo sido vetado com o argumento de que a disposição sobre inspeção de emissão de gases e ruídos dos veículos acarretaria um indesejável conflito de atribuições entre órgãos federais, estaduais e municipais, no exercício de suas competências.
CIRCULAÇÃO DE PEDESTRES
Artigo 68, § 4º – Autorizava a circulação de pedestres na pista de rolamento, quando transportando objetos que atrapalhem a circulação dos demais pedestres, mas foi vetado por se entender que colocaria em risco a integridade física das pessoas e inibiria o fluxo normal de tráfego.
PADRONIZAÇÃO DA OPERAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E POLICIAMENTO
Artigo 92 – Estabelecia competência para o CONTRAN, para padronizar as ações de operação, fiscalização e policiamento ostensivo de trânsito, com o objetivo de quantificar e qualificar homens e equipamentos, inclusive quanto à elaboração de treinamento dos agentes de trânsito – o veto justificou-se pelo entendimento de que o CONTRAN não poderia interferir na autonomia dos Estados e Municípios e acabaria gerando sérias dificuldades de aplicação dos padrões eventualmente estabelecidos.
INSPEÇÃO VEICULAR
Artigo 104, §§ 1º, 2º, 3º e 4º – Detalhavam os critérios para realização de inspeção veicular, estabelecendo quais seriam as entidades aptas à prestação do serviço, bem como prescrevendo a competência solidária de Estados, Distrito Federal e Municípios, para legislar sobre o tema – o veto procurou evitar reserva de mercado às entidades expressas no dispositivo e esclareceu que, quanto à competência legislativa residual, o assunto já se encontra delineado na Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente). Cabe ressaltar que, apesar de o CONAMA já ter regulamentado a inspeção de gases poluentes (antes mesmo do atual CTB), a inspeção técnica de veículos, para verificação dos aspectos de segurança, que é de competência do CONTRAN, continua sem regulamentação efetiva (a Resolução que havia sido elaborada sobre o tema, de nº 84/98, foi suspensa pela nº 107/99).
EXIGÊNCIA DE AIR BAG NOS VEÍCULOS
Artigo 105, IV – Acrescentava, ao rol de equipamentos obrigatórios dos veículos, a exigência de equipamento suplementar de retenção (air bag) frontal para o condutor e os passageiros do banco dianteiro, o que foi retirado do CTB, sob o argumento de que a obrigatoriedade ocasionaria grandes e inexplicáveis transtornos aos proprietários dos veículos que já estavam em circulação, que não poderiam atender ao requerido, por se tratar de um componente original de fábrica. A exigência, entretanto, foi reinserida no artigo 105, como inciso VII, com a alteração da Lei nº 11.910/09 (com prazos para a indústria automotiva determinados na Resolução do CONTRAN nº 311/09, alterada pela nº 367/10).
UTILIZAÇÃO DE PELÍCULAS AUTOMOTIVAS (INSUL-FILM)
Artigo 111, I – Proibia, totalmente, a aposição de inscrições, películas refletivas ou não, adesivos, painéis decorativos ou pinturas, salvo as de caráter técnico necessárias ao funcionamento do veículo e foi vetado por se entender que não havia critério de razoabilidade em uma proibição irrestrita. Na sequência de aprovação do CTB, a Lei nº 9.602/98, entre diversas alterações no Código, incluiu o inciso III ao artigo 111, retomando a proibição, desta vez parcial, apenas quando comprometer a segurança do trânsito, nos termos de regulamentação do CONTRAN (atualmente, prevista na Resolução nº 254/07).
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PARA TRANSPORTE ESCOLAR
Artigo 138, III – Obrigava a avaliação psicológica para os condutores de transporte escolar, tendo sido vetado apenas para acompanhar a retirada da avaliação psicológica prevista no inciso II do artigo 147.
IDENTIFICAÇÃO DE VEÍCULO CONDUZIDO POR PESSOA COM PPD
Artigo 141, § 2º – Atribuía ao CONTRAN a competência para estabelecer normas de identificação do veículo conduzido por pessoa detentora de Permissão para Dirigir – o veto entendeu que tal identificação representaria uma limitação intolerável do direito do cidadão (permissionário), quando, por qualquer circunstância, necessitasse dirigir outro veículo.
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA
Artigo 147, II – O artigo 147, ao tratar dos exames exigidos para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação, incluía, no inciso II, a avaliação psicológica, o que foi retirado, na análise presidencial, por entender que os exames físico-mentais seriam suficientes para verificação da capacitação do candidato à habilitação, acrescentando que “países rigorosos no combate à violência no trânsito não adotam o exame psicológico para motoristas”.
Assim, o processo de habilitação ficaria limitado à realização apenas do exame médico, não fosse a retomada da proposta inicial, após convencimento do Poder Executivo sobre a questão; portanto, o veto acabou ocorrendo, mas o artigo 147 recebeu, antes mesmo de o CTB entrar em vigor, o § 3º, que incluiu a avaliação psicológica no exame de aptidão física e mental, exclusivamente para a primeira habilitação (Lei nº 9.602/98), o que foi ampliado, posteriormente, para a renovação da CNH daqueles que exercem atividade remunerada com o veículo (Lei nº 10.350/01).
Em decorrência do veto ao inciso II do artigo 147, foram vetados mais oito dispositivos legais, que mencionavam a avaliação psicológica como exigência para a obtenção da CNH, cujos textos, em sua maioria, foram transplantados para outras passagens do Código, com a edição da Lei nº 9.602/98, excluindo-se a menção à avaliação psicológica; o único que realmente foi vetado, sem qualquer reinserção foi o artigo 138, inciso III; os demais “transformaram-se” nos seguintes artigos: 14, XI (no lugar do inciso VII); 147, §§ 2º e 4º (no lugar no 149); 148, § 5º (no lugar do 152, § 4º); 155, parágrafo único (no lugar do 157); 159, § 10 (no lugar do § 2º); 269, XI (no lugar do inciso VII) e 159, § 11 (no lugar do 318).
RENOVAÇÃO DOS EXAMES PSICOLÓGICOS E APTIDÃO FÍSICA/MENTAL
Artigo 149 – Estabelecia a periodicidade dos exames psicológicos e de aptidão física e mental: a cada cinco anos, ou a cada três anos para condutores com mais de 65 anos de idade, com possibilidade de diminuição, por proposta do perito examinador – o veto decorreu da oposição ao inciso II do artigo 147, tendo sido incluída, na sequência ao veto, redação semelhante no próprio Código (excluindo-se apenas a avaliação psicológica), como §§ 2º e 4º no artigo 147 (Lei nº 9.602/98).
DISPENSA DE EXAMES AOS PILOTOS CIVIS E MILITARES
Artigo 152, § 4º – Autorizava o CONTRAN a dispensar os pilotos militares e civis que apresentarem o cartão de saúde expedido pelas Forças Armadas ou pelo Departamento de Aeronáutica Civil, respectivamente, da prestação dos exames de aptidão física, mental e psicológica necessários à habilitação para condutor de veículo automotor – o veto decorreu da oposição ao inciso II do artigo 147, tendo sido incluída, na sequência ao veto, redação semelhante no próprio Código (ampliando-se aos “tripulantes de aeronaves” e excluindo-se apenas a avaliação psicológica), como § 5º do artigo 148 (Lei nº 9.602/98). Cabe ressaltar que, como a lei permitiu ao CONTRAN a citada dispensa, tal regulamentação consta do artigo 5º da Resolução nº 168/04.
AUTORIZAÇÃO PARA APRENDIZAGEM
Artigo 157 – Tratava da expedição da autorização para aprendizagem, para o candidato à habilitação que já tivesse sido aprovado em todos os exames anteriores ao curso de prática de direção veicular – o veto decorreu da oposição ao inciso II do artigo 147, tendo sido incluída, na sequência ao veto, redação semelhante no próprio Código (excluindo-se apenas a avaliação psicológica), como parágrafo único do artigo 155 (Lei nº 9.602/98).
VALIDADE DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO
Artigo 159, § 2º – Condicionava a validade da Carteira Nacional de Habilitação ao prazo de vigência dos exames psicológicos e de aptidão física e mental – o veto decorreu da oposição ao inciso II do artigo 147, tendo sido incluída, na sequência ao veto, redação semelhante no próprio Código (excluindo-se apenas a avaliação psicológica), como § 10 do artigo 159.
TRANSFERÊNCIA DO REGISTRO DA CNH
Artigo 159, § 4º – Obrigava que o condutor registrasse sua CNH no órgão de trânsito de seu domicílio ou residência, quando ocorresse mudança, nos trinta dias subsequentes, tendo sido vetado por entender que se trataria de excesso de burocracia, já que a CNH tem validade nacional.
INSERÇÃO DA CONDIÇÃO DE DOADOR DE ÓRGÃOS NA CNH
Artigo 159, § 9º – Obrigava que o condutor constasse, no campo de observações da Carteira Nacional de Habilitação, sua condição de doador de órgãos – o veto justificou-se pelo fato de que o assunto já se encontrava, à época, regulado pela Lei nº 9.434/97. Esta lei, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, previa, em seu artigo 4º, § 1º, que a expressão ‘não doador de órgãos e tecidos’ deveria ser gravada, de forma indelével e inviolável, na Carteira de Identidade Civil e na Carteira Nacional de Habilitação da pessoa que optasse por essa condição; citado dispositivo, entretanto, foi revogado pela Lei nº 10.211/01, que também estabeleceu que as manifestações de vontade, para doação de órgãos, constantes da CNH, perderiam sua validade a partir de 22/12/00.
INFRAÇÃO DE DIRIGIR VEÍCULO FORA DAS RESTRIÇÕES DA PPD
Artigo 162, IV – Criava a infração de trânsito por “Dirigir veículo fora das restrições impostas para a Permissão para Dirigir”, que se baseava em restrições impostas para a PPD, as quais, entretanto, foram suprimidas do Código de Trânsito, motivo pelo qual se fez necessário o veto à infração correlata.
MULTA DE TRÂNSITO “GENÉRICA”
Artigo 256, § 2º – Estabelecia uma multa de trânsito “genérica”, com valor correspondente às infrações de natureza leve (R$ 53,20 e 3 pontos no prontuário), às infrações para as quais não houvesse penalidade específica, enquanto não fossem tipificadas pela legislação complementar ou resoluções do CONTRAN, copiando previsão semelhante do Código Nacional de Trânsito, de 1966 – o veto ocorreu por se entender que há a necessidade de expressa previsão legal para se punir alguém, o que é denominado juridicamente, como princípio da reserva legal (artigo 5º, incisos II e XXXIX, da Constituição Federal).
MULTIPLICAÇÃO DO VALOR DA MULTA, PELA REINCIDÊNCIA
Artigo 258, § 3º – Determinava que o valor da multa seria multiplicado pelo número de infrações cometidas, toda vez que o infrator cometesse a mesma infração mais de uma vez no período de doze meses, tendo sido vetado para não se criar uma distorção do sistema de sanções, fazendo com que se privilegiasse o propósito arrecadatório em detrimento do escopo educativo.
RENOVAÇÃO DA PENALIDADE EM INFRAÇÕES CONTINUADAS
Artigo 258, § 4º – Previa a aplicação da penalidade, a cada quatro horas, no caso de infrações continuadas, tendo sido vetado por se entender que o dispositivo seria aplicável aos casos de estacionamento em local proibido e que o correto, em vez de aplicar várias penalidades, deveria promover a remoção do veículo pelo agente de trânsito, tão logo se constate a infração (ressalta-se que, das dezenove infrações de estacionamento, existe uma que não prevê a remoção do veículo, que é “estacionar na contramão de direção” – artigo 181, XV, do CTB).
