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Artigo 7
Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades:
I – o Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo;
II – os Conselhos Estaduais de Trânsito – CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal – CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores;
III – os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
IV – os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
V – a Polícia Rodoviária Federal;
VI – as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e
VII – as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI.
Art. 7º A. A autoridade portuária ou a entidade concessionária de porto organizado poderá celebrar convênios com os órgãos previstos no art. 7º, com a interveniência dos Municípios e Estados, juridicamente interessados, para o fim específico de facilitar a autuação por descumprimento da legislação de trânsito. (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)
§ 1º O convênio valerá para toda a área física do porto organizado, inclusive, nas áreas dos terminais alfandegados, nas estações de transbordo, nas instalações portuárias públicas de pequeno porte e nos respectivos estacionamentos ou vias de trânsito internas. (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)
§ 2º (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)
§ 3º (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)
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Vinny Borges
O Sistema Nacional de Trânsito contempla a participação de órgãos e entidades das três esferas de Governo: União, Estados (e Distrito Federal) e Municípios. Sua composição vem descrita no artigo 7º, que pode ser resumida, conforme a atividade principal de cada órgão e entidade, na seguinte divisão didática:
I) ÓRGÃOS NORMATIVOS – são os Conselhos de Trânsito, que possuem como atribuição principal a elaboração de normas, de forma complementar ao estabelecido no Código de Trânsito Brasileiro. Por elaborarem as normas, também respondem as consultas relativas à aplicação e compreensão da legislação de trânsito em vigor. Também possuem a competência de coordenarem as atividades de trânsito dos demais órgãos. Somente existem órgãos normativos na esfera da União (Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN) e dos Estados (Conselhos Estaduais de Trânsito – CETRAN e, no caso do Distrito Federal, Conselho de Trânsito do Distrito Federal – CONTRANDIFE); assim, eventuais Conselhos Municipais de Trânsito, criados em algumas cidades, têm mera função de assessoramento nas tomadas de decisões do poder público local, não sendo prevista sua participação no Sistema Nacional de Trânsito;
II) ÓRGÃOS EXECUTIVOS – são aqueles que, efetivamente, colocarão em prática o que se encontra previsto na lei, a fim de lhe dar cumprimento. Se atuarem nas rodovias, são denominados órgãos (e entidades) executivos RODOVIÁRIOS e, se tiverem como área de atuação as vias urbanas, recebem a nomenclatura de órgãos (e entidades) executivos DE TRÂNSITO. Tais órgãos executivos são previstos para as três esferas de Governo, respeitada a autonomia local, de acordo com o artigo 8º do CTB, sendo que, para a constituição dos órgãos executivos dos municípios, devem ser obedecidos os requisitos constantes da regulamentação do Conselho Nacional de Trânsito (Resolução do CONTRAN n. 811/20). No âmbito da União, o órgão executivo de trânsito é o Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN, cujo funcionamento é regulado pelo Regimento interno do Ministério da Infraestrutura, aprovado pela Portaria n. 124/20, deste Ministério; já o órgão executivo rodoviário é o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transporte – DNIT, criado pela Lei n. 10.233/01, em substituição ao antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER;
III) ÓRGÃOS FISCALIZADORES – são os órgãos responsáveis pelo controle do cumprimento da lei, no âmbito de sua competência e dentro de sua circunscrição. O artigo 7º estabelece, taxativamente, dois órgãos com esta finalidade precípua: a Polícia Rodoviária Federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destinado, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais (artigo 144, § 2º, da Constituição Federal) e as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal, às quais competem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública (artigo 144, § 5º, da CF). Além destes dois órgãos, componentes da Segurança pública, há que se ressaltar a possibilidade de que os órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários constituam corpos próprios de agentes de fiscalização, responsáveis por tal atividade na sua esfera de competência;
IV) ÓRGÃOS JULGADORES – são, na sua essência, as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – Jari, criadas junto a cada órgão e entidade executiva de trânsito e rodoviário, com o objetivo de julgar os recursos interpostos contra as penalidades por eles aplicadas (nos termos dos artigos 16 e 17 do CTB). Também exercem a função de órgãos julgadores os Conselhos de Trânsito, nas situações especificadas pelo artigo 289 do CTB.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano de 1996 a 2019, atualmente Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (2019/2021); Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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Vinny Borges
Art. 7 – Legislação de trânsito – Competências e incompetências, por Julyver Modesto de Araujo
“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A frase, hoje disposta como garantia constitucional, no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal brasileira, teve origem na Declaração dos direitos do homem e do cidadão, promulgada na França, em 1789, por ocasião da Revolução Francesa, verdadeiro marco de ruptura do Estado monárquico absolutista para o Estado Democrático de Direito, mudança que possibilitou a participação efetiva da sociedade, para, ao eleger os seus representantes, escolher as regras que se pretende para a convivência social.
A transição do poder, das mãos do monarca, para as mãos do povo, traduz-se perfeitamente na expressão: “a government of law and not f men”, ou seja, o governo da lei e não dos homens. Na Democracia, o que importa não é mais a vontade pessoal de um único tirano, mas o equilíbrio das vontades e interesses de todos, que se convergem pela atuação dos parlamentares que escolhemos para nos representar.
Uma das principais características do Estado originado a partir do final do século XVIII, com a revolução burguesa, foi a instituição de poderes independentes e harmônicos entre si, como consta expressamente no artigo 2º da Constituição Federal de 1988. A tripartição de poderes, em Executivo, Legislativo e Judiciário, teve como base primordial as ideias do Barão de Montesquieu, para quem “o homem que detém o poder, tende a abusar dele”. O objetivo, portanto, é dividir o poder e possibilitar um constante controle mútuo dos representantes do Estado, garantindo-se a efetividade das ações estatais e evitando-se os abusos individuais.
Quando prezamos, portanto, pela obediência às leis, estamos exercendo um dos mais importantes vetores da Democracia: o reconhecimento de que a vontade legislativa representa, acima de tudo, o interesse de toda a coletividade. Por mais que não concordemos com esta ou aquela norma, a sua aceitação deve ser algo bem pragmático: “cumpra-se a lei”, ou, como diz o brocardo: dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é a lei). Aquele que, deliberadamente, descumpre a norma jurídica, muitas vezes não se dá conta de que a sua obediência é a única garantia de uma vida equilibrada em sociedade, com limites para todas as pessoas, a fim de que todos possam exercer, ao máximo, a sua própria liberdade e defender os seus direitos. Ser contra a lei é querer a anarquia ou, pior, a opressão de um tirano, que imponha as suas singulares vontades.
Em um país continental como o Brasil, dividido, em sua origem, em diversas capitanias hereditárias, que proporcionaram, com a Proclamação da República, a criação de um Estado federado, a continuidade da democracia exige ainda o respeito à tripartição de poderes nas três esferas de governo: União, Estados e Municípios.
Partindo-se da Constituição federal, lei máxima que estabelece toda a estrutura de nossa Nação, necessitamos analisar quais são as competências de cada ente federado, pois, assim como os Poderes são independentes entre si, de igual forma não pode o Poder Executivo federal intervir indevidamente na autonomia dos Estados e Municípios (e vice-versa), assim sucedendo também ao Legislativo e Judiciário.
Feita esta introdução, passemos ao que nos interessa neste artigo: a quem compete determinar as regras sociais relativas à utilização da via pública? Dentre os 3 Poderes do Estado, é justamente função típica do Legislativo a inovação na ordem jurídica, ou seja, a criação de normas que passem a impor, a todos os cidadãos, novas obrigações, proibições ou permissões (as três modalidades da norma jurídica, ou, como classifica a Filosofia do Direito, os três “modais deônticos”). De igual forma, as alterações das regras já impostas dependem da mesma atuação legislativa, a fim de manter a essência do Estado Democrático de Direito.
Se, na divisão horizontal do Poder, conseguimos identificar corretamente o Legislativo como responsável por criar, modificar ou revogar as regras de trânsito, também há que se questionar a competência vertical, em uma República Federativa, que tem, cada vez mais, prestigiado o município, como principal ente de administração da vida em sociedade. Será o Poder Legislativo nas três esferas de governo (União, Estados e Municípios), igualmente responsável por “legislar sobre trânsito”? A resposta a este questionamento deve ser obtida na verificação dos ditames constitucionais que determinam as competências dos entes federados. Das oito Constituições já editadas no Brasil, desde 1824 (com a Constituição imperial), somente em 1967 é que a Carta magna tratou de prescrever a competência da União para “legislar sobre tráfego e trânsito nas vias terrestres” (artigo 8º, XVII, n), sem, entretanto, limitar a atuação como exclusiva ou privativa.
A legislação de trânsito nacional, que começou a se consolidar com o 1º Código Nacional de Trânsito, em 1941, previa, inclusive, no artigo 2º do CNT de 1966 (Lei nº 5.108/66), a possibilidade de leis estaduais complementares, nos seguintes termos: “Os Estados poderão adotar normas pertinentes às peculiaridades locais, complementares ou supletivas da lei federal”.
Foi apenas em 1988, com a promulgação da atual Constituição federal, que o seu artigo 22, inciso XI, tratou de prescrever a competência PRIVATIVA da União para legislar sobre trânsito e transportes. A partir daí, portanto, o artigo 2º do CNT de 1966 passou a ser inválido, não tendo sido recepcionado pela “nova” Constituição.
Desta forma, de 1998 pra cá, somente o Poder Legislativo da União, representado pelo Congresso Nacional (sistema bicameral que engloba o Senado e a Câmara dos Deputados) tem a legítima competência para legislar sobre trânsito.
A competência PRIVATIVA, todavia, não se confunde com competência EXCLUSIVA: quando a lei determina a exclusividade de atribuição para determinado órgão, há um impedimento para sua delegação; no caso do artigo 22 da CF, como a competência é privativa, significa que, embora seja originariamente da União, o Congresso Nacional pode transferir sua responsabilidade, o que está expressamente previsto no parágrafo único do dispositivo em apreço: “Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”.
Quanto ao dispositivo da Constituição se referir à lei COMPLEMENTAR, esta se diferencia de uma lei ORDINÁRIA em dois aspectos: um material e outro formal. A distinção material reside no fato de que, enquanto a lei ordinária pode tratar de qualquer assunto, a lei complementar é direcionada às complementações de dispositivos constitucionais, cuja necessidade tenha sido expressa pelo legislador constituinte (como é o caso). Formalmente, a distinção relaciona-se ao quórum exigido para sua aprovação: na lei ordinária, maioria simples, ou seja, número de votos favoráveis superior ao de votos contrários. Já para aprovação das leis complementares, exige-se maioria absoluta (artigo 69 da CF), representada pelo primeiro número inteiro subsequente à metade do número total de parlamentares (por exemplo, no Senado, que é composto por 81 senadores, a maioria absoluta depende da aprovação de 41 pessoas).
Apesar de cada Estado da Federação possuir uma realidade peculiar, o que nos leva a pensar se não seria interessante uma lei federal que contivesse apenas regras gerais de trânsito, complementada por leis estaduais, que atendessem aos interesses federados de maneira mais adequada, o fato é que temos hoje concentrada, na União, a competência privativa, sem delegação por lei complementar. Sou tentado a acreditar que, se houvesse tal delegação, um eventual projeto de lei de trânsito teria um trâmite mais célere na Assembleia Legislativa de cada Estado, do que o que hoje ocorre quando se trata do Congresso Nacional, já que, obrigatoriamente, a discussão deve passar por duas Casas legislativas, envolvendo concepções políticas, ideias e interesses por vezes díspares e conflitantes. O Código de Trânsito aprovado em 1997, por exemplo, chegou a ficar SEIS anos em tramitação, desde que foi constituída Comissão Especial no Poder Executivo, para sua elaboração (em 1991).
É importante, destarte, questionarmos: o exercício desta competência está sendo adequado aos interesses de toda a Nação? O nosso Código de Trânsito, que muitos gostam de denominar de “o melhor Código do mundo” é, realmente, a expressão de uma perfeição, em termos de técnica legislativa e de atendimento aos anseios sociais? Talvez eu esteja sendo um pouco exagerado, em querer a perfeição de algo feito pelo ser humano, que já se habituou a aceitar que “errar é humano”, mas o grande número de erros que, constantemente, detectamos na legislação de trânsito é motivo não só de lamúria, mas de decepção, principalmente por aqueles que têm a obrigação legal de colocá-la em prática.
Já escrevi, em outra ocasião, sobre “As contradições e imperfeições do Código de Trânsito Brasileiro” (disponível em http://www.ceatnet.com.br/modules/wfsection/article.php?articleid=23), artigo em que destaquei apenas alguns destes equívocos, mas o acompanhamento constante das alterações legislativas nos causa tal perplexidade, a ponto de ser necessário tratar novamente do assunto. Analisemos apenas, para não sermos demasiadamente longos, as duas últimas leis que alteraram o CTB: Lei nº 12.009/09 e 12.058/09.
A Lei nº 12.009/09, que regulamentou o exercício das atividades dos profissionais em transporte de passageiros e entrega de mercadorias em motocicletas, incluiu, por exemplo, o inciso IX ao artigo 244 do CTB, estabelecendo como infração: “conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor efetuando transporte remunerado de mercadorias em desacordo com o previsto no art. 139-A desta Lei ou com as normas que regem a atividade profissional dos mototaxistas”. Nas consequências atribuídas a tal conduta, foram determinadas a penalidade de multa e a medida administrativa de APREENSÃO DO VEÍCULO PARA REGULARIZAÇÃO.
Ora, qualquer estudante de primeira habilitação deve ter estudado, na matéria Legislação de trânsito que, dentre as penalidades previstas no artigo 256, encontra-se a de APREENSÃO DO VEÍCULO e que, dentre as medidas administrativas do artigo 269, uma delas é a de RETENÇÃO DO VEÍCULO (para regularização), não existindo uma medida administrativa denominada “apreensão do veículo para regularização”.
O erro grave cometido pelos nossos legisladores deixa absolutamente sem resposta o seguinte questionamento: a motocicleta que comete a infração do artigo 244, IX, deve ser removida ao depósito, para que permaneça apreendida, de 1 a 10 dias, nos termos do artigo 262 do CTB e Resolução do CONTRAN nº 53/98, ou deve apenas ser retida para regularização e, não sendo sanada a irregularidade no local da infração, ter o seu Certificado de Licenciamento Anual recolhido, conforme prevê o artigo 270 do CTB? Efetivamente, é uma incógnita. Os órgãos de fiscalização que o digam.
