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Artigo 6
São objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito:
I – estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com vistas à segurança, à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para o trânsito, e fiscalizar seu cumprimento;
II – fixar, mediante normas e procedimentos, a padronização de critérios técnicos, financeiros e administrativos para a execução das atividades de trânsito;
III – estabelecer a sistemática de fluxos permanentes de informações entre os seus diversos órgãos e entidades, a fim de facilitar o processo decisório e a integração do Sistema.
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Vinny Borges
Sendo o Sistema Nacional de Trânsito um conjunto harmônico de entes públicos, com atribuições específicas na gestão do trânsito brasileiro, preocupou-se o legislador, no artigo 6º do CTB, em estabelecer objetivos básicos para a existência desta atuação sistêmica no trânsito, de forma que foram focados três aspectos fundamentais:
I) político;
II) padronização de procedimentos; e
III) integração do Sistema.
Sob o aspecto político, entendeu-se necessária a criação de diretrizes para a Política Nacional de Trânsito, as quais foram estabelecidas por meio da Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n. 514/14, devendo constituir-se como o marco referencial do País para o planejamento, organização, normalização, execução e controle das ações de trânsito em todo o território nacional.
O artigo 3º da Resolução estabelece que a Política Nacional de Trânsito visa assegurar a proteção da integridade humana e o desenvolvimento socioeconômico do País, atendidos os seguintes princípios:
I – assegurar ao cidadão o pleno exercício do direito de locomoção;
II – priorizar ações à defesa da vida, incluindo a preservação da saúde e do meio ambiente; e
III – incentivar o estudo e a pesquisa orientada para a segurança, fluidez, conforto e educação para o trânsito.
Quanto à padronização de procedimentos, destacam-se o Regulamento de Sinalização Viária (Resolução do CONTRAN n. 973/22) e o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (Resolução n. 985/22). Outro exemplo reside na fixação de procedimentos financeiros, para a aplicação da receita decorrente da cobrança de multas de trânsito (Resolução n. 875/21) e para o controle da arrecadação dos recursos do Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Resolução n. 932/22).
Em relação à integração do Sistema, por meio da sistemática de fluxos permanentes de informações, ressalta-se a criação do RENAINF – Registro Nacional de Infrações de Trânsito (assunto atualmente regido pela Resolução n. 932/22), que tem por finalidade criar a base nacional de infrações de trânsito e proporcionar condições operacionais para o registro das mesmas, viabilizando o processamento dos autos de infrações, das ocorrências e o intercâmbio de informações.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano de 1996 a 2019, atualmente Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (2019/2021); Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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Vinny Borges
Art. 6 – Artigos do CTB sem regulamentação do CONTRAN, por Julyver Modesto de Araujo
O Conselho Nacional de Trânsito é o responsável máximo pelo Sistema Nacional de Trânsito e exerce as funções de órgão coordenador, normativo e consultivo, estando vinculado, desde 2003, ao Ministério das Cidades, conforme Decreto federal nº 4.711/03.
É composto por representantes de diversos Ministérios, de acordo com o artigo 10 do Código de Trânsito Brasileiro: Ciência e Tecnologia; Educação e do Desporto; Exército; Meio Ambiente e da Amazônia Legal; Transportes; Cidades; Saúde; e Justiça (obs.: estas eram as denominações utilizadas quando o CTB entrou em vigor, tendo ocorrido alteração em alguns dos Ministérios, como o do Exército, que passou a se denominar Ministério da Defesa). Recentemente, o Contran passou a ser composto por mais 2 membros: um representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; e um representante da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT (Lei nº 12.865/13).
Dentre os objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito (para que, aliás, funcione, efetivamente como um sistema), destaca-se o inciso II do artigo 6º do CTB: “fixar, mediante normas e procedimentos, a padronização de critérios técnicos, financeiros e administrativos para a execução das atividades de trânsito”, o que decorre, obviamente, da atribuição normativa do Contran, que deve atuar no sentido de manter uma coesão na aplicação das normas de trânsito, por todos os órgãos e entidades do Sistema.
O artigo 12 do CTB, ao estabelecer as competências do Contran, versa sobre a atribuição normativa nos incisos I e VII, que assim dispõem: “estabelecer as normas regulamentares referidas neste Código e as diretrizes da Política Nacional de Trânsito” e “zelar pela uniformidade e cumprimento das normas contidas neste Código e nas resoluções complementares”.
Para exercer esta missão, o Contran conta com a atuação de duas estruturas auxiliares:
1ª) as Câmaras Temáticas, previstas no artigo 13 do CTB, como órgãos técnicos integrados por especialistas, com o objetivo de estudar e oferecer sugestões e embasamento técnico sobre assuntos específicos para decisões do Colegiado (são, ao todo, seis Câmaras, constantes da Resolução do Contran nº 218/06: I – de Assuntos Veiculares; II – de Educação para o Trânsito e Cidadania; III – de Engenharia de Tráfego, da Sinalização e da Via; IV – Esforço Legal: infrações, penalidades, crimes de trânsito, policiamento e fiscalização de trânsito; V – de Formação e Habilitação de Condutores; e VI – de Saúde e Meio Ambiente no Trânsito);
2ª) o Fórum Consultivo do Sistema Nacional de Trânsito, criado pela Resolução n. 142/03 e formado por representantes de órgãos e integrantes do SNT, com a finalidade de assessorar do Contran em suas decisões e buscando atender, justamente, aos objetivos básicos do Sistema (diferentemente das Câmaras Temáticas, este Fórum é formado exclusivamente por representantes de órgãos públicos, não havendo a participação da sociedade).