APLICAÇÃO DE MULTA, POR EXCESSO DE PONTUAÇÃO
Artigo 259, §§ 1º e 2º – Estipulava uma nova multa, no valor de 1.000 (um mil) UFIR (o equivalente a R$ 1.064,10) ao condutor que atingisse vinte pontos, no período de doze meses, em seu prontuário, o que foi vetado para que não houvesse dupla punição (bis in idem) ao infrator pelo mesmo motivo, já que as infrações cometidas também já teriam sido apenadas com a multa correspondente.
PENALIDADE DE CASSAÇÃO DA PERMISSÃO PARA DIRIGIR
Artigo 264 – Determinava a cassação da Permissão para Dirigir, no caso de cometimento de infração grave ou gravíssima, ou ainda, na reincidência em infração média, e somente foi vetado porque o assunto já se encontra regulado nos §§ 3º e 4º do artigo 148. Apesar de alguns entenderem que não existe a penalidade de “cassação da Permissão para Dirigir” (relacionada no artigo 256, VI), as razões do veto ao artigo 264 nos permitem concluir que existe, sim, tal penalidade, consubstanciada justamente no momento em que o condutor não obtém sua CNH definitiva, por descumprir a regra do artigo 148, § 3º (não ter cometido infração grave, gravíssima, ou mais de uma média, durante o período da Permissão).
REALIZAÇÃO DE EXAMES COMO MEDIDA ADMINISTRATIVA
Artigo 269, VII – O artigo 269 versa sobre as medidas administrativas, a serem aplicadas pela autoridade de trânsito, ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas no Código e dentro de sua circunscrição, relacionando, em seus incisos, cada uma das medidas administrativas (que, na verdade, são relativas ao cometimento de infrações de trânsito e, em sua maioria, previstas taxativamente em cada conduta infracional). Equivocadamente, o inciso VII incluiu, como medida administrativa, a “realização de exames de aptidão física, mental, psicológica, de legislação, de prática de primeiros socorros e direção veicular”, que não possui qualquer relação com as infrações de trânsito e se trata, tão somente, de uma providência interna do órgão executivo de trânsito responsável pelo processo de habilitação – o veto, entretanto, nada teve a ver com esta impropriedade técnica, mas decorreu da oposição ao inciso II do artigo 147, tendo sido incluída, na sequência ao veto, redação semelhante no próprio Código (excluindo-se apenas a avaliação psicológica), como inciso XI do artigo 269 (Lei nº 9.602/98).
PRESUNÇÃO DE CULPA PELO COMETIMENTO DE INFRAÇÃO
Artigo 280, § 1º – Estabelecia como indício de que a infração de trânsito foi cometida, no caso de recusa de receber a notificação ou de aposição de assinatura pelo infrator, certificada pelo agente no auto de infração, o que foi vetado por consagrar modelo jurídico incompatível com o princípio da presunção de inocência.
PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE RECURSO
Artigo 283 – Estabelecia que a notificação de penalidade deveria informar o prazo para apresentação de recurso de trânsito, que deveria ser de, no mínimo, trinta dias, contados da data da IMPOSIÇÃO da penalidade – o veto procurou ampliar o direito de ampla defesa assegurado pela Constituição Federal (artigo 5º, LV), alegando que é princípio assentado no Direito que o prazo para a defesa deve se iniciar da NOTIFICAÇÃO do infrator; para solucionar a questão, os textos do caput e do parágrafo único foram modificados e incluídos como §§ 4º e 5º do art. 282, pela Lei nº 9.602/98.
EXCLUSÃO DE CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE DOS CRIMES DE TRÂNSITO
Artigo 299 – Pretendia excluir, dos crimes de trânsito, a circunstância atenuante prevista no artigo 65 do Código Penal, referente à idade do autor (menos de vinte e um anos, na data do evento, ou mais de setenta, na data da sentença), tendo sido vetado por contrariar a tradição jurídica brasileira, não havendo motivo para tratamento especial ou diferenciado, no caso de crimes de trânsito.
PERDÃO JUDICIAL
Artigo 300 – Versava sobre o perdão judicial, que permitiria ao juiz deixar de aplicar a pena, nas hipóteses de homicídio e lesão corporal, se as consequências da infração atingissem, exclusivamente, o cônjuge ou companheiro, ascendente, descendente, irmão ou afim em linha reta, do condutor do veículo – o veto reconheceu a possibilidade de aplicação do instituto aos crimes de trânsito, mas entendeu que não haveria a necessidade de discipliná-lo no CTB, tendo em vista que já se encontra previsto no § 5º do artigo 121 e § 8º do artigo 129, de forma mais abrangente, posto que se aplica quando “as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”, sem se limitar ao grau de parentesco da vítima. As razões do veto deste artigo são esclarecedoras, quanto à possibilidade de aplicação do perdão judicial aos delitos de trânsito, já que alguns entendem que isto não seria possível, por se encontrar descrito na Parte Especial do Código Penal e tendo em vista que o artigo 291 do CTB estabelece a aplicabilidade das normas gerais do Código Penal aos crimes de trânsito (como se vê, este posicionamento é infundado).
SUBSTITUIÇÃO DA CNH EXPEDIDA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO ANTERIOR
Artigo 318 – Determinava a substituição da Carteira Nacional de Habilitação, expedida na vigência do Código anterior, por ocasião do vencimento do prazo para revalidação do exame de aptidão física e psicológica – o veto decorreu da oposição ao inciso II do artigo 147, tendo sido incluída, na sequência ao veto, redação semelhante no próprio Código (excluindo-se apenas a avaliação psicológica), como § 11 do artigo 159 (Lei nº 9.602/98).
LIMITES DE PESOS E DIMENSÕES DOS VEÍCULOS
Artigos 321; 322; 324 e 327, parágrafo único – Versavam sobre os limites de pesos e dimensões dos veículos, conflitando, entretanto, com as normas vigentes e os acordos internacionais, incluindo os estabelecidos no âmbito do Mercosul, que prevêem outros limites, motivo pelo qual foram vetados, com a justificativa de que o CONTRAN deveria regulamentar a matéria (a principal Resolução atual sobre o assunto é a de nº 210/06).
TOLERÂNCIA DE EXCESSO DE PESO PARA ÔNIBUS RODOVIÁRIOS
Artigo 335 – Criava uma tolerância de excesso de peso, para ônibus rodoviários, em determinadas situações, o que foi vetado por se entender que a autorização acarretaria prejuízo às rodovias brasileiras, além de agravar o risco de acidentes.
Estes foram, portanto, os dispositivos vetados do Código de Trânsito Brasileiro, quando da aprovação da Lei que o instituiu. A Mensagem de veto nº 1.056, de 23/09/97, com a redação original dos textos retirados, e as correspondentes razões de veto, encontra-se disponível neste link.
São Paulo, 11 de fevereiro de 2012.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO
MESTRE em Direito do Estado pela PUC/SP e ESPECIALISTA em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (http://www.ceatt.com.br/); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (http://www.abptran.org/); Conselheiro fiscal da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito, além do blog http://www.transitoumaimagem100palavras.blogspot.com/.
Vinny Borges
Art. 1 – Os órgãos de trânsito e a responsabilidade objetiva omissiva, por Julyver Modesto de Araujo
O artigo 37, § 6º, da Constituição Federal – CF/88, estabelece que “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
De igual sorte, prevê o artigo 43 da Lei n. 10.406/02 (Código Civil) que “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.
De proêmio, destaca-se a distinção entre a responsabilização penal e civil, esta última é a que ora tratamos e, tradicionalmente, se baseia na idéia de culpa, tomada em seu sentido lato sensu, abrangendo também o dolo, ou seja, todas as espécies de comportamentos contrários ao direito, intencionais ou não, representados pela falta de diligência na observância da norma de conduta, estando, destarte, ligada ao específico dever de indenização por fatos lesivos.
Quanto ao seu fundamento, a responsabilidade civil apresenta-se na forma subjetiva (Teoria da culpa ou responsabilidade aquiliana) ou objetiva (Teoria do risco), sendo esta decorrente do risco assumido pelo lesante, em razão de sua atividade, conforme passaremos a expor.
Historicamente, verificamos que no Estado absolutista não havia qualquer determinação da responsabilidade objetiva para a atividade estatal, avaliando-se apenas a conduta do próprio agente, que era tida como ilícita toda vez que causasse algum prejuízo, tendo em vista que o Estado figurava como guardião da legalidade e, por isso, não se aventava qualquer eventual indenização de sua parte, porque todos os seus atos eram tido como legais.
Após a Revolução Francesa, surgiu outra concepção diametralmente oposta, consignada na Teoria do risco integral para a Administração pública, segundo a qual todo dano causado deveria ser indenizado, ainda que ocasionado por caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima.
No Brasil, não se admitiu a Teoria do risco integral, optando-se pela Teoria do risco administrativo, sob a idéia de que todo risco deve ser alvo de garantia, independente de culpa (lato sensu), mas excluindo-se as situações que acabem por separar o nexo causal entre a conduta do Estado e o dano causado ao particular, sendo a Constituição Federal de 1946 a primeira a estabelecer taxativamente a idéia da responsabilidade objetiva da Administração pública, atualmente mantida pelo artigo 37, § 6º da CF/88, conforme acima transcrito.
Ao prescrever a responsabilidade objetiva para a Administração pública, pretendeu o legislador pátrio fixar maior grau de comprometimento do Estado, em relação à iniciativa privada, obrigando que a Administração exerça, em sua plenitude, o dever de vigiar a atuação de seus representantes, arcando com o ônus decorrente dos danos por eles causados.
Assim, ainda que não haja intenção na produção do dano ou que tenha o agente assumido o risco de sua ocorrência (características da ação dolosa), bem como ainda que não tenha o mesmo agido com imprudência, negligência ou imperícia (constituindo-se a culpa stricto sensu), caberá à Administração pública a responsabilidade pela reparação do mal causado, bem como por eventuais indenizações ao prejudicado, o que caracteriza a chamada responsabilidade objetiva, bastando, para sua configuração, a existência do nexo causal, isto é, a relação entre causa e efeito, que demonstre a ação do agente público e o dano resultante.
A responsabilidade subjetiva (em que se avalia o dolo ou a culpa) somente será objeto de apreciação na análise da conduta do próprio agente público, o qual poderá sofrer ação de regresso, nos termos da parte final do artigo constitucional acima transcrito, para restituir à Administração o que esta, num primeiro momento, tenha respondido objetivamente.
Esta premissa constitucional, aliada aos princípios elencados no caput do artigo 37 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), oferece a garantia da proteção aos direitos de todo cidadão, que, em uma eventual ação judicial indenizatória, não necessita comprovar a intenção na produção do resultado danoso, limitando-se a demonstrar o liame de causalidade que impute responsabilidade à Administração pública.