A Lei nº 12.058/09, por sua vez, nem tinha como objeto original a legislação de trânsito, mas dispõe sobre a prestação de apoio financeiro pela União aos entes federados que recebem recursos do Fundo de Participação dos Municípios, com o objetivo de superar dificuldades financeiras emergenciais. Entretanto, o seu artigo 4º incluiu o artigo 7º-A ao CTB: “A autoridade portuária ou a entidade concessionária de porto organizado poderá celebrar convênios com os órgãos previstos no art. 7º, com a interveniência dos Municípios e Estados, juridicamente interessados, para o fim específico de facilitar a autuação por descumprimento da legislação de trânsito”, tendo como § 1º o seguinte: “O convênio valerá para toda a área física do porto organizado, inclusive, nas áreas dos terminais alfandegados, nas estações de transbordo, nas instalações portuárias públicas de pequeno porte e nos respectivos estacionamentos ou vias de trânsito internas”.
Referido dispositivo, que está em vigor desde 14/10/09, cometeu pelo menos três grandes equívocos:
1º. Simplesmente ignorou o preceito básico do artigo 1º do próprio Código, no sentido de que a legislação de trânsito aplica-se às vias terrestres abertas à circulação, criando a possibilidade de fiscalização de trânsito até em áreas de estacionamento;
2º. Criou “meia competência”: ao determinar que o fim específico é o de propiciar a autuação por descumprimento à legislação de trânsito, direcionando o seu objeto, acabou por dizer, em outras palavras, que o órgão de trânsito, desde que conveniado, pode autuar, mas não tem competência para mais nada, ou seja, não pode planejar, projetar e regulamentar o trânsito; não pode implantar sinalização; não pode estipular regras de estacionamento; entre outras atribuições, constantes do CTB. De igual sorte, cabe questionamento se o “autuar” da lei abrange a aplicação da correspondente multa (apesar da lógica nos induzir à resposta positiva, fica a dúvida);
3º. Vincula o exercício do poder de polícia à vontade de autoridade externa à Administração pública; ao exigir o convênio com a autoridade portuária, a lei expressa que, caso esta autoridade não queira, as regras de trânsito não se aplicam naquele local; além disso, como o dispositivo estabelece, genericamente, a possibilidade de convênio com os órgãos do artigo 7º do CTB, questiona-se: se a autoridade portuária fizer um convênio com o órgão municipal de trânsito, ele é suficiente para que a Polícia Militar fiscalize os infratores, ou é necessário também um convênio com a PM, por se tratar de órgão autônomo, também integrante do Sistema Nacional de Trânsito?
Também será necessário um convênio com a JARI, para julgamento de eventuais recursos? Se houver convênio apenas com o órgão municipal, como fica a fiscalização das infrações de competência estadual? Ainda que estas não sejam fiscalizadas, terá competência a autoridade estadual de trânsito do município de registro da habilitação do condutor para aplicar a penalidade de suspensão do direito de dirigir àquele que atingir 20 pontos, por infrações municipais, cometidas no interior dos portos? São inúmeras perguntas, que, infelizmente, não tenho respostas (e acredito que, dificilmente, os nossos representantes parlamentares tenham pensado em todas elas, quando votaram pela alteração do CTB).
Posso parecer detalhista demais; entretanto, não há como aplicar uma lei que não se apresenta com a clareza que se espera de qualquer norma. Além das DOZE Leis que já alteraram o CTB, tramitam, no Congresso, outras tantas centenas de projetos, dos mais variados, a ponto de ter sido criada, na Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, uma Subcomissão para revisão do Código de Trânsito, objetivando reunir todos os projetos em tramitação. Dentre eles, merece destaque atual o PL 2872/08, que já se encontra no seu sétimo substitutivo. Muitas alterações propostas (e são mais de 50 questões modificadas) são merecedoras de elogios, mas não há só motivo de alento: até que o PL seja convertido em lei, a tramitação nas demais Comissões da Câmara, no Senado e no Poder Executivo, para final sanção, ainda será capaz de nos proporcionar outros belos exemplos de incongruência.
Esta incompetência técnica igualmente se espalha pelos órgãos do Poder Executivo responsáveis pelas questões do trânsito, a começar pelo Conselho Nacional, órgão máximo, normativo, consultivo e coordenador, que se arvorou de um poder legislativo paralelo, sem limites, inovando na ordem jurídica, numa verdadeira usurpação da atividade típica daqueles que são eleitos para nos representar.
Não sei, sinceramente, o que é pior: ter a legislação de trânsito a cargo dos que nos representam, sem conhecimento técnico; ou deixá-la sob responsabilidade do órgão técnico, que não tem a legitimidade para representar os interesses da sociedade.
O pior é que nem mesmo podemos chamar de técnico um órgão que, legalmente, tem uma composição política: as decisões máximas de trânsito, no país, ficam a cargo de representantes de diversos Ministérios, nos termos do artigo 10 do CTB, que, não obstante sua competência nas áreas que lhe são afetas, não tem obrigação de conhecer mais a fundo as questões do trânsito brasileiro.
Ainda que o CONTRAN seja assessorado pelas Câmaras Temáticas (artigo 13 do CTB) e pelo Fórum Consultivo do Sistema Nacional de Trânsito (Resolução CONTRAN 142/03), é de se lamentar os constantes equívocos por ele cometidos.
É tanta confusão que, com muita frequência, temos Resoluções substituídas por outras, em tão pouco tempo, as quais, logo mais, também já são motivo de alteração; Resoluções que, por serem publicadas com incorreções, são, dias após, republicadas em Diário Oficial (e quem já se informou pela edição anterior que se atualize…); Resoluções que, por terem imperfeições, não são republicadas por inteiro, mas que o CONTRAN publica uma pequena retificação, em espaço tão diminuto do Diário, que a desatenção do profissional acaba sendo a principal causa de sua desinformação; Resoluções que são revogadas e substituídas por Deliberações isoladas do Presidente do Conselho (a este respeito, destaca-se que, assim como o Poder Executivo federal tem abusado das Medidas Provisórias, desde longa data, exercendo a atividade legislativa, também o Presidente do CONTRAN tem demonstrado a mesma prática rotineira, nem sempre movido pela urgência e interesse público, que o próprio Regimento interno do Conselho exige – como exemplos, veja-se a Deliberação nº 33/02, que só foi convertida em Resolução QUATRO anos depois, pela Res. 191/06; ou a Deliberação 53/06, que tinha validade temporária de dois anos e passou toda a sua vigência sem ser referendada).
Até agora, já foram expedidas 334 Resoluções (desde que o atual Código entrou em vigor e até 11/11/09). Não dá tempo nem dos profissionais de trânsito estudarem todas as regulamentações existentes, quanto mais acompanhar tantas mudanças. Imaginemos, então, como fica o usuário da via pública, que é obrigado a seguir todas as regras impostas, sob pena de cometer infrações de trânsito e ser penalizado pela sua desinformação.
A eficácia da norma jurídica depende, obviamente, de certa estabilidade das regras impostas à sociedade. Como exigir determinados comportamentos, se a acelerada mudança das regras impede a devida assimilação de seu conteúdo?
E mais: as pessoas realmente são obrigadas a seguir as Resoluções do CONTRAN? Já que, como ressaltei no início, “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de LEI”? Uma Resolução tem validade de lei?
Na verdade, as únicas Resoluções que têm validade de lei, nos termos do artigo 59 da Constituição Federal, são as expedidas pelo Congresso Nacional, transferindo a atividade legislativa para que o Poder Executivo promulgue as chamadas leis delegadas, em casos bem específicos.
Uma Resolução expedida por órgão do Poder Executivo, como é o caso do CONTRAN, trata-se de um ato normativo interno, com validade exclusiva para o âmbito da própria Administração. Na hierarquia normativa, seguindo a pirâmide do teórico Hans Kelsen, podemos dizer, de maneira simplificada, que a lei máxima é a Constituição, seguida das leis propriamente ditas e, abaixo delas, os atos normativos, que não têm o mesmo valor obrigacional das leis em sentido estrito.
É fato que, em várias Resoluções, o CONTRAN nada mais faz do que complementar o CTB, nos termos fixados pelo legislador, como, por exemplo, nos artigos 105 (“São equipamentos obrigatórios dos veículos, entre outros a serem estabelecidos pelo CONTRAN…”), 115 (“O veículo será identificado externamente por meio de placas dianteira e traseira, sendo esta lacrada em sua estrutura, obedecidas as especificações e modelos estabelecidos pelo CONTRAN”), 228 (“Usar no veículo equipamento com som em volume ou frequência que não sejam autorizados pelo CONTRAN”), entre tantos outros.
Em outras situações, porém, percebemos nitidamente, a arbitrariedade de suas decisões (entenda-se arbitrariedade como ação que extrapola o previsto na lei). Como ilustração, cito dois simples exemplos:
– O artigo 244, I, do CTB traz como infração “Conduzir motocicleta, motoneta e ciclomotor sem usar capacete de segurança com viseira ou óculos de proteção e vestuário de acordo com as normas e especificações aprovadas pelo CONTRAN”, o que pode induzir ao pensamento de que o CONTRAN tem competência legal para regulamentar as especificações dos capacetes; entretanto, não é esta a conclusão, se lermos o artigo 54, incisos I e III (“Os condutores de motocicletas, motonetas e ciclomotores só poderão circular nas vias: I – utilizando capacete de segurança, com viseira ou óculos protetores; … III – usando vestuário de proteção, de acordo com as especificações do CONTRAN”), que demonstram que a lei fixou apenas a possibilidade de complementação quanto ao vestuário. Entretanto, estão em vigor as Resoluções nº 203/06, 257/07 e 270/08, que tratam das especificações dos capacetes de segurança, exigindo diversas regras aos condutores dos veículos mencionados, ampliando sobremaneira o texto da lei; além disso, apesar da lei fixar a obrigatoriedade do capacete apenas para os ocupantes de motocicletas, motonetas e ciclomotores, o CONTRAN ampliou a mesma exigência para os triciclos e quadriciclos (não condeno a exigência, pois se trata de quesito de segurança… o que contesto é a obrigação não constar de texto legal, mas de ato normativo);
– O artigo 64 do CTB estabelece que “As crianças com idade inferior a dez anos devem ser transportadas nos bancos traseiros, salvo exceções regulamentadas pelo CONTRAN”, ou seja, o CONTRAN possui competência, pelo Código, de criar EXCEÇÕES para o transporte de crianças nos bancos dianteiros, tendo estabelecido, desde 1998, com a Resolução nº 15, duas situações excepcionais: I – quando o veículo tiver apenas compartimento dianteiro; e II – quando o número de crianças ultrapassar a capacidade do banco de trás. Atualmente, as duas exceções constam da Resolução em vigor, de nº 277/08, a qual estabelece, porém, os tipos de “cadeirinhas” que devem ser utilizados, conforme a idade da criança transportada. Não obstante a real utilidade do dispositivo de segurança adequado, a questão é que a lei não contemplou ao CONTRAN a incumbência de ampliar o texto legal, mas apenas determinar quais seriam as exceções.
Das centenas de Resoluções em vigor, muitos outros exemplos podem ser obtidos, no tocante à atuação normativa irregular do CONTRAN, o que é passível de contestação judicial, para que citadas normas sejam declaradas ilegais. Mas, e nos casos em que a lei realmente delegou a atividade LEGISLATIVA ao CONTRAN? Pode um órgão integrante do Poder Executivo ser contemplado com uma função que a Constituição Federal e o Estado Democrático de Direito impuseram, exclusivamente, aos representantes do povo? Afinal, todos nós votamos nos deputados e senadores que compõem o Congresso Nacional, mas a Presidência do CONTRAN é um cargo de confiança, não eletivo.
A maioria dos equipamentos veiculares, por exemplo, somente são obrigados por meio de Resolução e não de LEI. Equipamentos como extintor de incêndio, triângulo de emergência, macaco, chave de roda e roda sobressalente, exigidos pela Resolução do CONTRAN nº 14/98, complementam a pequena relação do artigo 105 do CTB. O CONTRAN pode, então, decidir, a qualquer momento, ampliar ou reduzir esta relação? E como fica o princípio da legalidade? Embora nós, profissionais do trânsito, tenhamos nos acostumado com a constante atividade normativa do CONTRAN, o quadro que encontramos merece profunda reflexão, mercê de todas as considerações apresentadas.
A Assembléia Nacional Constituinte, há 20 anos, preocupou-se com a independência dos Poderes. Quando aprovada a CF/88, em seu Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, foi previsto, expressamente, a revogação de todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a … ação normativa (artigo 25). Destarte, o que foi taxativamente revogado em 1988, acabou sendo realizado pelos autores do CTB, dez anos depois.
Apesar de parecer exagerado, a questão é que TODOS os artigos do CTB que deleguem ação normativa ao CONTRAN, possibilitando que citado órgão inove na ordem jurídica, padecem do vício da inconstitucionalidade. Entretanto, em nome da segurança jurídica, continuam a ter total validade, pela presunção de constitucionalidade, até que o Supremo Tribunal Federal se manifeste em eventual Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Na esfera de suas competências, e para não invadir os limites constitucionais, o CONTRAN somente poderia, em tese, regulamentar o funcionamento do Sistema Nacional de Trânsito, como órgão máximo, normativo e coordenador. Assim, são perfeitamente válidas, por exemplo, as Resoluções nº 233/07, que estabelece as diretrizes para o regimento interno das JARI; nº 244/07 (regimento interno dos CETRAN); 149/03 (procedimento administrativo da multa); 182/05 (procedimento administrativo da suspensão do direito de dirigir), entre outras, desde que as regras impostas sejam dirigidas, tão somente, ao próprio Sistema. Qualquer preceito geral, que implique em mudança de comportamento das pessoas ou limitação de seus direitos, somente se justifica pela ação legislativa de nossos representantes.
Ainda que se argumente a favor da delegação legislativa, pelo motivo de que é mais fácil ao CONTRAN acompanhar a evolução tecnológica, as mudanças culturais e as exigências de segurança viária, ao longo do tempo, evitando-se a necessidade de processo legislativo (e isto realmente é um fato), volto a frisar o comentário anterior: o cumprimento à lei deve ser pragmático: “cumpra-se e pronto!”. Aceitar o descumprimento do artigo 25 do ADCT/CF, por mais meritória que seja a alegação, é desconsiderar toda a luta do povo, pela garantia da democracia.