O papel do Conselho Nacional de Trânsito, neste contexto, é de suma importância, no sentido de dar efetividade e uniformidade à aplicação da legislação de trânsito, complementando as normas constantes do CTB, além de atualizar a previsão normativa à natural evolução social e tecnológica.
Existem diversos artigos do Código que apresentam, expressamente, a necessidade de complementação pelo Conselho Nacional de Trânsito, como, por exemplo, os artigos 105 (equipamentos obrigatórios), 115 (placas de identificação de veículos), 141 (processo de habilitação), 277 (verificação de alcoolemia), entre outros, além de algumas infrações de trânsito, como ocorre com os artigos 181, VI (identificação de hidrantes); 228 (som alto no veículo) e 231, V (excesso de peso).
A rigor, esta transferência da competência legislativa, de inovar no ordenamento jurídico, a órgão integrante do Poder Executivo, fere a ideia de tripartição de Poderes e não deveria ocorrer, como previsto, inclusive, na própria Constituição Federal, especificamente no artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: “Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I – ação normativa”.
Apesar desta aparente inconstitucionalidade, a ação normativa do Contran é comum, frequente e, por que não dizer, acelerada, chegando ao total de 457 Resoluções, editadas até 23/10/13, isto é, em pouco mais de quinze anos de vigência do atual Código de Trânsito (para se ter uma ideia, na vigência do Código anterior, de 1966 a 1997, o dobro do período, haviam sido expedidas 466 Resoluções).
Feita esta explanação introdutória, pretendo abordar, neste texto, os artigos do CTB que ainda não foram regulamentados pelo Contran, não obstante o grande número de normas já elaboradas.
Cabe destacar um primeiro aspecto, que é justamente a obrigatoriedade que o legislador criou, de que o Conselho Nacional expedisse as Resoluções necessárias à sua melhor execução, bem como realizasse uma revisão das Resoluções anteriores à publicação do atual CTB, dando prioridade àquelas que visam a diminuir o número de acidentes e a assegurar a proteção de pedestres.
Embora o artigo 314 do CTB tivesse dado um prazo de 240 dias a contar da publicação do Código (23/09/97) para que isso ocorresse, isto efetivamente não aconteceu: existem dispositivos legais ainda não regulamentados; bem como não houve, até o presente momento, a revisão esperada das Resoluções antigas (este processo, na verdade, já se iniciou nas Câmaras Temáticas, mas ainda não se concluiu, tendo se limitado o Contran, em 2010, a relacionar as Resoluções que considerava ainda em vigência, no livro “100 anos de legislação de trânsito no Brasil”, disponível na homepage do Departamento Nacional de Trânsito).
Apesar desta omissão, o fato é que as Resoluções existentes até a data de publicação do Código continuam em vigor naquilo em que não conflitem com ele, em decorrência de expressa previsão, no parágrafo único do artigo 314 do CTB.
Também considero importante apontar o fato de que, não obstante não ter sido cumprido o prazo de 240 dias para expedição de Resoluções necessárias à melhor execução do CTB, entendo que as normas publicadas após este prazo possuem normal validade jurídica, posto que o prazo não constitui um limite temporal preclusivo, a partir do qual se perderia a competência normativa do Contran. Pensar diferente seria engessar em demasia a atribuição legal conferida ao órgão coordenador do Sistema Nacional de Trânsito.
Esta demora, na atuação normativa do Contran aconteceu em diversos outros casos, como, por exemplo, na regulamentação do Curso de especialização para condutores de veículos de emergência, exigido pelo artigo 145, inciso IV (somente em 2004, com a Resolução nº 168); do som máximo permitido em veículos automotores, para configuração da infração do artigo 228 (em 2006, com a Resolução nº 204) ou a metodologia para aferição de excesso de peso (em 2007, com a Resolução nº 258).
O Código de Trânsito chegou a estabelecer algumas regras transitórias específicas: podemos citar o caso dos equipamentos obrigatórios, que seriam os mencionados no artigo 92 do Regulamento do Código Nacional de Trânsito, até que fossem baixadas novas normas pelo Contran (artigo 319); e os sinais de trânsito, que permaneceram os previstos no Anexo II do CTB, até a aprovação pelo Contran, da Resolução n. 160/04 (artigo 336).
Nos dias atuais, existem poucos exemplos de falta de regulamentação, os quais destacamos a seguir:
Artigos 54 e 55
Dentre as exigências para ocupantes de motocicletas, motonetas e ciclomotores, prevêem os artigos 54 e 55 a necessidade de utilização de vestuário de proteção, de acordo com as normas e especificações do Contran, as quais, entretanto, ainda não existem.