A abrangência da responsabilidade objetiva, quanto à forma de conduta do agente público, se por ação ou omissão, divide os doutrinadores. Parte da doutrina de Direito Administrativo, em que destacamos os eminentes juristas Celso Antonio Bandeira de Melo e Maria Sylvia Zanella di Pietro, vem se posicionando no sentido de que a responsabilidade objetiva da Administração pública somente se aplica aos danos causados na forma comissiva (por ação), já que o dispositivo constitucional utiliza a expressão “…causarem a terceiros…”, complementando o ensinamento de que para os danos ocasionados por omissão, dever-se-ia avaliar a responsabilidade subjetiva, ou seja, se houve, efetivamente, o dolo ou a culpa do agente público.
Embora, para Celso Antonio Bandeira de Melo, a conduta omissiva seja condição e não causa (daí a conclusão alcançada), outra parte considerável dos doutrinadores, entre eles o Ilustre Desembargador Álvaro Lazzarini, admite a responsabilidade objetiva na forma omissiva, tendo em vista que, nas obrigações jurídicas, é possível entender a omissão como causa do dano, naqueles casos em que aquela seja o deflagrador primário deste.
Ao largo desta discussão doutrinária, convém ressaltar que a omissão tem sido incluída no contexto da responsabilidade objetiva no corpo de legislação especial, como ocorre com o direito do consumidor (v. artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor) e no direito ambiental (v. artigo 14, § 1º da Lei n. 6.938/81).
No trânsito, objeto de nosso estudo, verificamos que a legislação especial trouxe condição igualmente diferenciada, ao prever, no § 3º do artigo 1º do Código de Trânsito Brasileiro, que “Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro”.
Ressalta-se que, assim como a Constituição Federal cuidou de mencionar as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, o CTB envolveu, na questão da responsabilidade objetiva, tanto os órgãos, quanto as entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, o que equivale dizer que a regra se aplica tanto à Administração pública direta quanto indireta.
Na atividade dos órgãos e entidades de trânsito, entendemos que o legislador preocupou-se em mencionar, expressamente, a omissão e o erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços, justamente pelo dever legal que possui o Sistema Nacional de Trânsito, no sentido de garantir o direito ao trânsito seguro.
Outro dispositivo legal que merece destaque é o dever de indenizar, tratado no artigo 927 do Código Civil, nos seguintes termos:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Sob este aspecto, reforça nosso posicionamento, quanto à inclusão da conduta omissiva na responsabilidade objetiva dos órgãos de trânsito, o fato de que, pela obrigatoriedade de submissão da Administração pública ao princípio constitucional da legalidade, toda omissão acaba por refletir em descumprimento da própria lei, o que, por si só, configura ato ilícito e, portanto, indenizável. Se para os atos lícitos, é posição pacífica da doutrina o cabimento da responsabilidade objetiva do Estado, com muito mais rigor os atos que contrariem a própria lei.
Infelizmente, não é raro nos depararmos com omissões e erros nas atividades dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, o que deve ser visto com muita preocupação e cautela por seus dirigentes, os quais devem envidar esforços para eliminá-los, diante do que nos resta, em vista de todo o exposto, concitar os órgãos e entidades de trânsito ao cumprimento irrestrito do disposto no CTB, em especial quanto às suas competências, delineadas dos artigos 12 a 24, a fim de que eventuais ações, omissões ou erros não acarretem, para a Administração pública, a responsabilidade objetiva pelos danos causados à sociedade.
São Paulo, 08 de abril de 2012.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, MESTRE em Direito do Estado pela PUC/SP e ESPECIALISTA em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; CAPITÃO da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito, além do blog http://www.transitoumaimagem100palavras.blogspot.com.
Vinny Borges
Art. 1 – Vagas especiais de estacionamento, por Julyver Modesto de Araujo
Dentre as competências dos órgãos executivos de trânsito dos Municípios, previstas no artigo 24 do Código de Trânsito Brasileiro, encontram-se as atribuições, nas vias urbanas, de planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito (inciso II), e de implantar, manter e operar o sistema de sinalização (inciso III), o que somente pode ser exercido pelos entes municipais, quando houver a devida integração ao Sistema Nacional de Trânsito, com a criação de estrutura própria para estas atividades, na conformidade do § 2º do artigo 24 do CTB e Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n. 296/08 (nas vias rurais – estradas e rodovias, tais atribuições são exercidas pelos órgãos executivos rodoviários da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, no âmbito de sua circunscrição, nos termos dos incisos II e III do artigo 21).
Na regulamentação do trânsito viário é que encontramos a possibilidade, por meio das ações desses órgãos, de se estabelecer vagas especiais de estacionamento, mediante a implantação de sinal vertical de regulamentação, placa R-6b (estacionamento regulamentado), com informação complementar e de acordo com os critérios fixados pela Resolução do Contran n. 180/05.
Segundo o Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito (especificamente, o seu Volume I, que trata da sinalização de regulamentação – Resolução n. 180/05), o sinal R-6b deve ser utilizado para:
* regulamentar as condições específicas de estacionamento de veículos, através de informação complementar, tal como, categoria e espécie de veículo, carga e descarga, ponto de ônibus, tempo de permanência, posicionamento da via, forma de cobrança, delimitação de trecho, motos, bicicletas, deficiente físico;
* permitir o estacionamento em locais que têm, como regra geral, a proibição de estacionamento e/ou parada, nos seguintes casos:
– viadutos e pontes;
– ao lado de canteiros centrais, gramados ou jardins públicos;
– acostamentos;
– área de cruzamento: interseção em T, entroncamento e confluências.
Sua validade, quando não acompanhada de informação complementar (tal como “início”, “término” e “na linha branca”), abrange toda a face de quadra ou do trecho de via sinalizado, antes e após a placa que contém o sinal. Se a quadra tiver até 60 (sessenta) metros, uma única placa, no meio do quarteirão, vale para todo o perímetro; se tiver mais de 60 metros, devem ser colocadas duas ou mais placas, de modo a permitir ampla visibilidade e guardando uma distância recomendada, entre elas, de até 60 metros (mas admitindo-se o máximo de 80 metros).
Além da possibilidade de regulamentação do estacionamento conforme o tipo de veículo (por exemplo, “bolsão” próprio para estacionamento de motocicletas), ou determinando o posicionamento na via, diferente do padrão paralelo junto à guia da calçada (como a 45º), verifica-se, pelos princípios de utilização apresentados, a possibilidade de que o órgão de trânsito com circunscrição sobre a via estabeleça vagas especiais de estacionamento, condição que merece especial cuidado, sob pena de se deturpar o preceito legal, já que devem ser atendidos os princípios da Administração pública (mormente, o da impessoalidade e o da finalidade – interesse público).
Assim, é de se verificar em quais situações podem ser criadas vagas especiais de estacionamento, o que se encontra regulamentado pela Resolução do Contran n. 302/08, a qual admite as seguintes áreas de estacionamento específicos:
I – Área de estacionamento para veículo de aluguel (para veículos de categoria de aluguel que prestam serviços públicos mediante concessão, permissão ou autorização do poder concedente), como, por exemplo, táxi ou veículo de transporte escolar;
II – Área de estacionamento para veículo de portador de deficiência física (para veículos conduzidos ou que transportem portador de deficiência física, devidamente identificado e com autorização conforme legislação específica) – as regras para este tipo de estacionamento estão previstas na Resolução n. 304/08;
III – Área de estacionamento para veículo de idoso (para veículos conduzidos ou que transportem idoso, devidamente identificado e com autorização conforme legislação específica) – as regras para este tipo de estacionamento estão previstas na Resolução n. 303/08;
IV – Área de estacionamento para a operação de carga e descarga (para veículos imobilizados, pelo tempo estritamente necessário ao carregamento ou descarregamento de animais ou carga, na forma disciplinada pelo órgão ou entidade executivo de trânsito competente com circunscrição sobre a via) – nota-se, neste caso, que a vaga não é destinada apenas a veículo da espécie carga, mas a qualquer veículo que esteja efetuando tal manobra;
V – Área de estacionamento de ambulância (parte da via sinalizada, próximo a hospitais, centros de atendimentos de emergência e locais estratégicos para o estacionamento exclusivo de ambulâncias devidamente identificadas) – no caso das ambulâncias, desde que registradas como tal, pouco importa se pertencentes a órgão público ou privado, posto não haver esta diferenciação na legislação de trânsito;
VI – Área de estacionamento rotativo (parte da via sinalizada para o estacionamento de veículos, gratuito ou pago, regulamentado para um período determinado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre a via) – trata-se da chamada “zona azul” ou “área azul”, embora estes termos, amplamente difundidos, não sejam contemplados legalmente;
VII – Área de estacionamento de curta duração (parte da via sinalizada para estacionamento não pago, com uso obrigatório do pisca-alerta ativado, em período de tempo determinado e regulamentado de até 30 minutos) – importante destacar que este tipo de estacionamento se caracteriza pela curta duração, não importando qual é o destino do condutor ou passageiro; infelizmente, é muito comum, em qualquer cidade brasileira, encontrarmos vagas de estacionamento para farmácias, quando, na verdade, nenhum estabelecimento pode ter primazia de utilização das vagas de estacionamento nas vias públicas; se, por acaso, a vaga de estacionamento de curta duração estiver localizada defronte a farmácia, mas o condutor deixar ali seu veículo para se dirigir a outro local, não haverá o cometimento da infração de trânsito;
VIII – Área de estacionamento de viaturas policiais (parte da via sinalizada, limitada à testada das instituições de segurança pública, para o estacionamento exclusivo de viaturas policiais devidamente caracterizadas) – o artigo 5º desta Resolução ainda prevê que a área de segurança, na frente de edificações públicas ou consideradas especiais, classificadas desta forma pelas autoridades máximas locais representativas da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, vinculados à Segurança Pública, devem ter proibição total de parada e estacionamento (com implantação da placa R-6c, proibido parar e estacionar).
O artigo 4º da Resolução mencionada estabelece que, para as vagas de estacionamento de veículos de pessoa com deficiência, operação de carga e descarga, ambulância e viaturas policiais, não devem ser regulamentadas áreas de estacionamento específico na via pública, quando a edificação dispuser de área de estacionamento interna e/ou não atender ao disposto no artigo 93 do CTB (“Nenhum projeto de edificação que possa transformar-se em pólo atrativo de trânsito poderá ser aprovado sem prévia anuência do órgão ou entidade com circunscrição sobre a via e sem que do projeto conste área para estacionamento e indicação das vias de acesso adequadas”).
Estas 8 (oito) situações são as únicas para as quais a legislação de trânsito em vigor permite a criação de vagas especiais de estacionamento, sendo irregular qualquer outra diferenciação para um tipo de veículo, autoridade ou estabelecimento, o que se constitui verdadeira “privatização da via pública”. Tal conclusão consta, taxativamente, do artigo 6º da Resolução n. 302/08, segundo o qual “Fica vedado destinar parte da via para estacionamento privativo de qualquer veículo em situações de uso não previstas nesta Resolução”.
Exemplos muito comuns, que podemos citar, de vagas privativas irregulares de estacionamento: veículos oficiais; uso privativo dos Correios; hóspedes de Hotel; pacientes de clínica médica; prefeitos; vereadores; juízes; promotores; padres, entre tantos outros.
Quando implantadas vagas privativas de estacionamento, que não se enquadrem nas possibilidades legais explanadas (como os exemplos acima), há que se considerar a irregularidade também de eventual aplicação de multas de trânsito pelo seu descumprimento, tendo em vista que, segundo o artigo 90 do CTB, “Não serão aplicadas as sanções previstas neste Código por inobservância à sinalização quando esta for insuficiente ou incorreta”.