Estas são minhas constatações, fruto do estudo constante sobre o trânsito brasileiro e a sua análise sob o prisma jurídico. Para que minhas palavras não se resumam a meras críticas, tenho as seguintes sugestões, para a correta atuação dos poderes constituídos:
1º. Tendo em vista as peculiaridades de cada Estado federativo, com notórias discrepâncias geográficas, demográficas e culturais, editar lei complementar, conforme possibilita o parágrafo único do artigo 22 da CF, delegando aos ESTADOS a competência para legislar sobre trânsito e transportes, nas situações em que passar a permitir a lei federal;
2º. Alterar o CTB, que passaria a tratar tão somente de regras gerais (a serem determinadas, em estudo dirigido para tal fim) e deixaria as peculiaridades a cargo das leis estaduais, substituindo-se, desta forma, a delegação legislativa ao CONTRAN por delegação à Assembleia Legislativa de cada Estado, o que permitiria a adoção de políticas públicas e práticas de gestão correspondentes à realidade de cada Estado (um exemplo simples de descompasso de uma legislação para todo o território nacional é a exigência de vestuário de proteção do motociclista, que, até hoje, o CONTRAN não regulamentou, embora haja a previsão no artigo 54, III, justamente pela impossibilidade de se idealizar um vestuário que seja, ao mesmo tempo, adequado ao sertão nordestino e aos pampas gaúchos);
3º. Mudar a composição do CONTRAN, deixando-se de ser órgão político, para privilegiar a composição técnica, com profissionais e Especialistas de trânsito, passando a atuar na coordenação efetiva do Sistema Nacional de Trânsito e no suporte ao Poder Legislativo, para analisar as propostas de alterações da legislação de trânsito federal (da mesma forma, os Conselhos Estaduais, como órgão de suporte às Assembléias Legislativas, que passariam a exercer a competência delegada da União);
4º. Diminuir o ritmo de alterações legislativas na área de trânsito, em especial no que se refere às regras para os usuários das vias públicas. Creio que a maneira correta das coisas funcionarem seja: 1º – a criação da lei; 2º – o conhecimento da lei pelos seus destinatários; 3º – a fiscalização do seu cumprimento; 4º – a imposição de sanções aos infratores.
Atualmente, percebemos que a velocidade da informação, própria do século XXI, tem nos tornado escravos de uma suposta necessidade constante de alteração legislativa, que impede este ciclo adequado da aplicabilidade da lei: de que adianta termos mais de 300 Resoluções, se a população não as conhece? O agente de trânsito não tem tempo para se preparar para fiscalizar determinada regulamentação, pois rapidamente as regras já mudaram… (E isso não é nenhum exagero: em janeiro de 2008, por exemplo, entrou em vigor a Resolução nº 203/06, que versa sobre capacetes de segurança e, entre outras coisas, exige o certificado do INMETRO e o selo refletivo, o que ocasionou, nos primeiros dias do ano, uma corrida de motociclistas às lojas especializadas; no dia 25/02/08, contudo, o CONTRAN publicou a Resolução nº 270/08, limitando a exigência para os capacetes produzidos a partir de 01/08/07 e determinando que tais requisitos fossem alvo de fiscalização apenas após 01/07/08. E os motociclistas que foram autuados entre o início do ano e a data de publicação da Res. 270/08? Que entrassem com recurso! Resposta do próprio CONTRAN).
A tão comentada “lei seca”, que tem, indubitavelmente, provocado mudanças positivas no hábito do brasileiro, teve um início perturbador. Em apenas 6 meses de tramitação, já que foi fruto da conversão de uma Medida Provisória, já estava publicada e válida para todos os efeitos. Embora o combate à embriaguez ao volante seja ação extremamente necessária, o que vimos foi que, à meia noite do dia em que a Lei 11.705/08 entrou em vigor, já havia, em várias partes do país, agentes de trânsito iniciando a fiscalização de uma lei que mal a população conhecia e, pior, com uma série de questões que geravam (e geram) dúvidas nos próprios agentes: como operar o etilômetro (“bafômetro”)? Como fiscalizar sem o equipamento? Quais são os sinais notórios de embriaguez?
Qual é a tolerância na fiscalização? O condutor é obrigado a assoprar o etilômetro? O que fazer no caso de recusa? Deve-se recolher, de imediato, a Carteira Nacional de Habilitação do condutor embriagado? entre outras.
Reconheço que são alterações drásticas e de longo alcance, que talvez representem voz isolada deste sonhador, mas ainda que não sejam implantadas (ou até que ocorram) tais mudanças na legislação de trânsito, penso que, pelo menos, alguns princípios deveriam ser adotados desde já:
1º. Sem entrar no mérito da inconstitucionalidade da delegação legislativa ao CONTRAN (conforme meu posicionamento, frente ao artigo 25 do ADCT/CF), e considerando como válidos os dispositivos que transferem tal responsabilidade (até decisão do STF), o Conselho Nacional de Trânsito deveria limitar a edição de Resoluções, pelo menos, aos casos EXPRESSOS no CTB, em que o legislador autorizou a regulamentação complementar pelo Conselho;
2º. As Deliberações do Presidente do CONTRAN deveriam se limitar aos casos em que o Regimento interno permite: urgência e interesse público, devendo ser referendadas na reunião subsequente do Conselho (somente este cuidado justificaria a “urgência” de decisão isolada do Presidente);
3º. As Deliberações não poderiam revogar Resoluções, pois estas são expressão da vontade do Colegiado, enquanto as Deliberações são emanadas por uma única pessoa;
4º. Em vez de publicar tanta Resolução, o CONTRAN deveria promover a divulgação constante das normas já existentes, a toda população, e o treinamento específico para os profissionais do trânsito, principalmente aqueles que atuam na atividade de fiscalização.
Tais atitudes, se implantadas, possibilitarão: resultados mais concretos ao Sistema Nacional de Trânsito; maior aceitação da sociedade, quanto às regras de trânsito; maior transparência do Poder público; e, por certo, uma mudança efetiva do comportamento do usuário da via pública!
São Paulo, 14 de novembro de 2009.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO
Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP. Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, tendo realizado diversas atividades relacionadas ao policiamento de trânsito, de 1996 a 2008, entre elas Conselheiro do CETRAN/SP, de 2003 a 2008. Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT – Centro de Estudos Avançados e Treinamento / Trânsito (www.ceatt.com.br) e Presidente da ABPTRAN – Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito (www.abptran.org). Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 7 – Expressões interessantes da legislação de trânsito, por Julyver Modesto de Araujo
Conhecer o significado da linguagem é essencial para qualquer comunicação, pois, para que haja entendimento entre o emissor e o receptor da mensagem, ambos devem, obviamente, compreender o código linguístico utilizado. No meio jurídico, não é diferente; a questão, aliás, é ainda mais complexa, já que existe uma distância significativa entre aquele que transmite a informação, por meio de um regramento jurídico (o legislador) e aquele a quem se destina a mensagem, seja o intérprete, o operador do Direito ou o cidadão, de maneira geral.
Na comunicação cotidiana, as relações sociais dão sentido às palavras e as emoções acentuam ou atenuam os seus significados, permitindo uma interação mais efetiva entre as pessoas.
Um aluno que responde ao professor que entendeu a aula ministrada pode transmitir, por meio da sua expressão corporal e da entonação de sua voz, uma mensagem totalmente oposta, apesar da afirmação proferida.
No Direito, entretanto, a utilização da linguagem requer um cuidado apurado, tendo em vista que, além de ser impessoal, a lei tem como fundamento justamente prescrever um comportamento para a vida em sociedade e, portanto, deve ser clara o suficiente para evitar interpretações equivocadas, dúbias ou contraditórias. Não se trata de privilegiar uma redação rebuscada, mas, pelo contrário, deve o legislador primar pelo uso do discurso, ao mesmo tempo, simples, correto e inteligível.
Em sua famosa obra, denominada “Do Espírito das leis”, de 1748, o Barão de Montesquieu ponderava que “o estilo das leis deve ser simples. A expressão direta se entende sempre melhor do que a expressão refletida. Não há majestade alguma nas leis do baixo império, nas quais se fez os príncipes falarem como retóricos. Quando o estilo das leis é empolado, as encaramos apenas como uma obra de ostentação” e ainda que “as leis não devem ser sutis. São feitas para pessoas de pouco entendimento. Não são uma arte da lógica, mas a razão simples de um pai de família”.
Infelizmente, nem sempre, a simplicidade está presente no texto legal. No trânsito, assim como em qualquer área na qual aprofundássemos nosso estudo, encontramos diversas expressões que lhe são próprias, variando, inclusive, no mesmo idioma. Um semáforo pode ser chamado também de farol ou de sinaleira, assim como uma rotatória pode ser uma ilha, uma rótula ou um “queijim”, a depender do regionalismo brasileiro, muito embora a rica variação da nomenclatura não conste da redação legislativa.
Algumas das palavras utilizadas pelo Código de Trânsito Brasileiro são traduzidas, após o seu último artigo, com a expressa explicação, no artigo 4º, de que “os conceitos e definições estabelecidos para os efeitos deste Código são os constantes do Anexo I”. Ainda assim, nem todos os termos de trânsito foram contemplados: o Código traz, por exemplo, o significado de noite (período do dia compreendido entre o pôr do sol e o nascer do sol), mas não faz menção ao que vem a ser um carro, um caminhão, ou um triciclo (apesar de relacionar automóvel, bicicleta, caminhão-trator, caminhonete, camioneta, ciclo, ciclomotor, motocicleta, motoneta, reboque e semirreboque).
A simples análise do Anexo I do CTB nos renderia vários exemplos curiosos, como a lacônica descrição do que são vias rurais (estradas e rodovias), ou a expressão técnica (e pouco conhecida), cuja tradução é acompanhada do seu nome popular – CATADIÓPTRICO: dispositivo de reflexão e refração da luz, utilizado na sinalização de vias e veículos (olho-de-gato).
Aliás, algumas explicações não esclarecem muita coisa: INTERSEÇÃO, por exemplo, é todo cruzamento em nível, mas se o leitor quiser saber o que é CRUZAMENTO, este é descrito como interseção de duas vias em nível.
Não me limitarei, entretanto, aos conceitos e definições propostos pelo legislador de trânsito; minha intenção é percorrer os (atuais) 21 Capítulos do CTB e apontar algumas expressões interessantes que merecem um olhar mais crítico.
Comecemos pelo título do próprio Anexo I: “Dos conceitos e definições”. Afinal, como se preteriu o popular “glossário”, para explicitar os termos técnicos de trânsito, é de se perguntar se as palavras “conceitos” e “definições” se equivalem. Embora pareçam sinônimos, existem diferenças sintáticas para a utilização técnica de tais expressões: O “conceito” pode variar de uma pessoa para outra e é resultante de uma escolha arbitrária (ou convencionada), a respeito daquilo que se quer conceber. Enquanto alguém pode dizer, por exemplo, que o seu conceito de água é “o bem mais precioso da natureza”, outro pode argumentar que o conceito mais adequado seria “uma substância incolor, inodora e insípida”. Tratam-se de conceitos que, mesmo distintos, conservam igual validade, alterando-se tão somente em função do referencial utilizado pelos interlocutores.
Diferentemente, a “definição” procura apontar, em relação a determinado ser ou objeto, quais são suas particularidades que o distinguem de outros do mesmo gênero: por definição, a água é uma substância líquida, composta por duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio.
Mas esta também é uma convenção linguística ignorada: na prática, o CTB parece denominar de “conceitos” e “definições” os significados escolhidos para cada uma das palavras indicadas no Anexo I, sem o rigor técnico apontado.
De igual sorte, em outros dispositivos do Código, encontramos palavras diferentes, com sutis peculiaridades em seu alcance ou com significados exatamente iguais. No primeiro caso, aponto como exemplo o artigo 7º do CTB, que indica os ÓRGÃOS e ENTIDADES que compõem o Sistema Nacional de Trânsito. Apesar de, frequentemente, tais palavras serem usadas como equivalentes, a doutrina de Direito Administrativo costuma nominar ÓRGÃOS os componentes da Administração pública direta, criados por meio da desconcentração do Poder Executivo, enquanto intitula ENTIDADES aquelas criadas pela descentralização administrativa, que dá origem à Administração pública indireta.
No que se refere a palavras diferentes, com igual significado, podemos destacar o artigo 220, inciso I, que pune a velocidade incompatível com a segurança do trânsito, quando o veículo se aproximar de passeatas, aglomerações, CORTEJOS, PRÉSTITOS e desfiles, não havendo diferença substancial entre os termos grifados. Também encontramos sinônimos em artigos distintos do CTB: para indicar infrações de trânsito que ocorrem com o veículo em movimento, por exemplo, a lei utiliza os verbos DIRIGIR (artigos 162, 165, 169, 170 e 252), CONDUZIR (artigos 230, 232, 235, 244 e 255), TRANSITAR (artigos 184, 186, 187, 188, 193, 194, 218, 219, 223, 231, 237, 244 §§ 1º e 2º) e, de forma mais taxativa, QUANDO O VEÍCULO ESTIVER EM MOVIMENTO (artigos 185 e 250), condutas que, na minha opinião, representam a mesma coisa.
O verbo transitar, aliás, contempla uma questão interessante, pois, apesar de ser um verbo derivado do substantivo trânsito (que abrange a movimentação e a imobilização do veículo), indica infrações que, em sua completa maioria, somente podem se configurar se o veículo estiver efetivamente em movimento (por exemplo, transitar em “marcha a ré” ou na “contramão de direção”).
As repetições, às vezes, parecem ser necessárias, para abranger todas as situações que podem ser alcançadas pelo dispositivo legal, como no caso do artigo 277, § 2º, que versa sobre os sinais de embriaguez, excitação ou torpor, decorrentes da influência de álcool, ou do artigo 280, § 2º, que prescreve que a fiscalização eletrônica pode ocorrer por meio de aparelho eletrônico, equipamento audiovisual, reações químicas, ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível. Outras vezes, no entanto, o detalhamento da informação não é apenas desnecessário, mas ilógico: o artigo 218, alterado pela Lei nº 11.334/06, prevê a infração de “transitar em velocidade superior à máxima permitida para o local, em rodovias, vias de trânsito rápido, vias arteriais e demais vias”. Ora, se a infração ocorre em qualquer via, qual é o motivo de começar enumerando-as? (houve aqui, a bem da verdade, uma falta de atenção na alteração legislativa, pois foram aglutinados o antigo inciso I – rodovias, vias de trânsito rápido e vias arteriais – com o antigo inciso II – demais vias – sem se perceber a forma errônea como restou descrita a conduta infracional).