Artigo 65
Ao exigir a utilização do cinto de segurança por condutor e passageiros, em todas as vias do território nacional, o artigo 65 admite a possibilidade de que sejam criadas exceções, pelo Conselho Nacional de Trânsito, o que não existe em qualquer Resolução já expedida (isto é, qualquer veículo que possua o cinto de segurança como equipamento obrigatório, acarreta a obrigatoriedade, automaticamente, da sua utilização).
Artigo 90
O seu § 2º prevê a necessidade de que o Contran edite normas complementares no que se refere à interpretação, colocação e uso da sinalização de trânsito.
O Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito foi elaborado na década de 1980 (Resoluções nº 599/82 e 666/86) e passa por revisão desde 2004, quando houve alteração do Anexo II do CTB.
Até agora, foram publicados 3 (três) Volumes que compõem o novo Manual, de um total de 6 (seis) que foram previstos:
Volume I – Sinalização vertical de regulamentação (Resolução nº 180/05);
Volume II – Sinalização vertical de advertência (Resolução nº 243/07);
Volume III – Sinalização vertical de indicação (ainda não publicado);
Volume IV – Sinalização horizontal (Resolução nº 236/07);
Volume V – Sinalização semafórica (ainda não publicado);
Volume VI – Sinalização de obras e dispositivos auxiliares (ainda não publicado).
Artigo 91
O artigo 91 também possuía prazo específico, para que fossem criadas normas e regulamentos a serem adotados em todo o território nacional quando da implementação das soluções adotadas pela Engenharia de Tráfego, assim como padrões a serem praticados por todos os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito, o que deveria ser feito em até 120 dias após a nomeação dos membros do Conselho, mas, igualmente, não se concretizou até a atualidade.
Artigo 148
Não há regulamentação para aplicação dos exames de habilitação por entidades públicas ou privadas credenciadas pelo órgão executivo de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, já que a regra atual vincula estes exames à atuação exclusiva dos órgãos de trânsito.
Artigo 150
O seu parágrafo único prevê que “a empresa que utiliza condutores contratados para operar a sua frota de veículos é obrigada a fornecer curso de direção defensiva, primeiros socorros e outros conforme normatização do Contran”, o que ainda necessita da norma específica.
Artigo 153
Este dispositivo permitiria que os instrutores e examinadores de trânsito fossem punidos por falhas decorrentes de ações dos motoristas por eles habilitados, exigindo que houvesse sua identificação no prontuário de cada candidato habilitado, o que ainda carece de regulamentação.
Artigo 229
O artigo 229 apresenta uma infração que já foi, em partes, regulamentada. Ao proibir o uso indevido no veículo de aparelho de alarme ou que produza sons e ruído que perturbem o sossego público, este dispositivo vincula às normas fixadas pelo Contran, existindo, até o momento, apenas duas: a Resolução nº 37/98 (sobre alarmes contra furto/roubo) e a de nº 268/08 (que proíbe sirene para veículos que não sejam os de emergência).
Assim, não havendo outra norma, não há como coibir outra situação de perturbação de sossego público, que não tenha sido proibida expressamente pelo Conselho Nacional.
Artigo 254
Neste artigo, que versa sobre as infrações cometidas pelos pedestres, não há, expressamente, indicação de que deve haver atuação normativa pelo Contran; entretanto, o dispositivo tem sido totalmente inaplicável, dado justamente a impossibilidade de se registrar, no sistema atualmente adotado, a imposição de sanções pecuniárias a pessoas físicas, em vez dos dados cadastrais de um veículo automotor.
Capacitação de profissionais do trânsito
Por último, destaco uma questão não abordada em nenhum artigo específico do Código de Trânsito, mas que deve merecer a atenção do Conselho Nacional, no exercício de suas funções, que é a regulamentação mínima sobre a capacitação de profissionais do trânsito.
Obviamente, para que os profissionais que atuam diretamente nos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito exerçam suas atividades dentro dos princípios da Administração pública, e com a qualidade que se espera, hodiernamente, na prestação do serviço público, necessária se faz a capacitação adequada e constante atualização, o que, entretanto, não encontra regulamentação na atual legislação de trânsito.
Tal constatação é, no mínimo, estranha, já que existem regras específicas, com carga horária, conteúdo programático e desenvolvimento de Cursos para diversas situações na temática “trânsito”, como: formação de condutores; reciclagem de motoristas infratores; renovação da CNH; transporte coletivo de passageiros; transporte de escolares; transporte de produtos perigosos; transporte de emergência; instrutor de trânsito; examinador de trânsito; diretor geral; diretor de ensino e transporte remunerado em motocicletas (motofrete e mototáxi).
No caso dos profissionais de trânsito, ao contrário, não há qualquer regulamentação que determine uma formação técnica mínima, para exercício de suas atribuições, o que é ainda mais preocupante quando se trata da função de agente de trânsito, que lida diretamente com os usuários da via pública e é responsável tanto pelo controle do cumprimento das normas de trânsito, quanto por permitir o tráfego viário com segurança, o que exige dele conhecimento jurídico e operacional que, por vezes, não se observa em alguns órgãos de trânsito.