No caso das vagas de estacionamento autorizadas, a sua utilização por veículo não abrangido por elas (ou em situação incorreta), caracterizará a infração de trânsito genérica do artigo 181, inciso XVII, do CTB [Estacionar o veículo em desacordo com as condições regulamentadas especificamente pela sinalização (placa – Estacionamento Regulamentado)], sendo necessário que o agente de trânsito anote, no campo de observações do auto de infração, qual foi a conduta efetivamente constatada: por exemplo, “não efetuou pagamento da tarifa de estacionamento rotativo”, “vaga de idoso, veículo sem credencial”, “veículo não acionou pisca-alerta, em vaga de curta duração”, “não efetuava carga e descarga” etc.
Além da multa, o Código de Trânsito prevê também a remoção do veículo, como medida administrativa complementar, necessária à desobstrução da via (por não se constituir uma penalidade, esta medida não deve ser aplicada quando o condutor/proprietário comparecer ao local de estacionamento e se dispuser a retirar o veículo de onde se encontra).
Obviamente que todas as considerações aqui expostas são válidas tão somente para a regulamentação de estacionamento nas vias públicas, posto a aplicabilidade do Código de Trânsito Brasileiro (constante de seu artigo 1º). Quando existentes vagas de estacionamento em áreas privadas/estacionamentos particulares, a responsabilidade por sua instituição, demarcação e sinalização é diretamente do proprietário/responsável daquele espaço; nestes locais, não são aplicáveis as regras sob comento, podendo ser criadas vagas particulares de estacionamento, segundo critério e interesse próprios (ressalvada apenas a obrigatoriedade de reserva de vagas para pessoas com deficiência: 2% e para idosos: 5%, conforme Leis n. 10.098/00 e 10.741/03, respectivamente); em contrapartida, também não é possível a imposição de multas de trânsito pelo seu descumprimento.
São Paulo, 10 de novembro de 2014.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 1 – Alterações legislativas para a melhoria da segurança viária, por Julyver Modesto de Araujo
Recentemente, escrevi sobre a necessidade de se repensar a forma como o Poder Executivo atua na área do trânsito, em relação à atuação normativa exercida pelo Conselho Nacional de Trânsito – Contran, de vez que há de sua parte uma usurpação da função legislativa que deveria ser levada a efeito exclusivamente pelos parlamentares eleitos pelo povo.
Dando sequência à análise acerca da legislação de trânsito brasileira, quero aproveitar este final de ano e a mudança de legislatura do Congresso Nacional, para destacar um aspecto do processo legislativo que é desconhecido da maioria das pessoas e que, em minha opinião, não obstante represente a oportunidade de novos ares na política brasileira, simultaneamente também significa um verdadeiro desperdício de tempo e de dinheiro público.
Explico: a LEI é importante para a melhoria da segurança viária? Sim, não tenho dúvidas disso; afinal, somente por meio da existência de uma norma imposta pelo Estado é que o ser humano se tornará limitado verdadeiramente a agir de determinada forma, sob pena de, não o fazendo, sofrer a sanção prevista no próprio dispositivo normativo, em um ciclo capaz de lhe dar concretude – esta é a premissa da vida em sociedade, de forma geral e, em particular, também no trânsito.
As alterações legislativas são necessárias no trânsito? Muito provavelmente sim, já que as coisas mudam, as relações sociais se alteram, as tecnologias se modificam, os equipamentos automotivos evoluem, novas soluções surgem para velhos problemas.
Mas por quanto tempo uma lei é válida e útil? A partir de quando ela deveria ser revisada, obrigatoriamente? Existe um prazo de “validade”?
A legislação de trânsito brasileira começou de maneira esparsa em 1910, tendo o 1º Código Nacional de Trânsito sido publicado somente em janeiro de 1941 (Decreto-Lei n. 2.994, de 28JAN41) – este Código teve vida curta, apenas alguns meses, posto que em setembro do mesmo ano foi revogado e substituído pelo 2º Código Nacional de Trânsito (Decreto-Lei n. 3.651, de 11SET41), o qual, por sua vez, teve vigência por 25 anos, tendo sido substituído em 1966 pelo 3º CNT (Lei n. 5.108, de 21SET66) e, este se manteve válido por pouco mais de 31 anos, até 22JAN98, quando, então, passou a valer o atual CTB (Lei n. 9.503/98).
Em 31 anos de vigência, o 3º CNT (de 1966), além de ter sido complementado pelo seu Regulamento (Decreto n. 62.127/68), foi alterado por 15 outras Leis [1], o que representou uma frequência bem menor do que o que vem ocorrendo atualmente, já que o CTB em vigor há menos tempo (só 20 anos) já foi alterado por um número maior de Leis, 34, até a 1ª quinzena de dezembro, sendo a mais recente a de n. 13.614/18 (mas já havendo Projeto de Lei definitivamente aprovado em ambas as casas e encaminhado à sanção presidencial – PL n. 1.530/15).
A impressão que dá, ao analisar o número de Leis aprovadas e o tempo de duração delas, é que, assim como o avanço rápido da tecnologia, a norma de conduta viária também deveria acompanhar o mesmo ritmo acelerado de mudanças. Mas será mesmo? Até que ponto é necessário alterar a legislação de trânsito que está estabelecida? É melhor sedimentar uma regra, divulgá-la exaustivamente, fiscalizar o seu cumprimento com rigor, exaurir todas as eventuais dúvidas a seu respeito ou, simplesmente, ficar mudando diante de quaisquer questionamentos que forem surgindo?
Será que PRECISAMOS de alterações legislativas para melhoria da segurança viária? Ao escrever este texto, na data de 17DEZ18, acessei o site da Câmara dos Deputados (www.camara.gov.br) e pesquisei os Projetos de Lei em tramitação que contivessem a expressão “Código de Trânsito Brasileiro” na sua ementa ou na indexação, ao que encontrei 854 resultados.
Com certeza, dentre eles há boas ideias e projetos interessantes; todavia, o que muita gente não sabe é que a maior parte destes Projetos será ARQUIVADO no próximo mês, justamente para dar espaço para que os próximos Deputados federais eleitos possam apresentar os seus próprios Projetos no Parlamento; e é justamente isso que quis dizer anteriormente com “desperdício de tempo e dinheiro público”, pois nós, povo, pagamos nossos representantes (e toda a máquina pública) para debater temas que, após alguns meses, ou até anos, acabam sendo jogados fora, PORQUE NÃO HOUVE CONCLUSÃO DO TRABALHO.
Isto porque, de acordo com o artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados:
Art. 105. Finda a legislatura, arquivar-se-ão todas as proposições que no seu decurso tenham sido submetidas à deliberação da Câmara e ainda se encontrem em tramitação, bem como as que abram crédito suplementar, com pareceres ou sem eles, salvo as:
I – com pareceres favoráveis de todas as Comissões;
II – já aprovadas em turno único, em primeiro ou segundo turno;
III – que tenham tramitado pelo Senado, ou dele originárias;
IV – de iniciativa popular;
V – de iniciativa de outro Poder ou do Procurador-Geral da República.
Parágrafo único. A proposição poderá ser desarquivada mediante requerimento do Autor, ou Autores, dentro dos primeiros cento e oitenta dias da primeira sessão legislativa ordinária da legislatura subsequente, retomando a tramitação desde o estágio em que se encontrava.
Ou seja, só NÃO será arquivado o Projeto se, entre outras situações, já tiver parecer FAVORÁVEL de TODAS as Comissões; além disso, mesmo que seja arquivado, poderá ser desarquivado se o autor do Projeto solicitar seu desarquivamento, no prazo de 180 dias; vale destacar, entretanto, que, nesta eleição, 53,2% dos Deputados não foram reeleitos e, por este motivo, não poderão fazer tal solicitação.
No Senado, há previsão semelhante, no artigo 332 de seu Regimento Interno.
Na mudança de legislatura de 2014, a Câmara dos Deputados arquivou nada menos que 11.543 proposições, das quais mais de 300 referiam-se à legislação de trânsito (relatório disponível em http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/55a-legislatura/arquivos-atividade-legislativa-2015/proposicoes-arquivadas)
Existem casos bem pitorescos que têm sido arquivados, sistematicamente, de 4 em 4 anos, e que, tendo sido os autores reeleitos, são igualmente desarquivados. Alguns Projetos de Leis mais antigos de alteração do CTB, que foram apresentados POUCOS MESES DEPOIS DE O CÓDIGO ENTRAR EM VIGOR são os PL n. 4.143/98, 4.367/98 e 4.368/98, do Dep Fed Hermes Parcianello, PMDB/PR; o PL 4.355/98, do Dep Fed Coriolano Sales, PDT/BA; o PL 1.042/99, do Dep Fed Antônio Jorge, PFL/TO; o PL 665/99, do Dep Fed Gustavo Fruet, PMDB/PR; e os PL 149/99 e 213/99, do Dep Fed Enio Bacci, PDT/RS.
Há Projetos que até mesmo se colidem com alterações ocorridas recentemente, mas o Poder Legislativo, ao que tudo indica, não “teve condições de perceber” a mudança no CTB: o PL 4.124/98, do Dep Fed Paulo Rocha, do PT/PA, por exemplo, foi apresentado DOZE DIAS DEPOIS QUE O CTB ENTROU EM VIGOR (SIM, ISSO MESMO, DIA 03FEV98), foi aprovado na Câmara, alterado no Senado e retornou para Câmara, mas ATÉ HOJE continua sendo arquivado e desarquivado, em toda mudança de legislatura, sem que se dê a devida finalização no Projeto. Sua proposta pretendia tão somente incluir o inciso XX ao artigo 181, criando infração de trânsito relativa ao estacionamento de veículo em vaga destinada a pessoa com deficiência, e está, desde 2015, pronta para pauta, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (mas a infração já existe, por conta da alteração do CTB dada pela Lei n. 13.281/16).
Sinceramente, não dá para entender o motivo pelo qual Projetos tão antigos (independente da sua pertinência, conveniência e oportunidade, não estou nem entrando no mérito) continuam em tramitação, sem que se dê qualquer destino a eles, enquanto outros “passam simplesmente na frente”.
Ao longo da vigência do CTB, inclusive, das 34 Leis de sua alteração, tivemos 8 (oito) que surgiram de Medidas Provisórias, as quais, se analisadas criteriosamente, nem sempre atenderam aos requisitos da relevância e urgência que deveriam ter cumprido, nos termos do artigo 62 da Constituição Federal, para que seguissem como MP.
A mais recente, para exemplificar, que foi a 699/15, iniciou-se para tratar da greve de caminhoneiros ocorrida no Brasil em 2015, e acabou por se tornar a Lei que mais alterou o CTB (13.281/16), tratando de assuntos dos mais diversos, desde aumento dos valores de multas de trânsito e períodos da suspensão do direito de dirigir, até regras de notificação eletrônica.
As 8 Leis que se originaram de Medidas Provisórias (e as correspondentes MPs) foram as seguintes: Lei n. 11.705/08 (MP 415/08); Lei n. 12.058/09 (MP 462/09); Lei n. 12.249/10 (MP 472/09); Lei n. 12.865/13 (MP 615/13); Lei n. 12.998/14 (MP 632/14); Lei n. 13.097/15 (MP 656/14); Lei n. 13.154/15 (MP 673/15); e Lei n. 13.281/16 (MP 699/15).