Assim como encontramos palavras diferentes com o mesmo significado, a língua portuguesa também nos oferece palavras iguais, com significados diferentes: a Lei nº 9.503/97, que instituiu o CTB, recebeu a SANÇÃO do Presidente da República, da mesma forma que as penalidades de trânsito, previstas no artigo 256, constituem SANÇÕES administrativas a serem aplicadas aos infratores. No primeiro caso, sanção significa aprovação, enquanto no segundo quer dizer punição.
Em vários artigos do Código, encontramos a necessidade de REGULAMENTAÇÃO do CONTRAN (que quer dizer: elaboração de normas complementares), mas o significado de REGULAMENTAÇÃO DA VIA, no Anexo I, é “implantação de sinalização de regulamentação pelo órgão ou entidade competente com circunscrição sobre a via, definindo, entre outros, sentido de direção, tipo de estacionamento, horários e dias”.
Assim, para que se configure a infração do artigo 187: transitar em locais e horários não permitidos pela REGULAMENTAÇÃO estabelecida pela autoridade competente, entendo que não basta a criação de uma norma, mas é necessária a implantação de sinalização proibitiva.
Outro exemplo está no § 2º do artigo 1º, que garante, a todos, o DIREITO ao trânsito seguro.
Este direito do cidadão é, notoriamente, diferente da mesma palavra, quando empregada na penalidade de trânsito denominada “suspensão do DIREITO de dirigir” (artigo 256, inciso III), posto que esta suspensão se refere à retirada de um ato administrativo anterior, que concedeu o exercício de um privilégio, pelo detentor da CNH (a este respeito, sugiro a leitura de meu artigo “Quando se perde o direito de dirigir – diferenças entre suspensão e cassação”, disponível em http://www.ceatnet.com.br/uploads/suspcass.pdf).
Por vezes, nos deparamos, no CTB, com palavras que nos remetem a uma ideia totalmente distinta do que, efetivamente, se quer designar, ou seja, o conceito atribuído pelo senso comum é diferente do conceito legislativo. O artigo 200, por exemplo, estabelece a infração de trânsito de “ultrapassar pela direita veículo de transporte coletivo ou de escolares, parado para embarque ou desembarque de passageiros, salvo quando houver REFÚGIO de segurança para o pedestre”. A palavra “refúgio”, ao contrário do que pode parecer (de forma bem simples, “lugar para onde correr”), tem um significado delimitado pelo Anexo I: “parte da via, devidamente sinalizada e protegida, destinada ao uso de pedestres durante a travessia da mesma”. Desta forma, o que o artigo quer dizer é que a infração não terá ocorrido quando o veículo de transporte coletivo possuir portas do seu lado esquerdo e estiver embarcando ou desembarcando os seus passageiros no canteiro central da via, utilizado como refúgio, pois, neste caso, não haveria risco à segurança, em uma ultrapassagem pela sua direita.
Também merece atenção o artigo 68, § 5º, o qual estabelece que, nas OBRAS DE ARTE a serem construídas, deverá ser previsto passeio destinado à circulação dos pedestres. Para a lei, “obras de arte” não são monumentos, a serem apreciados em visitação pública, mas apenas designam as passarelas e passagens subterrâneas, que recebem esta denominação pelo Anexo I.
O uso comum de algumas expressões também acaba por consagrar o seu significado na comunicação oral, embora não registrado na lei. Todo motorista sabe que é proibido praticar RACHA, dar CAVALO DE PAU ou ultrapassar em local com FAIXA DUPLA, ainda que desconheça que a lei denomina tais condutas como “disputa de corrida por espírito de emulação” (artigo 173), “exibição de manobra perigosa, com deslizamento ou arrastamento de pneus” (artigo 175) e “ultrapassar onde houver marcação viária longitudinal de divisão de fluxos opostos” (artigo 203, V).
Existem denominações que são substituídas, ao longo do tempo, mas continuam a ser utilizadas no texto legal: a composição do CONTRAN, prevista no artigo 10 do CTB, por exemplo, prevê, entre outros, a participação de representantes do Ministério do EXÉRCITO e da EDUCAÇÃO E DO DESPORTO, muito embora, atualmente, tais órgãos se denominem, respectivamente, Ministério da DEFESA e da EDUCAÇÃO. Neste caso, as mudanças ocorreram posteriormente à aprovação do CTB e, portanto, as designações não foram grafadas erradas (apenas deixaram de ser atualizadas). No caso do artigo 76, a situação já é diferente: o CTB determina que a educação para o trânsito ocorra em todos os níveis de ensino, mas usa os termos “pré-escola, 1º, 2º e 3º graus”, em contradição com as “novas” nomenclaturas utilizadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que é anterior ao CTB (Lei nº 9.394/96): educação infantil, ensino fundamental, médio e superior.
Há, também, mudanças que são, de certa forma, rejeitadas: o CTB atribuiu um “novo” nome para o documento que comprova o licenciamento anual de um veículo: CLA – Certificado de Licenciamento Anual (artigo 131 e vários outros), em substituição ao antigo CRLV – Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo, mas este revogado nome continua a ser utilizado em todos os documentos expedidos no país, ainda que passados 12 anos de vigência do Código. A questão é tão intrigante, que o CONTRAN publicou, em 1998, a Resolução nº 61/98, apenas para explicar que o CLA, de que trata o Código, é o CRLV. Ressalta-se, ainda, que o modelo de documento sofreu algumas alterações recentes (entre elas, a troca do nome do Ministério coordenador do SNT – da Justiça para Cidades), mas manteve a nomenclatura tradicional do documento. A confusão faz o próprio CONTRAN misturar os nomes: na Resolução nº 205/06, que versa sobre os documentos de porte obrigatório, prevê a exigência do porte do Certificado de Registro e Licenciamento ANUAL – CRLV (???).
Outra Resolução do CONTRAN que serviu apenas para esclarecer um significado foi a de número 22/98: “para efeito da fiscalização, o selo de uso obrigatório, que consta do art. 230, inciso I, comprovará a inspeção veicular, após regulamentação da referida inspeção, a qual estabelecerá, inclusive, a forma desse selo e o local de sua colocação”. Não fosse a explicação do Conselho, muitos não saberiam qual o alcance da palavra SELO, no artigo mencionado.
Infelizmente, existem confusões que nem o CONTRAN explica: qual o significado, por exemplo, da sigla RENACH – Registro Nacional de Condutores Habilitados, como consta do artigo 19, inciso VIII, ou Registro Nacional de Carteiras de Habilitação, como apresenta o Anexo I?
E por falar em sigla, interessante apontar uma palavra incorporada ao nosso vocabulário, que, na verdade, é uma sigla da língua inglesa: no artigo 230, inciso III, encontramos a infração de “conduzir o veículo com dispositivo anti-RADAR”. O radar, nome atribuído, genericamente, aos equipamentos medidores de velocidade, é a junção das primeiras letras de Radio Detection And Ranging (Detecção e Localização por meio de Rádio). Aliás, a oportunidade é propícia, para também esclarecer que os equipamentos eletrônicos usados para constatar outras infrações, como o avanço do sinal vermelho, imobilização na faixa de pedestres e trânsito em locais e horários não permitidos NÃO SÃO considerados radares, mas levam o singelo nome de equipamentos automáticos não metrológicos, conforme a Resolução do CONTRAN nº 165/04.
Já que tratamos de um neologismo (criação de uma palavra nova), convém mencionar outros dois exemplos interessantes: o artigo 5º, ao tratar das competências dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, prevê a atividade de NORMATIZAÇÃO, própria dos Conselhos de Trânsito: embora seja, hoje, admitida na língua portuguesa, a palavra mais correta seria NORMALIZAÇÃO, como sendo a criação de normas; o segundo exemplo fica por conta do verbo OBSTACULIZAR (em vez de obstar), previsto no artigo 246: não obstante tenha se tornado cada vez mais comum (a ponto de ser aceitável), a criação de verbos, com o sufixo “lizar”, é mais adequada quando o verbo derivar de um adjetivo (como de “legal” para “legalizar”) e não de um substantivo (obstáculo).
Entre tantas curiosidades, destaca-se uma palavra totalmente brasileira, que inexiste na língua portuguesa: trata-se do adjetivo CELETISTA, utilizado no artigo 280, § 4º, para se referir aos ocupantes de emprego público, contratados pela Administração pública indireta, pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (nome atribuído à legislação trabalhista de nosso país).
Ainda no artigo 280, § 4º, aproveito para destacar a palavra JURISDIÇÃO, utilizada para determinar a competência da autoridade de trânsito, na designação do seu agente autuador. O correto seria o termo circunscrição (área de atuação territorial), já que jurisdição, que é a capacidade de dizer o direito (do latim jus – direito e dicere – dizer), é exclusiva do Poder Judiciário.
Assim como verificamos inovações linguísticas de nosso idioma, também encontramos, na legislação de trânsito, a utilização de termos estrangeiros: nos artigos 77-B, § 2º; 77-E, § 2º; 105, § 5º e 6º; 108, parágrafo único; 244, § 3º e 277, § 3º, por exemplo, consta o latim caput, próprio do vernáculo jurídico, e que significa cabeça, isto é, a parte introdutória do artigo, antes de sua subdivisão em incisos ou parágrafos (aos que, porventura, desconheciam a expressão, vale explicar que se lê cáput); já nos artigos 77-B e 139-A, incluídos, respectivamente, pelas Leis nº 12.006/09 e 12.009/09, nos deparamos com o inglês outdoor e sidecar.
É, de certa maneira, um equívoco utilizar palavras que não são de nosso idioma, em um texto de lei, mas ainda acho melhor tolerar a inserção de palavras estrangeiras, quando são de domínio público, do que concordar com um termo vulgar, também incluído pela Lei n. 12.009/09, no artigo 139-A, inciso II, que exige, à motocicleta de transporte remunerado de cargas, a instalação de protetor de motor MATA-CACHORRO; sinceramente, não sei como as entidades de proteção dos animais não protestaram contra essa barbaridade, escrita em uma lei cujo objetivo prioritário é a proteção à vida (artigo 1º, § 5º).
Enquanto o Código mata cachorro, mato aqui o meu tempo, encerrando, por ora, minhas divagações. Os que também são críticos, que me acompanhem. Os que são gramáticos que me corrijam, se eu estiver errado. Concordem ou não com os meus apontamentos, temos que reconhecer que, afinal, não é possível admitir que um Código, cuja linguagem, em alguns momentos, seja tão rebuscada, usando a mesóclise, na colocação pronominal do “lavrar-se-á”, do artigo 280, e do “ser-lhe-ão”, do artigo 266, nos renda tantas pérolas, a ponto de nos propiciar o deleite deste texto.
São Paulo, 18 de agosto de 2010.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO
Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP. Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com atuação na área do policiamento de trânsito desde 1996. Conselheiro do CETRAN/SP, de 2003 a 2008. Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação em trânsito do CEAT – Centro de Estudos Avançados e Treinamento / Trânsito (www.ceatt.com.br). Presidente da ABPTRAN – Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito (www.abptran.org). Autor de livros e artigos sobre trânsito. Conselheiro Fiscal da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo – CET/SP, eleito como representante dos funcionários, no atual mandato da Diretoria de Representação.
Vinny Borges
Art. 7 – Emenda Constitucional dos Agentes de Trânsito, por Julyver Modesto de Araujo
Em 17 de julho de 2014, foi publicada, no Diário Oficial da União, a Emenda Constitucional n. 82/14, a qual tem sido chamada, por alguns, de Emenda dos Agentes de trânsito, ou Emenda da Mobilidade urbana, e incluiu o § 10 no artigo 144 da Constituição Federal (que versa sobre a Segurança pública), com o seguinte texto:
§ 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas:
I – compreende a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente; e
II – compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei.
A Proposta de Emenda Constitucional que lhe deu origem foi apresentada, inicialmente, em 2011, pelo Deputado Federal Hugo Motta, com o número PEC 55/11, renumerada para PEC 77/13, quando de sua tramitação pelo Senado.
No texto original, pretendia-se alterar o § 8º do artigo 144, ampliando a atuação das Guardas Municipais, e incluindo a possibilidade de constituição, pelos Municípios, de órgãos incumbidos da “fiscalização e controle de operações de trânsito”, reconhecendo-se as competências que o atual Código de Trânsito Brasileiro já estabeleceu à municipalidade, no que se convencionou chamar de “municipalização do trânsito”; ao final, no texto aprovado, optou-se por inserir parágrafo diverso ao artigo 144, independente das funções das GMs, e tratando do tema tanto no âmbito estadual quanto municipal.
Ressalta-se, entretanto, que, apesar de não ter sido alterado o § 8º do artigo 144, este foi regulamentado na sequência, com a publicação da Lei n. 13.022/14, publicada em DOU de 11/08/14, que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais e prevê, no artigo 5º, inciso VI: “São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais … exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, nos termos da Lei n. 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), ou de forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal”. Com tal alteração, muda-se, drasticamente, o posicionamento do Sistema Nacional de Trânsito, sobre a impossibilidade de atuação das Guardas Municipais no trânsito (Parecer do Ministério das Cidades n. 1409/06), pois tal situação passou a ser regulada por lei.
Veremos, a seguir, quais são as reais implicações desta mudança constitucional:
A primeira repercussão foi a relevância dada, pelo texto constitucional, para a segurança viária, como questão a ser trabalhada de forma indissociável da Segurança pública, dever da Administração pública, em todos os níveis federativos (União, Estados e Municípios), direito e responsabilidade de todos. Tal destaque revela-se de maior importância, ainda mais se levarmos em conta que estamos em plena Década Mundial de Ações para a Segurança no Trânsito, proposta pela Organização das Nações Unidas, e ratificada pelo Brasil, para o período de 2011 a 2020.
A compreensão sobre este aspecto permite, inclusive, a defesa mais contundente de um discurso que, há tempos, venho utilizando: a necessidade de participação social para o trânsito seguro, já que, diferentemente do previsto no § 2º do artigo 1º do Código de Trânsito Brasileiro, segundo o qual “o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos de trânsito…”; o artigo 144 da Constituição Federal (que agora abrange, taxativamente, a segurança viária), prescreve que “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, ou seja, promover as condições seguras do trânsito não se trata apenas de um direito das pessoas, mas também de sua responsabilidade.
O inciso I do novel § 10 contemplou o chamado “trinômio do trânsito”, que consiste nas três áreas de atuação essenciais dos órgãos competentes, para que se promova a segurança viária: Educação, Engenharia e Fiscalização (muito embora este último seja apenas um dos elementos de uma área muito mais abrangente, denominada de Esforço legal, e que engloba desde a atividade legislativa até a efetiva imposição de sanções aos administrados). Sobre o tema, recomendo a leitura do excelente texto jurídico “Trânsito Seguro: Direito Fundamental de Segunda Dimensão”, de autoria do amigo Dr. Cássio Mattos Honorato, Promotor de Justiça no Estado do Paraná (apresentado em Audiência Pública no Supremo Tribunal Federal, sobre a ADI 4103, disponível em stf.jus.br).