A única previsão legal que constaria do atual Código de Trânsito foi vetada quando da aprovação do Projeto de lei que o originou: tratava-se do parágrafo único do artigo 23, que previa que “as atividades de polícia ostensiva para o trânsito urbano e rodoviário estadual serão exercidas pelas Polícias Militares, por meio de suas frações, exigindo-se de seus integrantes formação técnica adequada”; tal texto foi retirado do Projeto aprovado, sob o argumento de que a atividade de fiscalização de trânsito não deveria ser privativa dos órgãos de Segurança pública, constituindo ação de polícia administrativa.
Embora verdadeira a assertiva, a conclusão a que chegamos, desta análise, é que não há, portanto, nem para a Polícia Militar, nem para os agentes civis credenciados para a função, qualquer obrigação normativa para o treinamento que a lógica nos faria supor necessário.
A Política Nacional de Trânsito, instituída pela Resolução do Conselho Nacional de Trânsito nº 166/04, ao tratar do Sistema Nacional de Trânsito e a integração dos Municípios, é taxativa em asseverar que: “O Código de Trânsito Brasileiro e a legislação complementar em vigor vieram introduzir profundas mudanças no panorama institucional do setor. Para sua real implementação em todo o País, muito é preciso ainda investir, principalmente no que diz respeito à capacitação, fortalecimento e integração dos diversos órgãos e entidades executivos de trânsito, nas esferas federal, estadual e municipal, de forma a produzir efeito nacional, regional e local e buscando contribuir para a formação de uma rede de organizações que constituam, verdadeiramente, o Sistema Nacional de Trânsito” (item 2.1.4.1).
Mais adiante, a PNT volta a reforçar a questão da capacitação e aperfeiçoamento profissional (item 2.1.4.3.), com os seguintes dizeres: “A capacitação de profissionais no setor de trânsito é condição indispensável para a efetiva gestão com qualidade das organizações do Sistema Nacional de Trânsito. A necessidade de capacitação e aperfeiçoamento abrange as funções gerenciais, técnicas, operacionais e administrativas”.
Como se vê, embora desprezada da regulamentação mais ampla a seu respeito, a capacitação dos profissionais de trânsito é reconhecida como uma premissa necessária ao bom desenvolvimento dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito, na promoção do direito ao trânsito seguro.
As Diretrizes Gerais da PNT (item 2.3.) são exatamente 5 (cinco), a saber:
1. Aumentar a segurança de trânsito;
2. Promover a educação para o trânsito;
3. Garantir a mobilidade e acessibilidade com segurança e qualidade ambiental a toda população;
4. Promover o exercício da cidadania, a participação e a comunicação com a sociedade; e
5. Fortalecer o Sistema Nacional de Trânsito.
Dentre as cinco diretrizes gerais, a promoção da capacitação dos profissionais da área de trânsito é destacada em duas delas: na promoção da educação para o trânsito (item 2.4.2.5.) e no fortalecimento do Sistema Nacional de Trânsito (2.4.5.2.).
Interessante notar que, apesar de não existir uma exigência específica neste sentido, os órgãos de trânsito que pretenderem capacitar seus profissionais podem, inclusive, utilizar o dinheiro arrecadado com multas de trânsito para este intento, na forma do artigo 320 do CTB: “A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”. Isto porque o Conselho Nacional de Trânsito, ao regulamentar citado dispositivo legal, por meio da Resolução nº 191/06, prevê que “a educação de trânsito é a atividade direcionada à formação do cidadão como usuário da via pública, por meio do aprendizado de normas de respeito à vida e ao meio ambiente, visando sempre o trânsito seguro, tais como: … f) formação e reciclagem dos agentes de trânsito, e g) formação de agentes multiplicadores”.
Por fim, ressalto a possibilidade de que todo cidadão ou entidade civil solicite, por escrito, alterações em normas, legislação e outros assuntos pertinentes ao Código, o que é trazido pelo artigo 72 do CTB.
São Paulo, 10 de novembro de 2013.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, MESTRE em Direito do Estado pela PUC/SP e ESPECIALISTA em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; CAPITÃO da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito, além do blog http://www.transitoumaimagem100palavras.blogspot.com.
Vinny Borges
Art. 6 – Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito – Vol. II, por Julyver Modesto de Araujo
Em 24/11/15, o Conselho Nacional de Trânsito publicou, em Diário Oficial da União, a Resolução n. 561/15, que instituiu o Volume II do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (infrações de trânsito de competência estadual), com prazo de 90 (noventa) dias para adequação de todos os órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários do país, ou seja, as normas de procedimentos ora estabelecidas já estão em vigor, entretanto, somente serão de cumprimento OBRIGATÓRIO a partir de 22/02/16, quando vence o prazo determinado (isto, obviamente, se não houver prorrogação, como ocorreu com o Volume I do MBFT).