Além desta priorização às Medidas Provisórias (as quais, realmente, se sobrepõem na pauta do processo legislativo), também se destaca outra estranheza, no tocante à alteração do Código de Trânsito Brasileiro, em minha opinião, que foi a criação recente da Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei n. 8.085/14 do Senado Federal, com o objetivo de criar um “novo Código de Trânsito”.
Minha crítica se deve ao fato de que, não obstante a boa vontade de todos os envolvidos (e, inclusive, dos profissionais que participaram das audiências públicas realizadas), o fato é que, segundo a própria página de acompanhamento da Câmara dos Deputados, o PL possui 184 outros Projetos apensados, o que significa que NÃO contempla TODAS as proposições que atualmente se encontram em tramitação para alteração do CTB; isto é, foram escolhidos alguns Projetos, mas deixaram-se outros de lado; ademais, por incrível que pareça, a propositura que deu origem, que foi a alteração do artigo 158 do CTB (apenas esta mudança), proposta pela Senadora Ana Amélia, simplesmente foi retirada do texto aprovado no relatório disponibilizado à audiência pública pela Comissão (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=749470).
Como este PL originou-se no Senado, NÃO haverá o seu arquivamento, mas centenas de outros terão como destino o arquivo, na conformidade do artigo 105 do RICD. Que os novos Projetos a serem apresentados pelos novos Deputados (e por aqueles que foram reeleitos) tenham começo, meio e fim! Não faz absolutamente qualquer sentido apresentar Projetos com alterações legislativas que não trazem efetiva melhoria para segurança viária e que gastam tempo e dinheiro público, para, depois de meses e anos, serem arquivados por não terem sido concluídos.
NA VERDADE, NÃO PRECISAMOS DE MAIS LEIS!
PRECISAMOS CUMPRIR AS QUE JÁ EXISTEM…
São Paulo, 17 de dezembro de 2018.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Decreto-Lei n. 237/67; Decreto-Lei n. 584/69; Decreto-Lei n. 912/69; Lei n. 5.693/71; Lei n. 5.820/72; Lei n. 6.124/74; Lei n. 6.308/75; Lei n. 6.369/76; Lei n. 6.731/79; Lei n. 7.031/82; Lei n. 7.052/82; Lei n. 7.138/83; Decreto-Lei n. 2.448/88; Lei n. 8.052/90; e Lei n. 8.102/90.
Vinny Borges
Art. 1 – 22 anos de Código de Trânsito Brasileiro, por Julyver Modesto de Araujo
O comportamento de motoristas e pedestres tem demonstrado despreparo e inadequação de posturas frente ao trânsito tanto nas cidades como nas estradas.
Os instrumentos legais e institucionais do poder público têm se mostrado defasados no tempo, na escala e na técnica frente a urgência e complexidade da matéria.
A ação desarticulada de muitos órgãos públicos, duplicando esforços, pulverizando responsabilidades, tem resultado num uso incrível de recursos humanos e financeiros.
As estatísticas de acidentes de trânsito, ou mais drasticamente, os números de brasileiros mortos e feridos superam até 10 vezes os números observados em países Europeus e da América do Norte.
A inadequação tanto da legislação como da justiça às reais demandas do Sistema de Trânsito, exponencialmente crescentes em função do maciço e privilegiado uso do automóvel como meio de transporte têm, juntamente com a falta do sentimento de cidadania, estimulado o desrespeito à lei com consequente crescimento da violência no trânsito.
O texto acima, embora pareça atual, é um trecho da Exposição de motivos do (então) Ministro da Justiça, Sr. Mauricio Correa, ao apresentar o Projeto de Lei do Executivo n. 3.710/93, em 20MAI93, à Câmara dos Deputados, o qual resultaria, 4 anos depois, na aprovação do 4º Código de Trânsito do Brasil, que passou a se chamar CTB, em substituição ao CNT – Código Nacional de Trânsito, de 1966. Registre-se que citado Projeto havia sido cuidadosamente elaborado por uma Comissão Especial criada em 1991, por Decreto s/n, de 06JUN91, assinado pelo Presidente em exercício Itamar Franco, com o objetivo de conter o crescimento da violência no trânsito.
No dia 22 de janeiro de 2020, completamos 22 anos de vigência do atual CTB, instituído pela Lei n. 9.503/97, publicada em 23SET97 e em vigor a partir de 22JAN98, conforme prazo determinado em seu artigo 340.
22 anos depois, tendo sido alterado por 38 outras Leis e complementado por 780 Resoluções do Conselho Nacional de Trânsito, importante refletirmos sobre algumas questões: “O nosso Código de Trânsito está adequado às necessidades sociais e com foco à segurança viária”? “As normas nele fixadas estão sendo efetivas para a mudança do quadro alarmante que se pretendia combater em 1991, quando se deu iniciou à sua elaboração”? “Estas alterações e complementos realmente melhoraram a nossa legislação de trânsito”?
Interessante observar, nesta retrospectiva histórica, que a 1ª das 38 Leis a alterarem o CTB surgiu antes mesmo que ele entrasse em vigor: quando o Presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a Lei n. 9.503/97, decidiu vetar alguns dispositivos do Projeto que lhe foi devolvido pelo Congresso Nacional, a partir do anteprojeto criado pela Comissão Especial do Poder Executivo; destarte, as razões de veto e a análise do Executivo acerca do novo Código resultaram em mais um Projeto encaminhado ao Congresso, para alguns ajustes pontuais no CTB, que acarretou na publicação da Lei n. 9.602/98, em 21JAN98, ou seja, um dia antes do início da sua vigência.
Assim, o nosso atual CTB já começou a valer com alterações publicadas na véspera do seu 1º dia de validade (lembro, inclusive, que, nesta época, eu já trabalhava na fiscalização de trânsito, no Comando de Policiamento de Trânsito da PMESP, e vi um vendedor ambulante, no centro de São Paulo, vendendo o “novo CTB”, ao que pedi pra dar uma olhada e percebi que era um livro de bolso, recém lançado, que continha tão somente a Lei n. 9.503/97, sem as alterações da Lei n. 9.602/98, e tive que explicar ao comerciante que o seu produto já estava defasado).
Apesar da indiscutível necessidade da existência de LEI para possibilitar a vida em sociedade, ao conter os abusos da liberdade individual, em prol do interesse coletivo, há que se perguntar até que ponto há a real exigência de constantes alterações.
Aliás, começamos, há 22 anos, com um Código de Trânsito fruto de um Projeto de Lei do Executivo e, neste ano de 2020, retomaremos a discussão iniciada em 2019, acerca de mais um PL enviado pelo Presidente da República para mudanças na legislação de trânsito: trata-se do PL n. 3.267/19, que se encontra em tramitação em Comissão Especial criada para esta finalidade (com declaração recente presidencial, de que pretende retirá-lo de pauta, por ter sido desfigurado no relatório substitutivo do Dep Fed Juscelino Filho, após as exatas 312 Emendas parlamentares, sendo 228 no período de apreciação inicial e outras 84 ao 1º substitutivo do relator).
No meio deste longo período, em que o CTB começou com mudanças do Executivo (Lei n. 9.602/98) e em que, hoje, nos encontramos na mesma condição (PL n. 3267/19), outras 37 Leis já foram aprovadas para alteração das normas viárias. Já que ninguém pode alegar o desconhecimento de qualquer Lei para deixar de cumpri-la (artigo 3º do Decreto-Lei n. 4.657/42 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), a maior preocupação, no meu ponto de vista, deve ser a seguinte: a sociedade, em geral, conhece bem a Legislação de trânsito brasileira, para que o seu cumprimento (de forma natural ou imposto pela fiscalização) objetive o resultado que se pretende?
Afinal, a Lei, por si só, não tem o condão de promover mudanças na sociedade, havendo a necessidade de uma real conformação do comportamento humano ao desejável, a partir daquilo que é externado no texto legal, o que representa a essência do Direito, que é o mundo do “dever-ser”.
Infelizmente, parece-me que este pressuposto não é levado em consideração quando analisamos o incessante trabalho legislativo em nossa área (seja nos Projetos com gênese no seu nascedouro originário, que é o Congresso Nacional, seja nas proposituras oriundas do Poder Executivo, tanto quando há o encaminhamento de Projeto de Lei ordinária ou nos diversos casos já ocorridos, de alteração mediante Medida Provisória, a ser chancelada posteriormente pelo Parlamento).
Penso (e tenho defendido esta ideia há bastante tempo) que o ideal seria termos uma legislação mais enxuta, resumida, com menos artigos e, principalmente, sem tantas alterações.
É notório que não se cumpre aquilo que não se conhece. E é óbvio que se torna difícil conhecer aquilo que é complexo e modificado com tanta frequência como tem ocorrido.
Vivemos, lamentavelmente, uma insegurança jurídica enorme, em que, antes mesmo de termos plena ciência do comportamento que a Lei nos determina, já não é mais a mesma norma que se encontra em vigência. Quem ganha com isso? Quem perde com isso?
É claro que sempre haverá o que melhorar, mas há que se considerar o custo/benefício de mudanças tão intensas… ouso dizer que TALVEZ (veja bem: TALVEZ) se estivéssemos comemorando os 22 anos do atual Código de Trânsito Brasileiro, sem absolutamente NENHUMA modificação, mas com os seus iniciais 341 ARTIGOS todos sendo fielmente cumpridos, tanto pelo Poder público, quanto pelos cidadãos, nós teríamos muito mais motivos para nos orgulharmos da nossa legislação de trânsito.
TALVEZ os municípios estivessem todos integrados ao Sistema Nacional de Trânsito, exercendo todas as atribuições determinadas no artigo 24, para a melhoria do trânsito!
TALVEZ a educação para o trânsito em todos os níveis de ensino, exigida pelo artigo 76, já tivesse proporcionado novas gerações de pessoas comprometidas com o trânsito seguro!
TALVEZ a inspeção veicular, exigida pelo artigo 104, estivesse sendo realizada em todos os veículos automotores, retirando de circulação aqueles que não tem mais condições de uso!
TALVEZ os condenados por delito de trânsito estivessem sendo obrigados à realização de novos exames para voltarem a dirigir, como prevê o artigo 160!
TALVEZ os pedestres também estivessem sendo penalizados por comportamentos inseguros, que coloquem a sua própria vida em risco, nos termos do artigo 254!
TALVEZ os infratores contumazes ou aqueles que colocam em risco a segurança do trânsito estivessem sendo submetidos a Curso de reciclagem, independente de suspensão do direito de dirigir, na forma determinada no artigo 268!
Mas tudo isto é TALVEZ, pois, em vez de cumprir o que já existe na Lei, parece-me que muita gente se preocupa em simplesmente alterá-la, achando que esta é a SOLUÇÃO…
PARABÉNS, CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, PELOS 22 ANOS DE RETALHOS!!!
São Paulo, 20 de janeiro de 2020.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano de 1996 a 2019, atualmente Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (2019/2021); Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 1 – Fiscalização de trânsito em época de pandemia, por Julyver Modesto de Araujo
Estamos vivendo um período de dificuldades e incertezas, frente à propagação de uma ameaça que, apesar de invisível, é capaz de provocar enormes estragos. A pandemia declarada pela Organização Mundial de Saúde, por conta do corona vírus (covid19), e as ações governamentais decorrentes alteraram hábitos, rotinas, relações profissionais e interpessoais, em um cenário desafiador e de proporções inimagináveis até pouco tempo atrás.