O inciso II, por sua vez, falhou ao deixar de lado a menção aos órgãos e entidades da União, que igualmente fazem parte do Sistema Nacional de Trânsito (cuja composição encontra-se no artigo 7º do CTB); embora a Polícia Rodoviária Federal já conste do rol de órgãos de Segurança pública (inciso II do caput do artigo 144 da CF), o fato é que existem competências atribuídas ao órgão ou entidade executivo rodoviário (artigo 21 do CTB), diretamente ligadas à segurança viária, como a fiscalização em rodovias federais, exercida pelo DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes e, subsidiariamente, pela ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres (nos termos da Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n. 289/08).
A repercussão positiva do inciso II reside no reconhecimento da carreira de agente de trânsito, que deverá ser estruturada em Lei específica, no âmbito de cada ente federativo; isto é, os Estados e Municípios deverão regular a carreira de seus agentes de trânsito, estabelecendo o respectivo plano, a projeção de cargos, o piso remuneratório etc, o que, por certo, trará maiores garantias trabalhistas e o reconhecimento profissional mais efetivo do servidor público incumbido das atividades de agente de trânsito.
Neste aspecto, vale ressaltar a necessidade de que a contratação de agentes de trânsito seja feita tão somente por meio de concurso público, nos termos do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal (“a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”); sendo totalmente irregular o simples credenciamento ou nomeação (muitas vezes por mera Portaria do órgão de trânsito ou Decreto do Poder Executivo), de servidores contratados para outras funções, o que caracteriza verdadeiro desvio de finalidade. Este é, aliás, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, esposado por meio da Súmula n. 685, nos seguintes termos: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.
No mesmo sentido da explicação acima, destaco o Parecer do Ministério das Cidades n. 1206/06, que versa sobre a inafastabilidade do concurso público para agentes de trânsito (elidindo a possibilidade de contratação temporária).
Entendo que estas são as duas únicas mudanças substanciais promovidas pela EC 82/14: I) a inclusão da Segurança viária como espécie do gênero Segurança pública; e II) o reconhecimento da carreira de agentes de trânsito.
Qualquer outra assertiva sobre o impacto da EC 82/14, no ordenamento normativo brasileiro, trata-se de mera elucubração mental, desprovida de fundamento jurídico, ao que apontarei três comentários sobre os quais tenho recebido questionamentos:
1º) O impacto da EC 82/14 sobre a atividade desenvolvida pelas Polícias Militares.
NÃO HAVERÁ qualquer mudança, concernente às competências das Polícias Militares, que são igualmente responsáveis pela Segurança pública, nos Estados e Distrito Federal, com a missão constitucional de polícia ostensiva e preservação da ordem pública (artigo 144, § 5º, da CF).
O fato de se reconhecer a carreira dos agentes de trânsito, nos Estados e nos Municípios, não invalidará a atuação das Polícias Militares, na fiscalização de trânsito, que continua sendo concomitante ao trabalho dos agentes de trânsito próprios de cada órgão ou entidade executivo de trânsito e rodoviário, nos termos de convênio firmado, como estabelece o artigo 23, III, do CTB.
Importante destacar que a atividade de policiamento ostensivo de trânsito continua sendo de exclusividade das Polícias Militares, como conceitua o Anexo I do CTB: “função exercida pelas Polícias Militares com o objetivo de prevenir e reprimir atos relacionados com a segurança pública e de garantir obediência às normas relativas à segurança de trânsito, assegurando a livre circulação e evitando acidentes” e de acordo com o artigo 2º, item 27) do Decreto federal n. 88.777/83 (R-200) – Regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, que assim dispõe: “Policiamento Ostensivo – Ação policial, exclusiva das Polícias Militares em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem pública…. São tipos desse policiamento, a cargo das Polícias Militares ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, os seguintes: – ostensivo geral, urbano e rural; – de trânsito…”.
É fato que, embora a nomenclatura “policiamento ostensivo de trânsito” seja utilizada, pela legislação infraconstitucional mencionada, como indicativo da função exercida pelas Polícias Militares, a inclusão do § 10 no artigo 144 passou a reconhecer a incidência do trabalho dos agentes de trânsito (estaduais e municipais) no campo da Segurança pública, especificamente para garantir o direito ao trânsito seguro; isto significa que a PM continua exercendo a prevenção criminal, por meio da sua ostensividade, e a repressão imediata dos crimes constatados (inclusive para os delitos ocorridos na utilização da via pública); por outro lado, não caberá aos agentes de trânsito invadirem a competência constitucional das Polícias Militares, não lhes cabendo ações próprias de polícia, como a busca pessoal ou veicular, à procura de armas e drogas (a qual tem como base o Código de Processo Penal, em seu artigo 244, quando fundada suspeita), ou a “perseguição” ou prisão a criminosos (ressalvada a possibilidade de qualquer um do povo prender quem esteja em situação de flagrante delito, nos termos do artigo 301 do CPP).
2º) A possibilidade de que agentes de trânsito portem armas de fogo
A mudança do texto constitucional NÃO DÁ AUTOMATICAMENTE o direito de que agentes de trânsito portem armas de fogo, seja em serviço ou fora dele.
Isto porque o porte de arma de fogo é regulado pela Lei n. 10.826/03 (conhecida como Estatuto do Desarmamento), cujo artigo 6º estabelece que “É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos e em legislação própria e para: … II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal” (que são: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares); mesmo as Guardas municipais, criadas com base no § 8º do artigo 144 da CF, para proteção dos bens, serviços e instalações dos municípios, para que tenham direito ao porte de arma de fogo, dependerão dos requisitos constantes nos incisos III e IV, além do § 3º, do artigo 6º do Estatuto do Desarmamento, que fazem menção ao total de habitantes de cada município e à necessidade de treinamento específico.
A única forma, diante da atual legislação, para que um agente de trânsito consiga a autorização para o porte de arma de fogo (de maneira dissimulada, e não exposta, como ocorre com os integrantes dos órgãos policiais, acima relacionados) será mediante a demonstração da efetiva necessidade, por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física, como prevê o artigo 10, § 1º, inciso I, da Lei sob comento.
Esta é a normativa aplicada na atualidade, o que não significa, obviamente, que o reconhecimento da importância da segurança viária, bem como da carreira de agente de trânsito, não venha a acarretar alterações do Estatuto do Desarmamento, já que até mesmo integrantes das carreiras de Auditoria da Receita federal, Auditoria-fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário, foram contemplados com a possibilidade de porte funcional de arma de fogo (inclusão do inciso X ao artigo 6º do Estatuto, por meio da Lei n. 11.501/07).
Aliás, existe uma grande possibilidade de que isso venha a ocorrer, já existindo até mesmo Projeto de Lei neste sentido: o PL n. 3.624/08, de autoria do Deputado federal Tadeu Filipelli (PMDB/DF) visa, justamente, incluir mais um inciso no artigo 6º do Estatuto, permitindo o porte arma de fogo aos “integrantes dos quadros de pessoal de fiscalização dos departamentos de trânsito”. Uma curiosidade: em 17/10/13, este PL teve voto desfavorável do relator Deputado federal Alexandre Leite (DEM/SP), da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, exatamente porque o artigo 144 não contemplava os agentes de trânsito como integrantes da Segurança pública; com a EC 82/14, tal situação pode ser revertida na tramitação do PL, disponível em camara.gov.br.
Frise-se que, no Distrito Federal, o porte de arma de fogo por agentes de trânsito já é uma realidade desde 1.998, por conta da Lei distrital n. 2.176/98, questionada pelo Procurador-geral da República, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3996, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, desde 2007, cujo relator é o Ministro Luiz Fux (para acompanhamento processual).
3º) A concessão de poder de polícia aos agentes de trânsito
A EC 82/14 NÃO CONCEDE poder de polícia aos agentes de trânsito, simplesmente porque ELES JÁ POSSUEM este poder, que é instrumental a toda a Administração pública, como forma de limitação dos direitos individuais, em prol do interesse coletivo, como se depreende da própria definição de fiscalização, constante do Anexo I do CTB, bem como das competências determinadas aos órgãos fiscalizadores do Sistema Nacional de Trânsito.
Assim prevê o Anexo I: “FISCALIZAÇÃO – ato de controlar o cumprimento das normas estabelecidas na legislação de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa de trânsito, no âmbito de circunscrição dos órgãos e entidades executivos de trânsito e de acordo com as competências definidas neste Código”.
Aliás, diferentemente do que alguns imaginam, poder DE polícia não se confunde com poder DA Polícia; porquanto este é específico da Instituição policial, enquanto aquele é inerente a toda a Administração pública (o conceito legal, inclusive, encontra-se em legislação externa ao campo da Segurança pública, especificamente no artigo 78 do Código Tributário Nacional). Sobre o tema, recomendo a leitura da minha dissertação de Mestrado pela PUC/SP, intitulada “Poder de polícia administrativa de trânsito” (disponível para aquisição em http://www.eceat.com.br).
São Paulo, 12 de agosto de 2014.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 7 – Convênios entre órgãos de trânsito, por Julyver Modesto de Araujo
A gestão do trânsito, no Brasil, é realizada de maneira sistêmica, com a atuação coordenada de diferentes órgãos e entidades, das três esferas de governo: União, Estados (e DF) e Municípios, os quais compõem o denominado Sistema Nacional de Trânsito, e possuem competências específicas, previstas no Capítulo II do Código de Trânsito Brasileiro.
A coordenação deste Sistema é atribuída ao Conselho Nacional de Trânsito – Contran, que está vinculado ao Ministério das Cidades, coordenador máximo designado pelo Presidente da República, nos termos do artigo 9º do CTB e Decreto federal n. 4.711/03.
O artigo 7º do CTB estabelece a composição do Sistema Nacional de Trânsito, compreendendo órgãos e entidades que podem ser classificados, didaticamente, em quatro categorias: I – normativos; II – executivos (de trânsito e rodoviários); III – fiscalizadores; e IV – julgadores.
A possibilidade de celebração entre os órgãos de trânsito está prevista no artigo 25 do Código de Trânsito Brasileiro, nos seguintes termos:
Art. 25 – Os órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito poderão celebrar convênio delegando as atividades previstas neste Código, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via.
Parágrafo único – Os órgãos e entidades de trânsito poderão prestar serviços de capacitação técnica, assessoria e monitoramento das atividades relativas ao trânsito durante prazo a ser estabelecido entre as partes, com ressarcimento dos custos apropriados.
Levando-se em consideração as categorias dos componentes do Sistema Nacional de Trânsito, mencionadas anteriormente, verifica-se que a celebração de convênios abrange tão apenas os órgãos e entidades EXECUTIVOS, a seguir resumidos:
EXECUTIVOS DE TRÂNSITO EXECUTIVOS RODOVIÁRIOS
UNIÃO DENATRAN DNIT (*)
ESTADOS DETRAN DER (**)
MUNICÍPIOS ÓRGÃOS MUNICIPAIS (***) ÓRGÃOS MUNICIPAIS (***)
Obs.: (*) o DNIT – Departamento Nacional de Infra-Estrutra de Transportes foi criado pela Lei n. 10.233/01 e substituiu o antigo DNER, para exercer a função de órgão executivo rodoviário da União, ressalvadas as competências da Polícia Rodoviária Federal e da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT (sobre o tema, vide Resolução do Contran n. 289/08).
(**) a sigla DER – Departamento de Estradas de Rodagem é utilizada na maioria dos Estados, para designar o órgão executivo rodoviário, mas algumas Unidades Federativas optam por outras denominações, como DAER (RS), DEINFRA (SC), DERT (TO), DERACRE (AC) etc;
(***) os órgãos executivos municipais (de trânsito e rodoviários) dependem de criação, em cada Prefeitura, conforme prevêem os artigos 8º e 24, § 2º, do CTB e Resolução do Contran n. 296/08.
Os órgãos e entidades executivos rodoviários não possuem competências diferenciadas entre si, alterando apenas a área de atuação territorial (circunscrição) de cada um, conforme dispõe o artigo 21 do CTB, de modo que as atribuições exercidas pelo DNIT, nas rodovias federais, são as mesmas que o DER realiza nas rodovias estaduais, e que, eventualmente, o órgão municipal rodoviário exerce nas rodovias municipais, não havendo, portanto, lógica em se firmar convênio, para delegação de atividades entre os órgãos executivos rodoviários, que já se limitam pelo espaço físico de sua responsabilidade.
Desta forma, a aplicabilidade do artigo 25 acaba por restringir-se à delegação de atividades entre os órgãos executivos de trânsito, não sendo comum, todavia, que ocorra tal transferência de atribuições do órgão máximo executivo de trânsito da União (Denatran), o que nos leva a outra conclusão: usualmente, os convênios entre órgãos de trânsito, nos termos do artigo 25 do CTB, envolvem a atuação colaborativa entre o órgão executivo estadual (Detran), cujas competências estão delineadas no artigo 22, e os órgãos executivos municipais (conforme a organização administrativa de cada Prefeitura), os quais exercem as atribuições constantes do artigo 24.
Dentre as competências constantes dos artigos 22 e 24, tais convênios têm sido utilizados para permitir uma amplitude maior no exercício da fiscalização de trânsito; isto porque, diferentemente do que ocorre no âmbito das rodovias (em que cada órgão executa a fiscalização integral, dentro de sua circunscrição), nas áreas urbanas, a competência para fiscalização é originariamente dividida, de acordo com o tipo de infração de trânsito cometida pelo condutor.
Assim, cabe ao órgão executivo de trânsito municipal, executar a fiscalização de trânsito nas infrações de circulação, estacionamento e parada (artigo 24, VI); excesso de peso, dimensões e lotação (artigo 24, VIII) e cometidas por ciclomotores, veículos de tração animal e propulsão humana (artigo 24, XVII); excetuadas estas infrações, as outras são de fiscalização de competência do órgão executivo de trânsito estadual (artigo 22, V), as quais podemos, genericamente, classificar como sendo aquelas ligadas diretamente ao veículo e ao condutor. Para que esta divisão seja mais exata, a partir das considerações apresentadas, o Conselho Nacional de Trânsito criou uma tabela de distribuição de competências para fiscalização, nas áreas urbanas, por meio da Resolução do Contran n. 66/98, a qual limita as infrações que podem ser fiscalizadas e, consequentemente, punidas com as sanções administrativas, pelos órgãos executivos de trânsito.