A padronização estabelecida pelo Manual de Fiscalização reveste-se de grande importância, na medida em que permite aos órgãos fiscalizadores, de todo o país, um referencial de como devem ser autuadas as infrações de trânsito sob sua responsabilidade de autuação e consequente imposição das penalidades administrativas de trânsito; além disso, cria uma paridade de tratamento no controle do cumprimento das normas viárias, por qualquer órgão competente, já que a legislação de trânsito (assim como o Direito como um todo) permite diferentes interpretações dos seus dispositivos legais, o que exige que se adote um parâmetro único; assim, ainda que sejam possíveis entendimentos diversos, sobre qualquer infração prevista no Código de Trânsito, todos os profissionais ligados à área deverão adotar os mesmos procedimentos estabelecidos no Manual, o que, por certo, proporciona uma maior segurança jurídica na aplicação do CTB.
A responsabilidade do Contran, em tratar da matéria, relaciona-se com um dos objetivos básicos de todo o Sistema Nacional de Trânsito, constante do inciso II do artigo 6º do CTB: “fixar, mediante normas e procedimentos, a padronização de critérios técnicos, financeiros e administrativos para a execução das atividades de trânsito”, isto é, quando se fala em SISTEMA Nacional de Trânsito, a ideia é que os órgãos de trânsito trabalhem em sintonia, e esta é uma das principais pretensões do Manual de Fiscalização.
O Volume I do MBFT foi publicado há 5 anos, pela Resolução n. 371/10, para tratar das infrações de trânsito de competência municipal e as concorrentes, que podem ser fiscalizadas tanto pelo Estados quanto pelos Municípios (com alterações da Resolução n. 497/14), tendo o seu prazo de adequação sido prorrogado por diversas vezes, até o dia 31/12/14, o que equivale dizer que as regras nele constantes não podem mais ser desprezadas por nenhum componente do Sistema Nacional de Trânsito.
Esta divisão de competências para fiscalização de trânsito, entre Estado e Município, depende do tipo de infração cometida, nos termos dos artigos 22 e 24 do CTB, e somente é aplicável para a fiscalização exercida nas vias urbanas, tendo em vista que o controle do cumprimento das normas de trânsito e a consequente imposição de multas aos infratores, nas rodovias, constituem competências dos órgãos e entidades executivos rodoviários, no âmbito de sua circunscrição, conforme artigo 21; em outras palavras, para as infrações constatadas em estradas e rodovias, o que vale não é o tipo de infração, mas a responsabilidade territorial sobre aquele espaço.
Já nas vias urbanas, Estados e Municípios possuem circunscrição, sendo que as competências são delimitadas pelos dispositivos acima mencionados: o artigo 22 estabelece as competências dos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal (Detrans), fixando uma atribuição residual (ou subsidiária), para a fiscalização das infrações de trânsito, ao prever, em seu inciso V, que o órgão estadual deve aplicar as multas cabíveis por infrações de trânsito constatadas, exceto aquelas previstas nos incisos VI e VIII do artigo 24.
Tais incisos, por sua vez, prescrevem a competência de fiscalização municipal, para aplicação de multas relacionadas a 6 grupos de infrações de trânsito: circulação, estacionamento, parada, excesso de peso, dimensões e lotação. Por este motivo, costumamos dizer que, genericamente, compete ao Estado fiscalizar as infrações relacionadas diretamente ao veículo e ao condutor.
Importante destacar dois aspectos essenciais, para esta divisão de competências:
1º) o Município somente poderá executar a fiscalização de trânsito (assim como exercer toda e qualquer atribuição prevista no artigo 24), se ocorrer sua integração ao Sistema Nacional de Trânsito, criando a estrutura do órgão municipal de trânsito (artigo 24, § 2º);
2º) a divisão de competências pode ser suprimida, com a fiscalização integral de ambos os órgãos, se houver interesse mútuo das partes, e for firmado convênio entre si, nos termos do artigo 25, delegando as atribuições que lhes foram determinadas pela lei.
Com base na divisão mencionada, o Conselho Nacional de Trânsito preocupou-se, já no primeiro ano de vigência do CTB, em relacionar taxativamente todas as infrações de trânsito, determinando quais são de competência do Estado, quais são do Município e (embora tal possibilidade não tenha sido cogitada na lei) quais são concorrentes (ou de competência mútua, podendo ser fiscalizadas indistintamente) – citada relação consta da Resolução n. 66/98.
Somente após estas considerações iniciais (essenciais para quem inicia o seu estudo sobre o assunto), é que se torna possível entender a divisão do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, em Volume I e Volume II, do qual ora tratamos.
Em ambos os Volumes, existem algumas normas gerais de fiscalização (que se repetem, na sua completa maioria) e as fichas de enquadramento específicas de cada infração de trânsito.