Embora existam várias outras causas de morte no Brasil e no mundo, que mereceriam a mesma atenção e conjugação de esforços de toda a coletividade para sua solução, como é o caso, em especial para nós que trabalhamos na área, das tragédias no trânsito, o fato é que o problema que ora enfrentamos se tornou prioridade, desde os debates acalorados (e de opiniões antagônicas) na mídia e nas redes sociais, até as ações desencadeadas pelos órgãos públicos.
Ainda que o vírus tenha se colocado como primeira preocupação da sociedade (não se sabe ainda por quanto tempo), é desnecessário dizer que ele não teve o condão de resolver todos os outros males sociais, ou seja, mesmo com todas as preocupações para não se contrair o vírus que ora se combate, continuaremos, infelizmente, a conviver com mortes decorrentes dos diversos outros fatores que anteriormente já nos afetavam, inclusive o TRÂNSITO.
De nada adianta, por certo, utilizar máscaras e higienizar as mãos com álcool em gel, se a conduta na via pública continuar a ser imprudente e sem as precauções de segurança que, desde há muito, temos (profissionais do trânsito) nos empenhado em estabelecer como necessárias.
Por incrível que pareça, as estatísticas de trânsito nos parecerão mais promissoras, quando avaliados tão somente os números de mortes e lesões neste período, já que o isolamento social e a quarentena domiciliar recomendados, ao causarem uma diminuição de pessoas na via pública, também impactam na menor exposição dos indivíduos aos riscos que nos submetemos todos os dias; tal constatação não é, entretanto, motivo de comemoração e nem mesmo de contração do empenho de todos os órgãos de trânsito, na melhoria das condições de segurança viária.
Neste sentido, é de se questionar como deve ser a ação de FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO: o que deve mudar nestes tempos de pandemia?
O Presidente do Conselho Nacional de Trânsito expediu as Deliberações n. 185, 186, 187 e 188/20, para padronizar os procedimentos dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito neste período crítico, das quais destacarei os seguintes assuntos, relativos à fiscalização:
1. Interrupção de prazos (Deliberação n. 185/20)
Estão interrompidos, por tempo indeterminado, os seguintes prazos:
1.1. Interposição de defesa e recursos, em 1ª e 2ª instâncias, tanto de multa, quanto de suspensão do direito de dirigir e cassação do documento de habilitação;
1.2. Indicação de condutor infrator;
1.3. Transferência de veículo;
1.4. Registro e licenciamento de veículos novos; e
1.5. Renovação do exame de aptidão física e mental da Carteira Nacional de Habilitação e Permissão para Dirigir, quando vencido a partir de 19/02/2020 (ou seja, os documentos de habilitação que vencerem a partir da data mencionada continuam válidos para todos os efeitos, não incidindo o condutor na infração do artigo 162, V, do Código de Trânsito Brasileiro – “dirigir veículo com validade da Carteira Nacional de Habilitação vencida há mais de trinta dias”).
A interrupção (diferente do instituto processual da suspensão) significa que o prazo recomeçará do zero, quando encerrado o período que a motivou (havendo a necessidade, portanto, de posterior ato normativo divulgando a data de início dos novos prazos).
2. Expedição de notificações de autuação e de penalidade (Deliberação n. 186/20)
Como estão interrompidos os prazos de defesa, indicação de condutor infrator e de recurso, de nada adiantaria expedir as notificações neste período, motivo pelo qual ficou assim decidido:
2.1. Notificação de autuação deve apenas ser inserida no sistema de processamento de dados do órgão autuador, para cumprimento do prazo máximo de 30 dias, sem remessa ao proprietário do veículo;
2.2. Quando encerrada a interrupção de prazos, com revogação da Deliberação n. 185/20, a notificação de autuação deve ser expedida contendo a data de término do prazo para indicação de condutor infrator e apresentação de defesa da autuação;
2.3. Notificação de penalidade NÃO deve ser expedida por enquanto (por critério lógico, já que o prazo para defesa está interrompido).
A expedição de atos normativos infralegais (como as mencionadas Deliberações assinadas pelo Presidente do Contran), embora questionável juridicamente, por, de certa forma, alterar regras que constam da Lei, tem por objetivo principal regular os procedimentos a serem adotados pelos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito, neste período em que muitos deles estão, é de se frisar, sem atendimento presencial, motivo pelo qual entendo que as regras são razoáveis e legítimas, até porque criam benefícios (e não ônus) para os cidadãos. Esperar modificação legislativa para dar validade a tais propostas redundaria, muito provavelmente, em não solução.
Além destas regras estabelecidas expressamente, algo que penso ser salutar para a eficiência e eficácia na prestação do serviço público reside na padronização interna dos órgãos de fiscalização, em suas atividades rotineiras.
Isto porque, embora, em minha opinião, seja adequado manter a fiscalização eletrônica (por meio de equipamentos medidores de velocidade ou sistemas automáticos não metrológicos), para garantir níveis mínimos de segurança viária, a fiscalização realizada por agentes de trânsito deve ser repensada e programada de forma a conciliar a necessidade de preservação da segurança viária com a diminuição do risco de contágios.
A realização de bloqueio de fiscalização de trânsito (a chamada blitz), por exemplo, como forma de prevenção, dissuasão de comportamentos infracionais e verificação das irregularidades na condução do veículo, é algo a ser avaliado com cuidado, até mesmo quando a intenção for, de forma aleatória, constatar o consumo de álcool pelos condutores, por meio do uso do etilômetro, nas chamadas Operações “Lei Seca”, “Balada segura”, “Direção Segura” ou qualquer outra denominação que venha sendo utilizada – não obstante a importância (e necessidade) de continuar a fiscalização de alcoolemia, defendo, durante o período em que vivemos, o seu direcionamento aos casos pontuais, quando alguém apresenta sinais de alteração de capacidade psicomotora, e não de maneira maciça e indiscriminada.
Apontei, exemplificadamente, a questão da alcoolemia, mas a mesma análise serve para toda a fiscalização preventiva, normal e perfeitamente legal no cotidiano dos órgãos policiais e fiscalizadores – não há muita lógica, neste período de quarentena e isolamento, realizar operações voltadas à abordagem de veículos e condutores, para verificação da regularidade do licenciamento, da habilitação, equipamentos obrigatórios e demais condições necessárias à circulação em via pública.
É claro que, em se deparando com infrações de trânsito relativas a tais situações, a consequência legal cabível é a elaboração do auto de infração pelo agente de trânsito (e consequente imposição de penalidade), como em qualquer outra conduta irregular, mas não vejo por que se buscar a fiscalização destes itens, como parte do serviço rotineiro dos órgãos.
Aliás, o papel do agente de trânsito vai muito além da “busca” por infrações já cometidas, pois sua atuação ostensiva, que continua normalmente, permite a prevenção, a fim de evitar os comportamentos infracionais; ademais, no exercício da operação de trânsito, ao realizar o monitoramento técnico da via, este profissional reveste-se de elevada importância para assegurar ao cidadão a mobilidade urbana eficiente, nos termos do artigo 144, § 10, da Constituição Federal.
De toda forma, não há que se olvidar que a fiscalização necessita ser planejada e executada conforme a realidade social e a proteção ao interesse público. De igual sorte, as medidas administrativas decorrentes das infrações de trânsito também devem ser adaptadas pelos órgãos e entidades de trânsito, para que haja lógica e razoabilidade em sua adoção – não faz sentido, por exemplo, o agente de trânsito que está nas ruas, fiscalizando e coibindo as condutas infracionais, efetuar o recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual ou a remoção de um veículo, por infração em que se prevejam tais providências complementares, se o órgão competente (seja na prestação direta do serviço público, seja mediante concessão à iniciativa privada) não está atendendo a população para a liberação do documento e/ou do veículo.
É claro que não se trata de uma matemática simples, pois existirão situações em que a retirada do veículo de circulação se faz necessária para a segurança de todos os outros usuários; por este motivo, apontei que (não havendo regulamentação a respeito) cabe a cada órgão estabelecer os critérios objetivos a serem atendidos.
Independente dos ajustes necessários, não se pode relegar a fiscalização de trânsito a segundo plano, já que as preocupações VIRAIS não excluem as VIÁRIAS. De nada adianta proteger as pessoas do vírus, se deixarmos de lado a necessidade de protegê-las dos outros perigos com os quais, infelizmente, já convivemos há muito mais tempo.
Discordo, por exemplo, de mudanças que têm sido implantadas em alguns municípios, no sentido de “isentar de capacete de segurança” os passageiros de moto táxi. Ora, a preocupação é de que não morram os ocupantes de tais veículos ou que não morram de covid19? A segurança viária não pode ficar de quarentena e continua precisando de nossos cuidados!
Tenho visto, inclusive, vídeos de pessoas reclamando da fiscalização de trânsito realizada neste período, mas reclamações sempre existiram e continuarão a existir! Gostem ou não do remédio, o condutor continuará sujeito às punições pelo descumprimento da Lei, ainda que em estado de calamidade pública.
Ao final desta experiência tenebrosa, que a história nos mostre a superação dos obstáculos e o aprendizado com a crise. Se, juntos, podemos vencer o corona vírus, também podemos vencer o vírus que vem de carona na utilização da via pública!
E é, relativamente, muito simples não ser atingido pelos perigos VIRAIS e VIÁRIOS: lavem as mãos, usem álcool em gel e, se contaminados, protejam os outros usando luvas e máscaras; se puder, isole-se em casa; quem não pode, seja PRUDENTE NO TRÂNSITO!
São Paulo, 29 de março de 2020.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano de 1996 a 2019, atualmente Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (2019/2021); Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 1 – Perceba o risco e proteja a vida, por Julyver Modesto de Araujo
O Movimento Maio Amarelo, de iniciativa do Observatório Nacional de Segurança Viária, com repercussão internacional e reconhecimento oficial do Ministério da Infraestrutura (e, consequentemente, de todo o Sistema Nacional de Trânsito) é, seguramente, um período de conscientização no trânsito de maior relevância do que a Semana Nacional instituída por Lei (artigo 326 do Código de Trânsito Brasileiro) e adotou, em 2020, o tema “Perceba o risco. Proteja a vida”, a respeito do qual quero apresentar minha particular impressão e propor algumas reflexões acerca do assunto (também expostas no Episódio 109 do meu Podcast, disponível em bit.ly/JMP109).
O artigo 28 do CTB estabelece que “o condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito”. A partir deste dispositivo legal, constante do Capítulo destinado às normas gerais de circulação e conduta, inicio minhas considerações, com a proposta de relacionar a palavra “atenção”, do texto do CTB, com a palavra “perceba” (o risco) do tema estabelecido para o Maio Amarelo de 2020: no linguajar comum, vulgar, cotidiano, quando falamos em “perceber”, muitas vezes estamos falando no sentido de “estar atento”, de “notar”, de “tomar ciência”; mas, se formos estudar o alcance do termo “percepção”, vamos concluir que “ATENÇÃO” é diferente de “PERCEPÇÃO”.
O Código de Trânsito, como visto, determina que o condutor tenha atenção no trânsito e o que é então a “percepção do risco”? O que significa o condutor perceber o risco e, a partir disso, proteger a vida?