O convênio permite, portanto, que a fiscalização originariamente dividida seja exercida integralmente pelos órgãos conveniados, podendo ser previsto repasse financeiro não só pelos custos dos serviços prestados (parágrafo único do artigo 25), como decorrente da divisão dos valores arrecadados com multas de trânsito aplicadas; por este motivo, tem sido comum denominar estes acordos bilaterais como “convênios de reciprocidade”.
A legitimidade para assinatura destes convênios dependerá da organização administrativa de cada órgão ou entidade de trânsito; pois, sendo órgão integrante da Administração pública direta, não possuirá personalidade jurídica própria, nem tampouco autonomia administrativa, dependendo da gestão direta do Chefe do Poder Executivo (Governador ou Prefeito); nos casos de entidade da Administração indireta (fundação, autarquia, empresa pública ou sociedade de economia mista), a sua constituição jurídica permite deliberar acerca dos contratos com os outros componentes do Sistema Nacional de Trânsito, firmando diretamente o convênio de seu interesse.
Uma situação que também merece nossa atenção é a questionável celebração de convênios celebrados diretamente entre Prefeituras e Governos Estaduais, para permitir ao Detran assumir as responsabilidades que seriam municipais, dada a inexistência de órgão ou entidade executivo de trânsito no Município; questionável porque, pela dicção do artigo 25, o Código de Trânsito permite a celebração de convênios entre órgãos executivos de trânsito e não entre entes federativos que não os possuem, posto que a primeira premissa a ser destacada, para validade deste acordo, é que somente pode delegar atividades o órgão que as possua e, neste aspecto, vale a leitura do § 2º do artigo 24 do CTB: “Para exercer as competências estabelecidas neste artigo, os Municípios deverão integrar-se ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme previsto no art. 333 deste Código”.
O artigo 333 apenas prevê a competência do Conselho Nacional de Trânsito, para regular sobre a integração dos Municípios ao Sistema Nacional de Trânsito, o que, atualmente, se encontra descrito na Resolução n. 296/08.
Dos 5.570 municípios brasileiros, passados 17 anos de publicação do CTB, a integração ao SNT atingiu um percentual de menos de 30%: foram, até agora, somente 1.430 municípios (consulta à homepage do Denatran, em 10/05/14). Apesar de a “municipalização do trânsito” constituir uma obrigação e não uma opção, segundo o próprio “Manual de municipalização do trânsito” do Denatran, o fato é que ainda existem mais de 4.000 cidades que não possuem a estrutura necessária ao cumprimento do artigo 24 do CTB (muito embora as cidades que já possuem órgãos e entidades de trânsito concentrem cerca de 90% da frota de veículos, de acordo com informações do Denatran).
Na ausência de integração local ao Sistema Nacional de Trânsito, o § 2º do artigo 24 já exclui a possibilidade de que o Município exerça as competências daquele dispositivo legal (que não se restringem apenas à fiscalização de trânsito, anteriormente explanada, mas também a regulamentação do trânsito na cidade e a instalação de sinalização viária, por exemplo) e, destarte, não pode delegar o que não lhe compete; por este motivo, irregular a celebração de convênio, sem órgão de trânsito municipal, estruturado nos termos da Resolução n. 296/08.
Apesar de questionável, este tipo de convênio tem sido celebrado em algumas Unidades da federação, acarretando ainda mais omissão por parte do Poder público municipal, fazendo com que o Município se furte às responsabilidades que lhe foram determinadas pela legislação de trânsito brasileira, desde 1998.
Pior ainda tem sido a assunção automática, pelo órgão executivo estadual, das atribuições que seriam de competência do Município, por conta da sua inércia. Os que defendem tal prática argumentam que, enquanto o Município não se adequar às exigências da legislação de trânsito, o Estado deveria suprir o seu papel, para evitar o caos no trânsito ou uma “terra sem lei”; embora meritório o raciocínio, tal estratégia tem afastado ainda mais os Prefeitos da necessidade de se estruturar o órgão municipal de trânsito, o que, nas cidades pequenas, pode muito bem ser feito mediante a criação de consórcios públicos, nos termos do artigo 5º da Resolução n. 296/08 e de acordo com a Lei federal n. 11.107/05. Ademais, há que se apontar que todo ato administrativo, para sua validade, deve apresentar requisitos mínimos, entre os quais se inclui o da competência e, neste aspecto, lembrando as palavras do eminente administrativista Caio Tácito “não é competente quem quer, mas quem pode segundo a norma de Direito”.
Concluindo: primeiramente, há a necessidade de integração do Município ao Sistema Nacional de Trânsito, para, somente a partir daí, firmar-se convênio entre o órgão municipal e o órgão estadual, a fim de se delegar as atividades próprias de cada um, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via.
Por fim, cabe explicar que não se deve confundir a situação ora narrada, com o convênio firmado entre órgão executivo de trânsito (estadual ou municipal), com a Polícia Militar de cada Estado, para lhe permitir o exercício da fiscalização de trânsito, como agente da autoridade de trânsito, nos termos do artigo 23, inciso III, do CTB. Neste caso, não há a “delegação de atividades”, mas o credenciamento (exigido pela própria lei), para que a PM atue como agente do órgão conveniado, a quem continuará competindo a aplicação das penalidades de trânsito, em decorrência das infrações constatadas, na via pública, pelo policial militar abrangido pelo convênio firmado.
Ressalto, por oportuno, que exemplo semelhante do convênio firmado para a atuação da PM como agente de trânsito foi previsto, recentemente, na legislação brasileira, com a edição da Lei n. 13.022/14, que aprovou o Estatuto Geral das Guardas Municipais, a qual prevê, em seu artigo 5º, inciso VI, a possibilidade de se firmar convênio entre GM e órgão de trânsito estadual ou municipal, para o exercício da fiscalização de trânsito.
São Paulo, 10 de outubro de 2014.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 7 – 18 anos de código de trânsito brasileiro, por Julyver Modesto de Araujo
No dia 23 de setembro de 2015, o 4º Código de Trânsito do Brasil (em substituição ao CNT de 1966) completou 18 anos de sua instituição, ocorrida em 23/09/97, por meio da Lei n. 9.503/97, tendo, entretanto, a sua vigência se iniciado apenas em 22/01/98, por conta do período de vacância (vacatio legis) de 120 dias, estabelecido no artigo 340.
A primeira mudança ocorrida foi em relação à sua nomenclatura, passando a se denominar CTB – Código de Trânsito Brasileiro, contrariamente aos 3 anteriores (1941-1941-1966), que se intitulavam Código Nacional de Trânsito. Outra questão de mera formalidade normativa refere-se à inexistência de decreto regulamentador, diferentemente do que estava em vigor até aquele momento, em que a LEI que instituiu o CNT de 1966 era complementada por um DECRETO, que criava o seu Regulamento (RCNT), de 1968 (o qual, aliás, repetia muitos artigos da Lei federal).
Embora não tenha sido prevista a necessidade do ato normativo regulamentador do Poder Executivo da União (por meio de Decreto), entendeu-se por bem determinar várias competências ao Conselho Nacional de Trânsito, na condição de órgão normativo, consultivo e coordenador máximo do Sistema Nacional de Trânsito, com o objetivo de dar concretude a vários dispositivos legais, como os artigos 105 (equipamentos obrigatórios dos veículos), 115 (modelos e especificações das placas de identificação veicular), 228 (limites máximos do som automotivo), entre tantos outros, o que, além de constar taxativamente dos artigos mencionados, veio consignado no artigo 314, que concedia o prazo de 240 dias, a partir da publicação do Código, para que o Contran expedisse as resoluções necessárias à sua melhor execução, bem como revisasse todas as resoluções anteriores à sua publicação, dando prioridade àquelas que visam a diminuir o número de acidentes e a assegurar a proteção de pedestres.
Vale ressaltar que tal prazo não foi cumprido, sendo certo que existem, até hoje, questões não regulamentadas pelo Conselho Nacional de Trânsito, apesar da dependência de Resolução, fixada em lei, como é o caso do vestuário de proteção dos ocupantes de motocicletas, motonetas e ciclomotores, exigido pelos artigos 54 e 55, de acordo com as especificações do Contran (ainda inexistentes).
Igualmente não se realizou, no prazo determinado, a revisão das Resoluções anteriores ao Código, sendo aplicável, para fins de validade jurídica delas, o disposto no parágrafo único do artigo 314: “As resoluções do Contran, existentes até a data de publicação deste Código, continuam em vigor naquilo em que não conflitem com ele”. Neste aspecto, vez ou outra, o Conselho Nacional tem se manifestado pela não vigência de determinadas Resoluções antigas, expondo o posicionamento de que estas deixaram de valer desde que o CTB entrou em vigor (como foi o caso da Resolução n. 148/03, que reconheceu a perda de validade das Resoluções n. 472/74, 568/80, 812/96 e 829/97; e, mais recentemente, a Resolução n. 478/14, que declarou revogadas, também desde 1998, as Resoluções n. 379/67, 738/89 e 753/91).
Não obstante, o trabalho normativo do Contran é exaustivo, com a expedição de 556 Resoluções, nestes 18 anos de vigência do CTB, o que equivale à média de 30 por ano, sendo muitas delas em nítida exorbitância de seu poder regulamentar, extrapolando os limites da própria Lei e fixando regras que inovam na ordem jurídica, no exercício de competência privativa do Poder Legislativo federal, como é o caso da obrigatoriedade de dispositivos de segurança para o transporte de crianças (Resolução n. 277/08) e de capacetes de segurança para ocupantes de triciclos e quadriciclos motorizados (Resolução n. 453/13), além de muitas outras exigências que, apesar de contribuírem com a segurança viária, deveriam constar de LEI e não de ATO NORMATIVO, a rigor do que estabelece o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal (“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”).
A despeito da reconhecida necessidade de que a legislação de trânsito acompanhe a evolução tecnológica e as mudanças sociais, é de fácil percepção a, praticamente, impossibilidade de se conhecer e, consequentemente, respeitar este grande número de normas viárias, cujo destinatário final é um condutor que tem, em sua formação inicial, um total de apenas 18 horas aulas de Legislação de trânsito, dentre as 45 h/a destinadas ao Curso teórico/técnico para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação, o que não é suficiente nem para estudar os atuais 22 Capítulos do Código de Trânsito Brasileiro, quanto mais as centenas de Resoluções que o acompanham.
Em menor escala, também o Congresso Nacional tem mutilado a legislação de trânsito, com alterações frequentes no CTB, a ponto de podermos, sem nenhum exagero, chamá-lo de uma verdadeira Colcha de Trapos Brasileira, tendo em vista as 28 Leis que já o modificaram, desde 1998 (além dos quase MIL Projetos em tramitação no Congresso Nacional, com o mesmo objetivo).
Abaixo, um resumo de quais foram estas 28 Leis de alteração do CTB:
01) Lei n. 9.602, de 21 de janeiro de 1998
Publicada 1 (UM) dia antes de o CTB entrar em vigor, a Lei n. 9.602/98 foi decorrente de Projeto oriundo do Poder Executivo, para corrigir dispositivos que foram vetados pelo Presidente da República, no PL que resultou na Lei n. 9.503/97; por exemplo, a inclusão dos §§ 4º e 5º ao artigo 282, para estabelecer que o prazo para o recurso de trânsito deve ser, no mínimo, de 30 dias a contar da notificação da penalidade (e não a partir da data da sua imposição, conforme previsto originariamente no artigo 283, então vetado).
Também serviu esta Lei para corrigir o próprio veto do Executivo, o que ocorreu na exigência da avaliação psicológica para a obtenção da CNH, que havia sido vetada (artigo 147, inciso II), mas foi reinserida no Código, com a inclusão do § 3º justamente ao artigo 147 (em outras palavras, o Presidente resolveu NÃO EXIGIR a avaliação psicológica na formação de condutores e, meses depois, voltou atrás, sabe-se lá por qual motivo).
02) Lei n. 9.792, de 14 de abril de 1999
Serviu apenas para revogar o artigo 112, que obrigava aos veículos que tivessem o conjunto de primeiros socorros, com materiais e equipamentos a serem regulamentados pelo Contran.
03) Lei n. 10.350, de 21 de dezembro de 2001
Passou a obrigar a avaliação psicológica também na renovação da CNH, especificamente para quem exerce atividade remunerada ao veículo, devendo tal informação constar do campo de observações do documento de habilitação.
04) Lei n. 10.517, de 11 de julho de 2002
Possibilitou que motocicletas e motonetas tracionem semi-reboques especialmente projetados para este fim e devidamente homologados pelo órgão competente.
05) Lei n. 10.830, de 23 de dezembro de 2003
Estabeleceu que, nas rodovias não sinalizadas, as motocicletas devem atender ao mesmo limite de velocidade estabelecido para automóveis e camionetas (110 km/h).
06) Lei n. 11.275, de 07 de fevereiro de 2006
Foi a primeira Lei a alterar a infração de trânsito de “dirigir sob a influência de álcool”, retirando a dosagem necessária para configuração da conduta infracional (que, até então, era de 6 decigramas de álcool por litro de sangue); entretanto, “esqueceu” de modificar o artigo 276, que também estabelecia o limite permitido de álcool no organismo do motorista.
07) Lei n. 11.334, de 25 de julho de 2006
Modificou a infração de trânsito de excesso de velocidade, determinando um escalonamento de gravidade: infração média, para o excesso de até 20% acima do limite máximo; grave, para o excesso entre 20 e 50%; e gravíssima, para o excesso acima de 50% (neste caso, com multa multiplicada por 3 e suspensão do direito de dirigir; todavia, utilizando uma expressão equivocada de “suspensão imediata”, o que não é possível que ocorra, tendo em vista a necessidade de atendimento ao princípio constitucional de ampla defesa e contraditório, constante do próprio CTB, em seu artigo 265).
08) Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008
Conhecida como “Lei seca”, originou-se da Medida Provisória n. 415/08, que tinha por objetivo original apenas proibir a venda de bebida alcoólica às margens das rodovias federais, mas acabou adotando regras mais rigorosas para o combate da direção do veículo sob influência de álcool, ampliando as alterações que já haviam iniciado em 2006, com a Lei n. 11.275. Outra curiosidade é que, embora a sua intenção fosse estabelecer alcoolemia ZERO, acabou sendo complementada pelo Decreto federal n. 6.488/08, que fixou uma tolerância, para todas as situações, de DOIS decigramas de álcool por litro de sangue.