Vejamos, destarte, um resumo das principais normas gerais de fiscalização do MBFT, com ênfase em seu Volume II:
1) O agente de trânsito deve estar uniformizado e no exercício da função, proibindo-se, portanto, autuação em horário de folga;
2) De igual forma, os veículos utilizados para a fiscalização devem ser devidamente caracterizados;
3) Para autuar, o agente de trânsito deve presenciar o cometimento da infração de trânsito, havendo uma única exceção: no caso da realização de bloqueio de fiscalização, se um agente presenciou a infração sendo cometida (ao abordar o veículo), é possível que outro elabore o auto de infração, desde que ambos assinem o auto de infração (ou a planilha de veículos e condutores fiscalizados);
4) O auto de infração de trânsito traduz um ato vinculado do agente de trânsito, o qual não possui discricionariedade, ou seja, liberdade de escolha; assim, uma vez se deparando com uma infração de trânsito, não há outra decisão que não a lavratura do auto de infração respectivo (tal regra consta, inclusive, do próprio CTB, em seu artigo 280);
5) O tratamento ao usuário deve se dar com urbanidade e respeito – na minha opinião, trata-se até de uma previsão desnecessária, pois é o mínimo que se exige de alguém que exerce um cargo, emprego ou função pública; todavia, a menção do tratamento respeitoso na norma vem reforçar a necessidade de que o agente de trânsito observe a maneira como lida com os usuários da via pública, independente de terem ou não cometido uma infração de trânsito;
6) Deve ser registrada apenas uma infração por auto; logo, se um condutor tiver cometido várias infrações de trânsito, o agente deve elaborar quantos autos forem necessários;
7) Se as infrações cometidas tiverem a mesma raiz de código de enquadramento, é cabível apenas uma autuação – código de enquadramento nada mais é que linguagem de computador: um conjunto de números que indica, ao sistema de processamento de dados, que se refere a determinada infração de trânsito, conforme Portaria do Departamento Nacional de Trânsito n. 59/07 (com alterações da 276/12). Como exemplo desta regra, podemos citar o seguinte: o artigo 230, inciso IX, do CTB, estabelece a infração de “dirigir o veículo sem equipamento obrigatório ou estando este ineficiente ou inoperante”, sendo determinado, pela Portaria n. 59/07, que a falta de equipamento deve ser autuada com o código 663-71 e a deficiência com o código 663-72; a raiz do código de enquadramento é constituída pelos 3 primeiros números (663); logo, se um veículo tiver um equipamento com defeito e outro em falta, deve ser lavrada apenas uma autuação;
8) As infrações de trânsito que acontecem ao mesmo tempo podem ser concorrentes ou concomitantes; quando estiverem competindo entre si, com uma abrangendo a outra, são denominadas concorrentes (exemplo: veículo que está sem placas, em decorrência de ainda não ter sido registrado) e, neste caso, deve ser lavrada apenas a autuação mais específica (falta de registro); quando forem independentes, sem qualquer relação, são chamadas de concomitantes, devendo ser aplicadas ambas as autuações, com base no artigo 266 do CTB (exemplo: veículo sem licenciamento e, além disso, condutor não porta o documento respectivo);
9) A abordagem do infrator deve ocorrer sempre que possível; entretanto, o próprio Manual estabelece quais as infrações somente podem ser autuadas com a abordagem e quais podem ser fiscalizadas mesmo com o veículo em movimento (possibilidade que, aliás, consta do artigo 280, § 3º, do CTB) – ao todo, foram determinadas 31 infrações que EXIGEM abordagem, 17 infrações em que é possível autuar SEM abordagem e 8 infrações que devem ser autuadas conforme PROCEDIMENTOS;
10) A segunda via do auto de infração deve ser entregue ao condutor, independente de ter ou não assinado a autuação – a assinatura pode apenas representar a notificação da autuação (desde que o condutor seja o proprietário do veículo e conste, da autuação, a data limite para a apresentação da defesa – §§ 5º e 6º do artigo 2º da Resolução do Contran n. 404/12) e não deve ser condição para entrega da segunda via;
11) No caso de combinação de veículos, a autuação deve ser feita preferencialmente na unidade tratora e, quando isto não for possível, na unidade tracionada – tal regra do Volume II foi uma repetição do Volume I, que, na minha opinião, mereceria um adendo: nas infrações de competência estadual, existem condutas típicas que são próprias do veículo tracionado, motivo pelo qual este deveria ser autuado, como a falta de equipamento obrigatório, veículo não registrado ou mau estado de conservação;
12) A não imposição de medida administrativa (independente do motivo) não invalida a elaboração do auto de infração e a consequente imposição da multa de trânsito respectiva, tendo em vista que as medidas administrativas são complementares (reforço ao constante do § 2º do artigo 269 do CTB);
13) Na aplicação da medida de retenção do veículo, só deve ocorrer a sua liberação, se não oferecer risco à segurança; caso contrário, deverá ser removido ao pátio determinado pelo órgão de trânsito (anteriormente, se não sanada a irregularidade passível de retenção, o veículo era autuado e liberado, mediante recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual, para posterior vistoria) – esta será uma mudança substancial na fiscalização de trânsito, mas que já foi promovida por alteração do artigo 270 do CTB (Lei n. 13.160/15, em vigor a partir de 23/01/16);
14) A remoção do veículo ao pátio poderá ocorrer por meio do guincho determinado pelo órgão de trânsito ou dirigido pelo próprio condutor, quando houver condições de segurança para sua realização (tanto quanto à segurança para o veículo transitar, quanto para a concretização da medida administrativa);
15) A remoção do veículo ao pátio não deverá ser aplicada quando o condutor se dispuser a sanar a irregularidade no local da infração; tal condição já era prevista para as infrações municipais (Volume I do MBFT) e, agora, também estará presente nas infrações estaduais (por exemplo, um veículo que está com a placa dobrada, em cometimento da infração de trânsito do artigo 230, inciso VI – se o condutor desdobrar a placa, permitindo a sua correta visualização, deverá ser apenas autuado, sem a remoção do veículo ao pátio);
16) O recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação (ou PPD) deverá ocorrer, de imediato, pela fiscalização de trânsito, quando prevista esta medida administrativa (ex.: falta de capacete do ocupante de motocicleta, exibição de manobra perigosa na via pública etc), com o objetivo de impedir que o condutor continue dirigindo o veículo, devendo ser devolvida diretamente no órgão responsável pelo recolhimento até o prazo de 5 dias, após o que será encaminhada para o Detran (vale ressaltar que, apesar de regulamentada pelo MBFT, tal medida é questionável, por antecipar a penalidade de suspensão do direito de dirigir, sem o exercício do direito de defesa, em afronta ao artigo 265 do CTB e artigo 5º, LV, da CF/88);
17) O condutor de veículos de 2 rodas (motocicleta, motoneta e ciclomotor) que empurra o veículo não se equipara ao pedestre, podendo ser autuado por infrações cometidas, como se estivesse sobre o veículo.