Há alguns anos, o Departamento de Transportes de Londres desenvolveu uma campanha publicitária muito interessante em que mostra exatamente a necessidade de prestar atenção naquilo que é importante em um determinado contexto – o filme curto (que apresento no Podcast disponível em bit.ly/JMP109) procura fazer uma analogia de uma cena de investigação de assassinato com a atenção que devemos ter em uma estrada movimentada, para a proteção dos mais vulneráveis (com foco para os ciclistas) e demonstra o quanto deixamos passar várias informações pela falta de atenção – é neste aspecto que quero diferenciar “atenção” de “percepção”, pois não adianta se falar em “perceber o risco” como sinônimo de “saber da sua existência” ou “ter conhecimento suficiente a respeito daquele risco e das suas consequências”.
Às vezes a pessoa tem conhecimento sobre a legislação de trânsito, sobre as consequências advindas de ter assumido um risco para a segurança viária e, ainda assim, adota um comportamento inseguro; às vezes a pessoa percebe que está numa velocidade excessiva, só que aquela sua percepção tem um resultado diferente em relação ao comportamento de outra pessoa; então, “perceber”, no sentido de apenas “ciência da existência” não é exatamente o propósito que, em minha opinião, nós, profissionais de trânsito, devemos ter em mente quando queremos promover mudanças para um trânsito mais seguro.
Na história da humanidade, sempre se procurou avaliar aspectos da “percepção”, de como o ser humano se relaciona com o mundo que o cerca. Desde os primeiros pensadores da Grécia Antiga, os filósofos pré-socráticos, que se passou a questionar sobre essa relação entre o homem e o mundo: ao se perguntar se “o mundo existe por que o homem o vê ou o homem vê um mundo que já existe?”, os primeiros filósofos começaram a concluir que “o homem se relaciona com o mundo através da percepção”.
O primeiro filósofo que se tem notícia, segundo a história (da civilização ocidental), foi um grego chamado Tales de Mileto – numa das suas alegorias, de suas “verdades” (estes filósofos são conhecidos como “sofistas”, porque defendiam determinados “sofismas”, como verdades absolutas), ele dizia que tudo que existe na terra é derivado da água, a qual era o elemento principal de criação do mundo. Já Heráclito de Efésio, outro filósofo pré-socrático, dizia uma frase (que talvez você já tenha ouvido outras vezes), “que o mesmo homem não entra duas vezes no mesmo rio, porque, quando ele entra pela segunda vez, as águas já não são mais as mesmas e ele também já teve mudanças”.
Estes primeiros filósofos tratavam de como o homem se relacionava com o mundo. Se formos buscar nas diversas áreas do conhecimento humano: na Filosofia, Psicologia, Física, Neurociência (ou Neurolinguística), Psicologia do trânsito, encontraremos diversas vertentes e formas de se expressar o que é “percepção”, sendo que elas têm alguns pontos em comum e é isso que eu quero te apresentar.
Eu escolhi alguns autores que se destacaram nas diversas áreas do saber, não por uma predileção minha ou porque estes autores sejam os mais importantes, e sim porque, na minha pesquisa, encontrei pontos de convergência que me permitem chegar à conclusão que eu vou apresentar ao final.
No campo da Filosofia, por exemplo, eu quero trazer para análise a visão de um filósofo muito importante na época da Revolução científica, do Iluminismo, chamado René Descartes (filósofo e matemático francês, 1596-1650), em cujo livro “Meditações concernentes à Primeira Filosofia nas quais a existência de Deus e a distinção real entre a alma e o corpo do homem são demonstradas” (também chamado de Meditações metafísicas), de 1641, assim expôs:
“Suporei, pois, que há não um verdadeiro Deus, que é a soberana fonte da verdade, mas certo gênio maligno, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou toda a sua indústria em enganar-me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos de que ele se serve para surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei a mim mesmo absolutamente desprovido de mãos, de olhos, de carne, de sangue, desprovido de quaisquer sentidos, mas dotado da falsa crença de ter todas essas coisas. Permanecerei obstinadamente apegado a esse pensamento; e se, por esse meio, não está em meu poder chegar ao conhecimento de qualquer verdade, ao menos está ao meu alcance suspender meu juízo. Eis por que cuidarei zelosamente de não receber em minha crença nenhuma falsidade, e prepararei tão bem meu espírito a todos os ardis desse grande enganador que, por poderoso e ardiloso que seja, nunca poderá impor-me algo.”
A partir daí, ele concluiu a célebre frase “Cogito ergo sum”, que significa “Penso logo existo”, porque ele dizia, neste texto, que, muitas vezes, as nossas impressões a respeito do mundo exterior são irreais, fruto de nossa imaginação, e que, portanto, a única coisa certa é o “ser pensante”.
No campo da Psicologia, eu separei um Psicólogo, considerado um dos pais da Psicologia experimental, chamado Wilhelm Wundt (médico, filósofo e psicólogo alemão, 1832-1920), segundo o qual “a percepção de um objeto da realidade é o produto da síntese composta pelos conteúdos da experiência imediata, isto é, o resultado de um processo ativo que organiza as informações provenientes dos elementos em um todo significativo”.
Veja que, enquanto René Descartes admite que, muitas vezes, a percepção não traduz a realidade, Wilhelm nos traz uma informação importante, de que a percepção não é apenas aquilo que eu tenho de contato com o mundo exterior, mas o produto decorrente das minhas experiências subjetivas a respeito daquilo que eu tive contato – por isso, eu expliquei, anteriormente, que “atenção” é diferente de “percepção”: a “atenção” tem relação com “manter o foco”; quando eu presto atenção na sinalização de trânsito, por exemplo, estou trazendo uma informação ao meu intelecto; como eu vou “perceber” esta sinalização decorre desta transformação interna que vai depender das minhas crenças, dos meus valores, do significado que eu dou àquilo, de qual é o meu objetivo frente a um grupo social onde eu vivo etc.
E, por falar em “significado”, outra área do saber que eu trouxe para análise é a Semiótica: o principal idealizador desta área de estudo (que visa entender o significado das coisas), conhecido como “pai da Semiótica”, é Charles Sanders Peirce (filósofo, pedagogista, cientista, linguista e matemático americano, 1839-1914), cujo pensamento pode ser sintetizado (para o nosso estudo) na seguinte frase: “O simples ato de olhar está carregado de interpretação”.
Charles explica que, na colocação de significados a respeito daquilo que nos cerca, nós temos três etapas: a Primeiridade, que é a existência da coisa em si, que independe do sujeito; a Secundidade, que é a percepção da coisa, a consciência da sua existência; e a Terceiridade, que é a efetiva apreensão daquela coisa, a reflexão e interação com aquele objeto.
Por exemplo, quando eu vejo um semáforo vermelho, há um significado por trás do equipamento: ele representa, naquele momento, uma ordem dada pelo Poder público – poderia ser, no lugar daquele semáforo, um agente de trânsito determinando a imobilização de veículos e a continuidade do tráfego no sentido perpendicular, propiciando ali uma mobilidade segura e eficiente – quando eu vejo este semáforo, eu trago para dentro de mim uma reflexão sobre o seu significado e como vou interagir com ele; para algumas pessoas, o semáforo pode ser um elemento visual que coloca ordem no trânsito; para outros, pode ser um objeto que atrapalha sua vida, que está lhe impedindo que ele chegue mais rápido ao seu destino; ou seja, a “percepção”, pelo ponto de vista da Semiótica, é diferente de pessoa para pessoa.
No estudo da Física, eu vou trazer um autor contemporâneo, não pela sua importância neste ramo do conhecimento, mas porque ele tem livros muito interessantes, fáceis de serem compreendidos e que aproveitarei para indicá-los: trata-se de Leonard Mlodinow, Doutor em Física pela Universidade da Califórnia, Berkeley, nos Estados Unidos, autor dos Livros “O andar do bêbado” e “Subliminar”.
Em “O andar do bêbado”, destaco o seguinte trecho:
“Nadar contra a corrente da intuição é uma tarefa difícil. Como veremos, a mente humana foi construída para identificar uma causa definida para cada acontecimento, podendo assim ter bastante dificuldade em aceitar a influência de fatores aleatórios ou não relacionados.
Portanto, o primeiro passo é percebermos que o êxito ou o fracasso podem não surgir de uma grande habilidade ou grande incompetência, e sim, como escreveu o economista Armen Alchian, de ‘circunstâncias fortuitas’.”
Talvez você já tenha se deparado com pessoas que acreditam piamente na sua habilidade de dirigir, a ponto de não aceitar que existe uma probabilidade de se envolver em ocorrência de trânsito; pessoas que, em baixa velocidade, não usam cinto de segurança porque acreditam que a força do seu braço será suficiente para que não seja projetado contra o vidro do veículo.
Nós temos, segundo o autor, uma dificuldade no funcionamento do nosso cérebro, para compreensão de probabilidades, frente a fatos que independem da nossa vontade.
Em uma das suas explicações, Mlodinow aponta que:
“O que é maior, o número de palavras de seis letras na língua inglesa que têm ‘n’ como sua quinta letra, ou o número de palavras de seis letras na língua inglesa que terminam em ‘ing’? A maior parte das pessoas escolhe o grupo terminado em ‘ing’. Por quê? Porque é mais fácil para elas pensar em palavras que terminam em ‘ing’ que em quaisquer palavras genéricas de seis letras que tenham ‘n’ como sua quinta letra. Mas não precisamos examinar o Dicionário Oxford – nem mesmo saber contar – para provar que esse palpite está errado: o grupo de palavras de seis letras que têm ‘n’ como sua quinta inclui todas as palavras de seis letras que terminam em ‘ing’. Os psicólogos chamam esse tipo de erro de viés de disponibilidade, porque ao reconstruirmos o passado damos uma importância injustificada às memórias mais vívidas, portanto mais disponíveis, mais fáceis de recordar.”
Se eu perguntar para você, por exemplo, em que situação é mais provável de termos uma morte no trânsito: “alguém que dirige o veículo sem usar cinto de segurança” ou “alguém que dirige o veículo sem usar cinto de segurança, em excesso de velocidade e sob influência de álcool”? A tendência natural do nosso cérebro é acreditar que a segunda alternativa é mais provável; entretanto, ela contempla os casos da primeira alternativa, os quais podem também estar presentes em várias outras situações, ou seja, é possível ter alguém que está, tão somente, sem cinto de segurança; ou alguém que está sem cinto e sob influência de álcool, ou sem cinto e em excesso de velocidade, ou alguém que está nas três condições, isto é, no campo das probabilidades, morre mais gente por conta de apenas uma dessas circunstâncias do que pelas três em conjunto, mas nós temos uma dificuldade para avaliar isso.
A mesma questão ocorre com (alguns) profissionais de Segurança Pública que utilizam como argumento para o não uso do cinto de segurança na viatura, o fato de que podem precisar descer rapidamente numa eventual ocorrência de disparo de arma, numa abordagem, numa situação em que ele necessita sacar a arma rapidamente, e o cinto pode ser prejudicial: se a gente for avaliar, no campo das probabilidades, realmente, em ambos os casos, existe uma probabilidade de que aconteça, mas é mais provável morrer porque não usou o cinto, do que por ter usado o cinto e não ter conseguido descer da viatura – este é um dos aspectos que eu sempre comentei nas minhas aulas para Policiais Militares no Estado de São Paulo e que eu noto que há uma dificuldade (por parte de alguns) de aceitação de que o cinto salva vidas, ou seja, como que eu percebo esse risco, como eu dou significado para esse risco, não é apenas saber da sua existência, nem ter conhecimento sobre a legislação de trânsito aplicável e quais são as consequências, mas como eu reajo frente àquela minha condição subjetiva.