09) Lei n. 11.910, de 18 de março de 2009
Incluiu o equipamento suplementar de retenção (air bag) como obrigatório dos veículos, devendo ser progressivamente incorporado na frota automotiva, conforme definição de calendário do Contran.
10) Lei n. 12.006, de 29 de julho de 2009
Passou a obrigar a inclusão de mensagens educativas de trânsito em toda peça publicitária destinada à divulgação ou promoção de produto oriundo da indústria automobilística e, independente do produto ou anunciante, na publicidade veiculada em outdoor instalado à margem de rodovia.
11) Lei n. 12.009, de 29 de julho de 2009
Acrescentou o Capítulo XIII-A, versando sobre a condução de moto-frete, com apenas 2 artigos (139-A e 139-B), sendo que, além da mudança no CTB, a Lei também reconheceu a profissão de motofretista e mototaxista e fixou critérios para o seu exercício.
12) Lei n. 12.058, de 13 de outubro de 2009
Possibilitou a elaboração de convênios entre os órgãos de trânsito e as autoridades portuárias, para exercer a fiscalização de trânsito em toda a área física do porto organizado, inclusive nas áreas dos terminais alfandegados, nas estações de transbordo, nas instalações portuárias públicas de pequeno porte e nos respectivos estacionamentos ou vias de trânsito internas.
13) Lei n. 12.217, de 17 de março de 2010
Obrigou que parte da aprendizagem de prática de direção veicular, na formação de condutores, seja realizada no período noturno.
14) Lei n. 12.249, de 11 de junho de 2010
Revogou a obrigatoriedade de pagamento da multa de trânsito, para interposição do recurso em segunda instância.
15) Lei n. 12.452, de 21 de julho de 2011
Alterou a categoria de habilitação exigida para trailer e motor-casa, permitindo a sua condução aos motoristas com categoria “B”, a depender do seu peso e lotação.
16) Lei n. 12.547, de 14 de dezembro de 2011
Modificou de forma bem sutil a redação do texto legal relativo à penalidade de suspensão do direito de dirigir, estabelecendo ainda, de maneira expressa, que “A imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir elimina os 20 (vinte) pontos computados para fins de contagem subsequente”.
17) Lei n. 12.619, de 30 de abril de 2012
Denominada de “Lei do descanso” ou “Lei dos caminhoneiros”, acrescentou o Capítulo III-A ao CTB, tratando da condução de veículos por motoristas profissionais, com o objetivo de estabelecer períodos máximo de direção e mínimo de descanso para os condutores de veículo de transporte de carga e coletivo de passageiros.
18) Lei n. 12.694, de 24 de julho de 2012
Permitiu a utilização de placas especiais, nos veículos dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que exerçam competência ou atribuição criminal, de forma a impedir a identificação dos ocupantes dos veículos.
19) Lei n. 12.760, de 20 de dezembro de 2012
Conhecida como “Nova Lei seca”, propôs mais alterações nos artigos referentes à alcoolemia, dando continuidade às mudanças ocorridas em 2006 (Lei n. 11.275) e 2008 (Lei n. 11.705).
20) Lei n. 12.865, de 09 de outubro de 2013
Alterou a composição do Conselho Nacional de Trânsito, incluindo um representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e um da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT.
21) Lei n. 12.971, de 9 de maio de 2014
Estabeleceu maior rigor na fiscalização de determinadas infrações de trânsito, aumentando gravidade e penalidades aplicáveis às infrações de “racha”, direção perigosa e ultrapassagem. Entre as mudanças promovidas, acabou por criar uma contradição gritante, ao estabelecer a forma qualificada do crime de homicídio culposo, durante a prática de competição esportiva não autorizada (artigo 302, § 2º, com pena de reclusão de 2 a 4 anos) e, de outro lado, a forma qualificada do crime de participação em competição esportiva não autorizada, que resulta em homicídio culposo (artigo 308, § 2º, com pena de reclusão de 5 a 10 anos).
22) Lei n. 12.977, de 20 de maio de 2014
Designada como “Lei do desmanche”, trouxe regras específicas para o funcionamento das empresas destinadas à desmontagem de veículos e alterou, de forma bem sutil, um único artigo do CTB (126).
23) Lei n. 12.998, de 18 de junho de 2014
Incluiu o artigo 145-A, que não serviu para absolutamente nada, pois repetiu regra já existente, a respeito da condução de ambulâncias.
24) Lei n. 13.097, de 19 de janeiro de 2015
Passou a permitir a condução de tratores, nas vias públicas, por condutores habilitados apenas na categoria “B”.
25) Lei n. 13.103, de 02 de março de 2015
Com mudanças nas regras trazidas pela Lei n. 12.619/12, passou a ser denominada de “Nova Lei do descanso” ou “Nova Lei dos caminhoneiros”; contudo, além de estabelecer normas a respeito da condução dos veículos de transporte de carga e coletivo de passageiros, também incluiu no CTB uma exigência polêmica (e questionada pela própria classe médica), que é a obrigatoriedade de exame toxicológico de larga janela de detecção, para a obtenção e renovação das categorias C, D e E, da Carteira Nacional de Habilitação.
26) Lei n. 13.146, de 06 de julho de 2015
Trata-se de uma Lei muito mais ampla, chamada de “Estatuto da Pessoa com Deficiência”, em vigor a partir de 03/01/16, que promoveu alterações em 4 (quatro) artigos do CTB, sendo a modificação mais relevante a que trata da possibilidade de aplicação do Código de Trânsito nas vias e áreas de estacionamento de estabelecimentos privados de uso coletivo.
27) Lei n. 13.154, de 30 de julho de 2015
Com origem na Medida Provisória n. 673/15 (que tratava tão somente do registro de tratores), acabou por alterar 9 artigos do CTB e incluir mais um (artigo 129-A), merecendo destaque a mudança de tratamento dada aos ciclomotores, cujo registro e licenciamento deixaram de depender de legislação municipal e, por consequência, passaram a ser tratados como qualquer outro veículo automotor, com a obrigatoriedade de inserção no Renavam, por intermédio dos órgãos executivos estaduais de trânsito (Detran).
28) Lei n. 13.160, de 25 de agosto de 2015
Em vigor a partir de 23/01/16, altera regras sobre retenção, remoção, apreensão e leilão de veículos (artigos 270, 271 e 328).
Este é um balanço dos 18 anos de publicação do Código de Trânsito Brasileiro.
No CTB digital (www.ctbdigital.com.br), o leitor tem acesso, on-line e de forma gratuita, à redação já atualizada do Código de Trânsito, com todas as Leis acima mencionadas, além de comentários aos dispositivos legais e textos opinativos, que permitem uma maior compreensão sobre a legislação de trânsito em vigor.
LEIA! PARTICIPE! COMPARTILHE!
São Paulo, 10 de outubro de 2015.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 7 – Curso de formação de agentes de trânsito, por Julyver Modesto de Araujo
O agente da autoridade de trânsito, conforme previsto no Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro, é a “pessoa, civil ou policial militar, credenciada pela autoridade de trânsito para o exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento”, sendo importante ressaltar que, por definições próprias de cada uma destas atividades, o policiamento ostensivo de trânsito e o patrulhamento são denominações das atribuições específicas, respectivamente, das Polícias Militares e da Polícia Rodoviária Federal.
Assim, o civil credenciado como agente da autoridade de trânsito desempenha, basicamente, dois tipos de atividades: FISCALIZAÇÃO (controle do cumprimento das normas de trânsito) e OPERAÇÃO (monitoramento técnico da via), o que, por certo, exige um treinamento específico, que contemple todas as variáveis necessárias para o exercício pleno destas atribuições, a começar pelo conhecimento aprofundado da legislação aplicável à utilização da via pública (que sabemos ser complexa e dinâmica, com alterações muito frequentes).
Antes de tratar do Curso, porém, quero aproveitar para explanar o seguinte: diferentemente do que se pode imaginar, este civil não pode ser qualquer pessoa, havendo a necessidade de se ter um vínculo com a Administração Pública que o legitime como seu representante, o que se depreende da leitura do § 4º do artigo 280 do CTB, segundo o qual “o agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência”.
Cabe destacar, também, que não basta que seja um servidor público (ocupante de um CARGO ou de um EMPREGO público, sob o regime de um ESTATUTO – estatutário – ou da CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO – celetista) para que se “designe” alguém como agente da autoridade de trânsito, já que a Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso II, estabelece que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público.
O correto, destarte, é que, independente da denominação profissional utilizada pelo órgão ou entidade executivo de trânsito ou rodoviário – agente de trânsito, agente de transportes, agente de fiscalização, fiscal de trânsito, agente de mobilidade urbana, guarda de trânsito etc – haja a previsão expressa, dentro da organização administrativa, do cargo ou emprego a ser ocupado, cujas funções deverão estar descritas, inclusive, no respectivo edital do concurso público, sendo irregular qualquer outra forma de contratação de pessoas para serem agentes da autoridade de trânsito, que não por meio do necessário certame, como, por exemplo, mediante a simples “designação, por Decreto ou Portaria”, de servidores que prestaram concurso para outro cargo ou emprego.
Aliás, até mesmo a estruturação da carreira de “agente de trânsito” passou a ser norma constitucional, decorrente do inciso II do § 10 do artigo 144 da CF/88, incluído pela Emenda Constitucional n. 82/14.
As únicas carreiras que possuem outras funções específicas e também podem receber a incumbência de serem agentes da autoridade de trânsito são as autorizadas pela própria LEI: Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das rodovias e estradas federais (artigo 20 do CTB); Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal, quando e conforme convênio firmado (artigo 23, inciso III, do CTB) e, mais recentemente, as Guardas Municipais, se lhes forem conferidas as competências de órgão municipal de trânsito, ou conforme convênio com os órgãos já existentes (artigo 5º, inciso VI, da Lei n. 13.022/14).
Embora seja possível traçar tais diretrizes, do ponto de vista jurídico, para que uma pessoa, civil ou policial militar, seja “credenciado” como agente da autoridade de trânsito, um SÉRIO problema que tínhamos até o presente momento era a falta de padronização de uma formação mínima para que este profissional viesse a exercer as atribuições que lhe competem.
Não obstante a existência de disciplinas relacionadas à FISCALIZAÇÃO e OPERAÇÃO de trânsito, nos Cursos de formação da Polícia Rodoviária Federal, das Polícias Militares e das Guardas Municipais, inexistia um parâmetro para os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito, dependendo, única e exclusivamente, do interesse de cada gestor, na correta e satisfatória capacitação de seus colaboradores, havendo casos, infelizmente, de agentes de trânsito que iniciavam seu labor sem qualquer tipo de Curso específico para o desempenho das suas funções.
O Departamento Nacional de Trânsito chegou, há algum tempo, a estabelecer um conteúdo programático RECOMENDÁVEL, a partir do qual se permitia que fossem contratados docentes, pelo próprio órgão ou entidade de trânsito, sendo necessária a aprovação prévia do currículo pelo Denatran, o qual também enviava material didático específico e, ao final do Curso, aplicava avaliação de aprendizagem, para a emissão de certificado.
Apesar de muito produtiva, a experiência foi adotada por breve período, sem continuidade.
No final deste ano em diante, a situação passará a ser diferente, pois, enfim, foi regulamentado o CURSO DE AGENTE DE TRÂNSITO, por meio da Portaria do Departamento Nacional de Trânsito n. 94/17, Diário Oficial da União de 02JUN17, em vigor após 180 dias de sua publicação (ou seja, a partir de 29NOV17).
Os requisitos para matrícula remetem às expressões utilizadas no § 4º do artigo 280: ser servidor público (celetista ou estatutário) ou policial militar, indicado pelo órgão com circunscrição sobre a via, no âmbito de sua competência. Meu posicionamento, contudo, de acordo com as explicações já apresentadas, é que não basta ser um SERVIDOR, mas deve ocupar um CARGO ou EMPREGO, mediante aprovação em concurso público, que tenha, como uma de suas atribuições, exercer a função de agente da autoridade de trânsito.
O Curso, com carga horária MÍNIMA de 200 h/a, deverá ser ministrado por órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito ou por Instituições devidamente autorizadas e credenciadas (embora ainda não tenham sido publicados os critérios de credenciamento, o que deve ocorrer por meio de outro ato normativo, conforme se presume do artigo 4º da Portaria: “Ficam reconhecidos outros cursos de formação de agente de trânsito concluídos até 180 (cento e oitenta) dias após o Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN dar publicidade aos critérios e procedimentos para autorização e credenciamento das instituições” – isto é, SERÁ dada publicidade aos critérios e procedimentos para autorização e credenciamento das instituições e, após isso, ainda serão reconhecidos outros cursos que sejam concluídos em até 180 dias depois).
Além da formação, os agentes serão obrigados a fazerem o Curso de atualização a cada três anos, com carga horária de 32 h/a.
Uma questão interessante é que não ficou consignado de forma cristalina, nesta Portaria, se, para os profissionais que já atuam na área, será obrigatória a realização do Curso de FORMAÇÃO, nos termos padronizados, ou somente de ATUALIZAÇÃO, reconhecendo-se eventuais capacitações já realizadas anteriormente; não obstante, é possível presumir que se exija tão somente a atualização, a cada três anos, por um princípio lógico: se, após os critérios de credenciamento de instituições, ainda serão reconhecidos os outros cursos concluídos em até 180 dias, não há por que se negar validade às formações realizadas até hoje, independente da sua formatação.
As matérias mínimas exigidas na formação serão divididas nos seguintes módulos:
I) Legislação de trânsito (40 h/a);
II) Engenharia de Tráfego e Sinalização da via (20 h/a);
III) Legislação de trânsito aplicada (48 h/a);
IV) Ética e Cidadania (08 h/a);
V) Psicologia aplicada (12 h/a);
VI) O papel educador do agente (08 h/a);
VII) Língua portuguesa (08 h/a);
VIII) Operação e Fiscalização de Trânsito (16 h/a); e
IX) Prática operacional (40 h/a).
A carga horária diária deve ser de, no máximo, 08 horas/aula por dia, com período de 50 minutos cada h/a e total de carga horária presencial obrigatória de 116 h/a, tendo em vista que os módulos I (Legislação de trânsito), II (Engenharia e Sinalização), IV (Ética e Cidadania), VI (O papel educador do agente) e VII (Língua Portuguesa) poderão ser realizados na modalidade à distância (total de 84 h/a); ressalta-se, todavia, que não foram estabelecidos os critérios relativos à plataforma de ensino a ser utilizada.