Após as normas gerais de fiscalização, o Volume II do MBFT apresenta 105 (cento e cinco) fichas de enquadramento, relativas a um total de 56 (cinquenta e seis) infrações de trânsito, com informações detalhadas de cada enquadramento, além de: quando autuar, quando não autuar, procedimentos específicos e observações que devem constar no auto de infração.
Por fim, foram alterados os seguintes códigos de enquadramento:
– artigo 175: criado o código 527-42 (derrapagem ou frenagem de pneus);
– artigo 230, XXII: unificado o código 676-90;
– artigo 233: desmembrado o código 692-00 para 692-01, 692-02, 692-03 e 692-04;
– artigo 234: diminuídos de 4 para 2 códigos: 693-91 e 693-92.
São Paulo, 10 de dezembro de 2015.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 6 – Lei da Desburocratização e os Reflexos para Órgãos de Trânsito
O Diário Oficial da União de 09 OUT18 publicou a Lei n. 13.726/18, conhecida como “Lei da desburocratização”, a qual “racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação”.
Com o veto ao artigo 10, que estabelecia vigência imediata, a ausência da informação quanto à data em que suas regras entrarão em vigor nos remete ao disposto no artigo 1º do Decreto-lei n. 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro): “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”; ou seja, a partir do dia 23NOV18, os órgãos públicos brasileiros deverão seguir as novas regras estabelecidas pela Lei sob comento.
Para compreensão do objetivo normativo, cabe destacar o constante do artigo 1º, segundo o qual, “esta Lei racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios mediante a supressão ou a simplificação de formalidades ou exigências desnecessárias ou superpostas, cujo custo econômico ou social, tanto para o erário como para o cidadão, seja superior ao eventual risco de fraude, e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação”.
Em relação aos serviços prestados pelos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito, destaco dois procedimentos que terão de ser reavaliados, frente à alteração legislativa, conforme estabelece o seu artigo 3º, o qual passa a dispensar a exigência de:
I – reconhecimento de firma, devendo o agente administrativo, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do agente, lavrar sua autenticidade no próprio documento; e
II – autenticação de cópia de documento, cabendo ao agente administrativo, mediante a comparação entre o original e a cópia, atestar a autenticidade.
Tanto o reconhecimento de firma quanto a autenticação de cópias de documentos já eram procedimentos delimitados de maneira específica pela Lei n. 9.784/99 (regula o processo administrativo), como algo excepcional (e não como regra), como se verifica no seu artigo 22, §§ 2º e 3º: “salvo imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade” e “a autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão administrativo”.
Apesar disso, não é incomum nos depararmos com órgãos públicos exigindo, dos cidadãos, documentos com firmas reconhecidas ou cópias autenticadas, para dar prosseguimento a assuntos de seu interesse junto à Administração, o que, doravante, não mais poderá ocorrer.
Uma das primeiras situações que nos vem à lembrança, quando pensamos na aplicabilidade desta Lei aos serviços de trânsito, é a decorrente da transferência de propriedade de veículo automotor, procedimento que, até os dias atuais, exige do vendedor e comprador providências burocráticas que englobam justamente o que passará a ser isento.
O reconhecimento das assinaturas de ambos, no verso do Certificado de Registro de Veículo (em formulário denominado Autorização para Transferência de Propriedade de Veículo – ATPV), por autenticidade, decorre de regulamentação do Conselho Nacional de Trânsito, no exercício de competência normativa disciplinada no artigo 124, inciso III, do Código de Trânsito Brasileiro (“para a expedição do novo Certificado de Registro de Veículo serão exigidos os seguintes documentos: … III – comprovante de transferência de propriedade, quando for o caso, conforme modelo e normas estabelecidas pelo CONTRAN;”), mais especificamente na Resolução n. 310/09, que alterou os modelos e especificações do CRV e CRLV e assim passou a determinar, entre outros itens, que “é obrigatório o reconhecimento de firmas do adquirente e do vendedor, exclusivamente na modalidade por AUTENTICIDADE”.