Outro livro que recomendo, de Leonard Mlodinow, é o “Subliminar”, do qual destaco:
“Nosso cérebro subliminar é invisível para nós, porém influencia nossa experiência consciente do mundo de um modo fundamental – a maneira como nos vemos e aos outros, o significado que atribuímos aos eventos da nossa vida cotidiana, nossa capacidade de fazer julgamentos rápidos e tomar decisões que às vezes significam a diferença entre a vida e a morte, as ações que adotamos como resultado de todas essas experiências instintivas.”
Neste trecho do livro, o autor ressalta o quanto nossas escolhas, frequentemente, são baseadas em critérios que nós não percebemos, que são inconscientes (ele usa esse termo como sinônimo de “não estar, naquele momento, sendo avaliado, analisado, notado”).
Este livro é excepcional, pois traz vários exemplos, inclusive da área de Neuromarketing, de como, com frequência, somos induzidos a determinadas compras, a determinadas escolhas, por fatores que não percebemos, os quais também estarão presentes nas nossas escolhas relacionadas à segurança viária.
Outro campo de estudo que quero abordar, rapidamente, é a própria Psicologia do trânsito: o psicólogo canadense e pesquisador, Gerald Wilde, descreve a fundamentação da “Teoria da Compensação do Risco” (The theory of risk homeostasis), desenvolvida em 1982, no livro (traduzido para o português pelo psicólogo Reinier Rozestraten), denominado “O limite aceitável do risco” – há, inclusive, um texto bem interessante disponível no site da Perkons (em http://www.perkons.com.br/pt/noticia/1148/teoria-da-compensacao-do-risco), que, resumindo, traz a seguinte informação: “Quando há mudanças no ambiente do trânsito, visando melhorar a segurança, os usuários trocam o ganho de segurança por ganhos na mobilidade e/ou comodidade”.
Este pesquisador fez um teste, um experimento, com os taxistas de Munique na década de 1980 e notou que aqueles taxistas que dirigiam veículos com freios ABS se tornavam menos cautelosos e se arriscavam mais do que aqueles com veículos sem ABS, porque, segundo a teoria dele, existe um limite aceitável de todo ser humano e quando os fatores externos são favoráveis a melhorar a segurança, proporcionalmente, o comportamento se torna mais inseguro para chegar novamente aquele limite aceitável do risco, determinado individualmente pelo sujeito. Esta teoria é questionada por alguns, mas é importante que você saiba da sua existência, pois é uma das formas de se avaliar a percepção do risco.
Na Programação Neurolinguística, que eu, particularmente, gosto muito e tenho estudado há muitos anos, também encontraremos algumas explicações importantes sobre a percepção: esta área de estudo acerca do funcionamento do ser humano surgiu na década de 1970, pelo trabalho de dois norte-americanos, chamados Richard Bandler e John Grinder, e pode ser assim definida:
“Estudo da estrutura da experiência subjetiva do ser humano e o que se pode fazer com isso.” (Richard Bandler)
“Estratégia de aprendizagem acelerada para a detecção e utilização de padrões no mundo.”
(John Grinder)
A Programação Neurolinguística (ou simplesmente PNL) surgiu da aproximação com outras três áreas estudadas por estes precursores: a Hipnose (em especial por conta do médico hipnólogo norte-americano chamado Milton Erickson), a Terapia familiar (de Virgina Satir) e a Terapia de Gestalt (de Fritz Perls), que ofereceram subsídios para a detecção de determinados modelos de comportamento.
A PNL possui vários pressupostos e um deles é decorrente de uma frase utilizada, pela primeira vez, por Alfred Korzybski (engenheiro, filósofo e matemático polonês, 1879-1950), em um encontro da American Mathematical Society, em 1931: “O mapa não é o território”.
Basicamente, a frase quer dizer que cada um de nós tem uma experiência subjetiva a respeito das mesmas situações vivenciadas por outras pessoas, ou seja, o território é o que existe na realidade, mas cada um de nós tem um mapa (uma representação pessoal) do território. Se solicitarmos para um grupo de pessoas desenharem uma mesma região, onde moram, o bairro, ou o país, cada mapa será feito baseado na forma como a pessoa interpreta o que vê e como se relaciona com o mundo.
Outro aspecto da PNL interessante a ser destacado é o que se chama de “Níveis neurológicos”, de Robert Dilts: nós temos diversos níveis com os quais trabalhamos na nossa vida, em todos os aspectos, começando pelo ambiente, depois vem o comportamento, as capacidades, as crenças e valores, a identidade e, por último, a espiritualidade: tudo aquilo que nós vivemos e a maneira como agimos estará relacionado a estes níveis neurológicos (em algum ou alguns destes níveis), sendo que, quanto mais baixo estivermos nessa pirâmide que representa os níveis neurológicos (ambiente o mais baixo e espiritualidade o mais alto), mais fácil a alteração e, quanto mais acima, mais difícil a alteração daquilo que foi sendo construído ao longo do tempo e sedimentado pelos patamares mais baixos.
É fácil alterar o ambiente. Para quem trabalha, por exemplo, na formação de condutores, se um aluno fala que não consegue aprender daquela maneira ou naquele local, numa sala de aula sem ar condicionado ou sem fazer aula prática (apenas ouvindo a teoria), é fácil resolver, pois basta mudar o ambiente; por outro lado, se ele já possui crenças e valores que foram atribuídos por outras pessoas em toda a sua vida, de que é uma pessoa que “não tem condições de ser alguém”, que é “burro”, que “não serve para nada”, que “não vai ter futuro na vida”, e aquilo já se transformou para ele numa crença limitante, será um pouco mais difícil de ser resolvido, o que não significa que seja impossível, tendo em vista que existem ferramentas e padrões da PNL que podem ser utilizados para alterar o nível neurológico desejado.
Desta forma, quanto mais alto o nível neurológico, mais difícil fica qualquer intervenção frente àquela pessoa e isso nos demonstra que a “percepção” nada mais é que a experiência subjetiva, ou seja, cada um tem uma percepção diferente a respeito dos riscos a que nós estamos todos envolvidos – determinadas pessoas vão se sentir bem, vão sentir prazer, através da produção de neurotransmissores, como a adrenalina, o cortisol, a noradrenalina, vão ter sensações que vão fazer com que ele queira cada vez mais dirigir em alta velocidade ou praticar racha – neste caso, a pessoa sabe dos riscos, sabe que não pode, sabe quais são as consequências, mas a forma como ele lida com aquele risco internamente é baseada em determinados critérios que vão refletir nas suas escolhas.
Veja que, nestas várias áreas do saber que eu fui pontuando, nós vemos que, em todas elas, a percepção do risco (ou de qualquer outro evento externo) vai ser diferente de pessoa para pessoa e não é apenas sinônimo de “ter conhecimento” ou “ter ciência” do risco.
Concluindo:
Desde o início, eu expliquei que “atenção é diferente de percepção” e que o CTB determina que a pessoa tenha uma atenção voltada à segurança do trânsito; destarte, em um primeiro momento, é isso que se espera do motorista (ATENÇÃO), para que ele tenha um comportamento seguro, e este é o objetivo final.
Para que se chegue a este objetivo, penso que teríamos que atender a uma sequência:
1. Atenção voltada à segurança do trânsito;
2. Percepção baseada em bons valores;
3. Motivação para hábitos seguros; e
4. Mudança do comportamento.
A atenção, muitas vezes, não é voltada aos fatores que realmente importam (como vimos, na campanha publicitária inglesa). A PNL, inclusive, explica que tudo que a gente faz compõe-se de algumas tarefas automatizadas por causa da criação de sinapses entre os nossos neurônios e isso faz com que a gente passe a dar atenção àquelas atitudes que não estão automatizadas. Quando a pessoa está aprendendo a dirigir, precisa prestar atenção nos comandos do veículo, mas depois que já sabe dirigir, ela consegue prestar atenção em outras coisas, porque os comandos do veículo ela já tem pleno domínio; e isto faz com que, se ela não tiver adquirido hábitos seguros, não terá isso como uma constante na sua vida.
Quando eu menciono que a “percepção” deve se dar baseada em bons valores, importante destacar que ser “bom” ou “mau” é uma referência interna e também vai variar de pessoa para pessoa, mas eu me refiro a “bons valores”, no sentido de “convivência em sociedade”. O filósofo Imanuel Kant, em seu imperativo categórico, dizia o seguinte: “Age de tal forma que seu comportamento possa se transformar em lei universal”, ou, como nós ouvimos desde criança, “faça aos outros aquilo que você queira que façam para você mesmo”; portanto, quando eu aponto a necessidade de que a percepção seja baseada em bons valores, é com o objetivo de que seja construída uma experiência subjetiva, a partir de crenças e valores, com a preocupação voltada à boa convivência social, para que realmente a gente tenha um trânsito com menos mortos e feridos em nossa sociedade.
A terceira etapa, voltada à construção de hábitos seguros, depende muito da MOTIVAÇÃO que cada pessoa possui: o que motiva cada um para adotar um comportamento seguro no trânsito? Há aqueles que mudam seu comportamento por medo da punição, de ficar preso, ser multado ou suspenso do direito de dirigir; outros mudam porque perderam um ente querido ou quase morreram no trânsito; alguns mudam porque começaram a exercer uma atividade profissional na área de trânsito e viram a necessidade de ser um exemplo, isto é, cada um tem uma motivação específica.
Eu já fiz esta provocação, em algumas das minhas palestras: ao final, pergunto à plateia o seguinte: “Se você soubesse que estaria sujeito a morrer nos próximos dias no trânsito, o que mudaria no seu comportamento para que a tragédia não acontecesse?” É a vontade de viver mais um pouco? Ou a vontade de poder criar seus filhos? Ou poder fazer aquilo que você ainda não fez?
Porque tem gente que não vai ter nenhuma motivação para mudar, mesmo que ele tenha conhecimento e que entenda que está diante de um risco, porque a motivação para ele é diferente da motivação que nós gostaríamos que tivesse.
Neste aspecto, quero destacar uma frase que, muitas vezes, é atribuída ao filósofo Aristóteles, do século IV antes de Cristo, mas que foi escrita por um filósofo contemporâneo norte-americano, chamado Will Durant (embora o tenha escrito com referência ao pensamento aristotélico): “Nós somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um modo de agir, mas um hábito”.
Enfim, segurança no trânsito depende desta atenção ao trânsito seguro, percepção baseada em bons valores, motivação para hábitos seguros e, efetivamente, mudança de comportamento, para se tornar algo constante.
Desta forma, quero mais uma vez parabenizar o Observatório Nacional de Segurança Viária pelo tema idealizado, juntamente com o Denatran, que abraçou a ideia já há alguns anos, e propor a você uma reflexão sobre as duas frases que compõem o tema do Maio Amarelo, pois não é apenas “Perceba o risco”, mas sim uma sequência de ações: “Perceba risco E Proteja a vida” – não adianta eu saber que o risco existe e conhecer quais são as consequências daquele risco, mas devo adotar internamente uma representação baseada em valores de convivência social, que me induzam a uma mudança de comportamento, para que as pessoas com quem eu convivo, mesmo que sejam pessoas que eu nem mesmo conheço, tenham o mesmo direito que eu gostaria de ter: uma vida saudável no trânsito e uma segurança para nossa mobilidade urbana.
São Paulo, 05 de maio de 2020.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano de 1996 a 2019, atualmente Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (2019/2021); Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.