Aliás, cabe apontar uma curiosidade, presente até hoje nos documentos de transferência de propriedade de veículo: o formulário da ATPV menciona o artigo 369 do Código de Processo Civil, como a base legal para o reconhecimento de firma, quando o CPC vigente era o de 1973, substituído anos depois, em 2015, pela Lei n. 13.105/15 (atual CPC), cujo artigo 411 é que passou a tratar da autenticação de documentos via reconhecimento de firma do signatário pelo tabelião (no exercício das competências determinadas pela Lei n. 8.935/94).
Além da Resolução n. 310/09, que continua em vigor, tal regra também foi mantida na Resolução n. 712/17, que versa sobre o CRV eletrônico, a ATPV eletrônica e a realização de comunicação de venda de veículo ao órgão executivo estadual de trânsito, cujo artigo 4º também prescreve a necessidade de reconhecimento de firma.
Com a entrada em vigor da Lei n. 13.726/18, é de se entender que deverá o Contran rever a regulamentação existente, de vez que não poderá mais exigir esta burocracia por parte dos proprietários de veículos, bastando que, nos termos do artigo 3º, inciso I, da novel legislação, o reconhecimento das assinaturas constantes da ATPV se faça no próprio órgão de trânsito, mediante a comparação com as assinaturas constantes dos documentos de identidade dos interessados, ou mediante a autenticação pelo agente administrativo, se aposta a assinatura no próprio órgão.
Além disso, a comunicação de venda do veículo ao órgão executivo estadual de trânsito (Detran), obrigatória ao antigo proprietário, não mais poderá ser restringida ao encaminhamento de cópia AUTENTICADA do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, conforme redação textual do artigo 134 do CTB (e ratificada pelo artigo 7º da Resolução n. 712/17), mas também deverá ser aceita cópia simples, com autenticação de documento pelo agente administrativo responsável, mediante a comparação com o original.
Considerando-se o volume de transferências de propriedade de veículos automotores, em qualquer Estado da federação, é de se supor que tais procedimentos, embora menos burocráticos, criem alguns entraves para que sejam colocados em prática pelos órgãos de trânsito, mas não há dúvidas de que tal situação fática se enquadra perfeitamente na Lei da desburocratização.
Outras duas questões que também serão atingidas pela desburocratização e que, por vezes, alguns órgãos de trânsito adotam procedimentos peculiares, não obstante a norma aplicável, são as seguintes:
Indicação de condutor autuado
O artigo 257, § 7º, do CTB estabelece a indicação do condutor, nas infrações sob sua responsabilidade, em que a identificação do infrator não for imediata, o que é atualmente regulamentado pela Resolução do Contran n. 619/16, a qual trata do processo administrativo para imposição da multa de trânsito.
Neste sentido, o artigo 5º da citada norma prevê os requisitos para o formulário de indicação de condutor e NÃO prevê a necessidade de que a assinatura do proprietário esteja com firma reconhecida (tal regra chegou a ser prevista na Resolução n. 363/10, a qual, entretanto, nem mesmo chegou a vigorar); não obstante, há alguns órgãos de trânsito que exigem o reconhecimento da assinatura do proprietário no formulário.
Se já não era obrigatório o reconhecimento da assinatura, por falta de previsão normativa, agora com muito mais razão é que não poderão os órgãos de trânsito exigir tal procedimento.
Reconhecimento de firma em procurações
Na representação de pessoas físicas, por procuradores, devidamente nomeados pelos interessados, não poderão os órgãos de trânsito, exigir que haja o reconhecimento da assinatura no instrumento de mandato, bastando, como já mencionado, a conferência com o documento original.
A este respeito, vale mencionar que a procuração, enquanto instrumento particular de representação de alguém, encontra previsão legal no artigo 654 do Código Civil, cujo § 2º estabelece que “o terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida”; obviamente, apesar desta prescrição normativa, a partir da Lei da desburocratização, não se admite que tal exigência seja feita pelos órgãos públicos aos cidadãos.
Na apresentação de defesas administrativas e recursos (1ª e 2ª instâncias), por exemplo, estabelece a Resolução do Contran n. 299/08, dentre os documentos a serem juntados, a procuração, quando for o caso (artigo 5º), não havendo menção à necessidade de reconhecimento de firma (embora alguns órgãos de trânsito costumeiramente adotem tal cautela).
Destarte, todavia, não caberá mais se exigir, desta procuração, o reconhecimento da assinatura do outorgante, mesmo quando apresentado a alguém que não seja advogado, de vez que não se exige a capacidade postulatória para o processo administrativo de trânsito (em relação ao advogado, em especial, a desnecessidade de reconhecimento de firma já era uma prerrogativa legal, desde que o CPC de 1973 teve o seu artigo 38 alterado pela Lei n. 8.952/94).
Resta-nos acompanhar, para verificar se os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito estarão aptos a cumprirem mais esta Lei que procura simplificar a vida dos cidadãos!
São Paulo, 24 de outubro de 2018.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.