O conteúdo programático bem como a carga horária poderão ser acrescidos com o objetivo de atender as necessidades específicas do órgão com circunscrição sobre a via.
No Curso de atualização, não se menciona a possibilidade (ou não) de se realizar parte do conteúdo à distância, sendo previstas as seguintes matérias: I) Legislação de trânsito aplicada (12 h/a); II) Ética e Cidadania (04 h/a); e III) Operação e Fiscalização de Trânsito (16 h/a) – nota-se que, se seguir a regra da formação, somente o segundo módulo, com 04 h/a, é que poderia ser realizado à distância.
A frequência mínima é de 75% em cada um dos módulos e a aprovação depende de aproveitamento mínimo de 70% em prova a ser realizada, com os conteúdos trabalhados em cada módulo. Nos Cursos de atualização, a avaliação deve ser feita por observação direta e constante do desempenho dos alunos, com atribuição de nota ao final do Curso.
O corpo docente do Curso deve ser formado por no mínimo 70% de profissionais que tenham formação SUPERIOR e experiência na área afim aos conteúdos curriculares.
Vale lembrar que o dinheiro arrecadado com multas de trânsito pode ser utilizado para o custeio destes Cursos, conforme Resolução do Contran n. 638/16, a qual dispõe sobre as formas de aplicação desta receita, conforme previsto no caput do artigo 320 do CTB, que limita a sua utilização exclusivamente no trânsito.
No artigo 10, inciso I, desta Resolução, considera-se elemento de despesa com policiamento e fiscalização a “capacitação de autoridades, de agentes de trânsito e agente de autoridade de trânsito” e no artigo 12, inciso IX, entende-se como elemento de despesa com educação de trânsito a realização de “cursos de qualificação para profissionais dos órgãos de trânsito”.
Creio que a padronização proposta será um grande avanço para a melhoria do Sistema Nacional de Trânsito, a partir da exigência de uma qualificação mínima para os profissionais responsáveis por lidar diretamente com o usuário da via pública. Destaco, apenas, que não foram previstas, expressamente, quais serão as consequências para os órgãos e entidades de trânsito que não cumprirem com a regulamentação que entrará brevemente em vigor, o que suscitará diversos questionamentos, inclusive contrários à aplicação das multas de trânsito decorrentes de autuações lavradas por agentes de trânsito sem a formação mínima obrigatória.
São Paulo, 20 de junho de 2017.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança (SP); Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, com atuação no policiamento de trânsito, desde 1996, e atual Comandante da Companhia Tática do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do Centro de Estudos Avançados e Treinamento / Trânsito – CEAT; Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003; Integrante do Fórum Consultivo do Sistema Nacional de Trânsito, sendo representante dos CETRANS da região sudeste por dois mandatos consecutivos e, atualmente, representante das Polícias Militares da região sudeste; Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN; Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 7 – Plano nacional de redução de mortes e lesões no trânsito, por Julyver Modesto de Araujo
Em 13MAR18, entrará em vigor a Lei n. 13.614/18, que criou o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans) e incluiu artigo 326-A ao Código de Trânsito Brasileiro.
Na prática, esta Lei PRORROGA o compromisso assumido pelo Brasil com a Organização das Nações Unidas, na Década mundial de ações para a segurança no trânsito – 2011/2020, para reduzir à metade o número de mortes e lesões ocorridas no trânsito, tendo em vista que estabelece este mesmo objetivo, a contar DESTE ANO DE 2018 – em outras palavras: o prazo que estava prestes a se encerrar (daqui a dois anos) foi estendido até 2027 (interessante notar que a Lei foi decorrente de um Projeto apresentado no 4º ano da Década da ONU – PL n. 8.272/14).
Dois outros aspectos que nos chamam a atenção nesta Lei:
1º) O seu artigo 1º estabelece que o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito deve ser elaborado em conjunto pelos órgãos de saúde, de trânsito, de transporte e de justiça; entretanto, no artigo 5º, ao incluir o artigo 326-A ao CTB, são previstas atribuições aos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito – SNT, o que gera dúvidas se a elaboração do Pnatrans é de competência dos órgãos citados (saúde, trânsito, transporte e justiça) ou dos componentes do SNT;
2º) Apesar de se prescrever que o Pnatrans tem como finalidade “dispor sobre regime de metas de redução de índice de mortos no trânsito por grupos de habitantes e de índice de mortos no trânsito por grupos de veículos”, não são mencionadas quais devem ser as AÇÕES efetivas a serem desencadeadas para se atingir tal objetivo, ou seja, é como se fosse criado um PLANO que sabe ONDE quer chegar, mas não prevê COMO fazê-lo (e, neste aspecto, o assunto merece profunda reflexão, tendo em vista que a LEI, isoladamente, não tem nenhuma condição de mudar o quadro atual da morbimortalidade no trânsito).
Também se determinou que o Pnatrans deve conter:
I – mecanismos de participação da sociedade;
II – garantia da ampla divulgação;
III – realização de campanhas permanentes; e
IV – reconhecimento e distinção dos gestores públicos e privados.
O artigo 326-A, incluído ao CTB, possui a seguinte redação:
Art. 326-A. A atuação dos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, no que se refere à política de segurança no trânsito, deverá voltar-se prioritariamente para o cumprimento de metas anuais de redução de índice de mortos por grupo de veículos e de índice de mortos por grupo de habitantes, ambos apurados por Estado e por ano, detalhando-se os dados levantados e as ações realizadas por vias federais, estaduais e municipais.
§ 1º O objetivo geral do estabelecimento de metas é, ao final do prazo de dez anos, reduzir à metade, no mínimo, o índice nacional de mortos por grupo de veículos e o índice nacional de mortos por grupo de habitantes, relativamente aos índices apurados no ano da entrada em vigor da lei que cria o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans).
§ 2º As metas expressam a diferença a menor, em base percentual, entre os índices mais recentes, oficialmente apurados, e os índices que se pretende alcançar.
§ 3º A decisão que fixar as metas anuais estabelecerá as respectivas margens de tolerância.
§ 4º As metas serão fixadas pelo Contran para cada um dos Estados da Federação e para o Distrito Federal, mediante propostas fundamentadas dos Cetran, do Contrandife e do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das respectivas circunscrições.
§ 5º Antes de submeterem as propostas ao Contran, os Cetran, o Contrandife e o Departamento de Polícia Rodoviária Federal realizarão consulta ou audiência pública para manifestação da sociedade sobre as metas a serem propostas.
§ 6º As propostas dos Cetran, do Contrandife e do Departamento de Polícia Rodoviária Federal serão encaminhadas ao Contran até o dia 1º de agosto de cada ano, acompanhadas de relatório analítico a respeito do cumprimento das metas fixadas para o ano anterior e de exposição de ações, projetos ou programas, com os respectivos orçamentos, por meio dos quais se pretende cumprir as metas propostas para o ano seguinte.
§ 7º As metas fixadas serão divulgadas em setembro, durante a Semana Nacional de Trânsito, assim como o desempenho, absoluto e relativo, de cada Estado e do Distrito Federal no cumprimento das metas vigentes no ano anterior, detalhados os dados levantados e as ações realizadas por vias federais, estaduais e municipais, devendo tais informações permanecer à disposição do público na rede mundial de computadores, em sítio eletrônico do órgão máximo executivo de trânsito da União.
§ 8º O Contran, ouvidos o Departamento de Polícia Rodoviária Federal e demais órgãos do Sistema Nacional de Trânsito, definirá as fórmulas para apuração dos índices de que trata este artigo, assim como a metodologia para a coleta e o tratamento dos dados estatísticos necessários para a composição dos termos das fórmulas.
§ 9º Os dados estatísticos coletados em cada Estado e no Distrito Federal serão tratados e consolidados pelo respectivo órgão ou entidade executivos de trânsito, que os repassará ao órgão máximo executivo de trânsito da União até o dia 1º de março, por meio do sistema de registro nacional de acidentes e estatísticas de trânsito.
§ 10. Os dados estatísticos sujeitos à consolidação pelo órgão ou entidade executivos de trânsito do Estado ou do Distrito Federal compreendem os coletados naquela circunscrição:
I – pela Polícia Rodoviária Federal e pelo órgão executivo rodoviário da União;
II – pela Polícia Militar e pelo órgão ou entidade executivos rodoviários do Estado ou do Distrito Federal;
III – pelos órgãos ou entidades executivos rodoviários e pelos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Municípios.
§ 11. O cálculo dos índices, para cada Estado e para o Distrito Federal, será feito pelo órgão máximo executivo de trânsito da União, ouvidos o Departamento de Polícia Rodoviária Federal e demais órgãos do Sistema Nacional de Trânsito.
§ 12. Os índices serão divulgados oficialmente até o dia 31 de março de cada ano.
§ 13. Com base em índices parciais, apurados no decorrer do ano, o Contran, os Cetran e o Contrandife poderão recomendar aos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito alterações nas ações, projetos e programas em desenvolvimento ou previstos, com o fim de atingir as metas fixadas para cada um dos Estados e para o Distrito Federal.
§ 14. A partir da análise de desempenho a que se refere o § 7º deste artigo, o Contran elaborará e divulgará, também durante a Semana Nacional de Trânsito:
I – duas classificações ordenadas dos Estados e do Distrito Federal, uma referente ao ano analisado e outra que considere a evolução do desempenho dos Estados e do Distrito Federal desde o início das análises;
II – relatório a respeito do cumprimento do objetivo geral do estabelecimento de metas previsto no § 1º deste artigo.
Em suma, os catorze parágrafos do artigo 326-A estabelecem o seguinte:
– cumprimento de metas anuais de redução:
* por grupo de veículos;
* por grupo de habitantes;
* apurados por Estado e por ano.
– detalhamento dos dados levantados e as ações realizadas por vias federais, estaduais e municipais;
– objetivo: ao final do prazo de dez anos, reduzir à metade, no mínimo, o índice nacional de mortos por grupo de veículos e o índice nacional de mortos por grupo de habitantes;
– índice de referência para a redução: o de 2018 (ano da entrada em vigor da lei);
– definição, pelo Contran, de fórmulas para apuração dos índices e metodologia de coleta;
– coleta, tratamento e consolidação das estatísticas:
* responsabilidade: Detran de cada Estado;
* remessa ao Denatran até o dia 1º de março, por meio do RENAEST;
* compreendem PRF, DNIT, PM, DER e órgãos municipais.
– cálculo dos índices será feito pelo Denatran, ouvidos DPRF e demais órgãos do SNT:
* divulgação oficial até o dia 31 de março de cada ano.
– índices parciais podem ser utilizados pelo Contran, Cetran e Contrandife para recomendar aos integrantes do Sistema Nacional de Trânsito alterações nas ações, projetos e programas.
– metas em base percentual, com margens de tolerância;
– metas fixadas pelo Contran, mediante propostas fundamentadas dos Cetran, do Contrandife e do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das respectivas circunscrições;
– antes das propostas, deve realizar consulta ou audiência pública para manifestação da sociedade (o que é estranho, tendo em vista a necessidade de que as propostas sejam fundamentadas e considerando que eventual manifestação da sociedade, a respeito das METAS a serem cumpridas, pode não ser exequível);
– encaminhamento das propostas até o dia 1º de agosto de cada ano, acompanhadas de relatório analítico a respeito do cumprimento das metas fixadas para o ano anterior e de exposição de ações, projetos ou programas, com os respectivos orçamentos, por meio dos quais se pretende cumprir as metas propostas para o ano seguinte;
– divulgação das metas e desempenho, em setembro, durante a Semana Nacional de Trânsito:
* informações devem permanecer à disposição do público, no site do Denatran;
* análise do desempenho deve propiciar divulgação da classificação de cada Estado, no ano analisado, e a evolução desde o início das análises;
* também deve ser divulgado relatório a respeito do cumprimento do objetivo geral.
O calendário anual do Pnatrans, destarte, fica assim determinado:
– até 01/03: remessa das estatísticas, pelos Detrans, ao Denatran;
– até 31/03: divulgação das estatísticas;
– até 01/08: encaminhamento de propostas de redução, pelos Cetrans, ao Contran; e
– de 18 a 25/09: divulgação das metas e desempenho.
São Paulo, 28 de fevereiro de 2018.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 7 – Aplicação do dinheiro arrecadado com multas de trânsito, por Julyver Modesto de Araujo
Qualquer pessoa que trabalha, há algum tempo, na área sabe que o dinheiro arrecadado com as multas de trânsito tem destino certo (apesar de, muitas vezes – e infelizmente – a regra não ser cumprida à risca). Os motoristas, em geral, desconhecem este fato na sua plenitude, mas alguns até já ouviram dizer que 5% da arrecadação deve ser aplicada, exclusivamente, em investimentos para melhoria da segurança viária. Na verdade, não são apenas estes 5%, sobre os quais vez ou outra se fala a respeito, mas absolutamente TODA a receita arrecadada, conforme se verá a seguir. Inicialmente, há que se destacar que a multa de trânsito NÃO é a finalidade primordial de nenhum órgão ou entidade integrante do Sistema Nacional de Trânsito (ou, pelo menos, não deveria ser), mas se trata da resultante de um comportamento infracional que, justamente, os órgãos fiscalizadores buscam PREVENIR, COIBIR e, quando de sua ocorrência, REPRIMIR.
É notório que toda ocorrência de trânsito é antecedida por uma desobediência à legislação de trânsito; assim, quando se procura proteger a vida, evitando-se mortes e ferimentos decorrentes das colisões e atropelamentos, deve-se buscar, acima de tudo, EVITAR que a infração de trânsito aconteça e, consequentemente, que a multa tenha que ser aplicada. Vivemos, entretanto, um círculo vicioso, pois o Poder público, de forma geral, programa-se, antecipadamente, para o recebimento de valores decorrentes da imposição das penalidades de trânsito, até mesmo prevendo onde vai gastar a receita arrecadada (ocasionalmente de forma imprópria e ilegal), ou seja, o Sistema de trânsito, que deveria EVITAR a multa, acaba dependendo dela para sua subsistência; ora, o que ocorreria se TODOS OS USUÁRIOS das vias públicas decidissem, repentinamente, seguir a legislação de trânsito e não cometessem mais nenhuma infração de trânsito? Até que ponto, o órgão ou entidade de trânsito pode depender da ARRECADAÇÃO de multas para continuar funcionando, para manter a sua estrutura? Para se ter uma ideia, na cidade de São Paulo, com uma frota registrada de 7.805.127 veículos e uma população estimada de 12.106.920 pessoas 1, a arrecadação de multas de trânsito no ano de 2016 foi de mais de um bilhão e meio de reais (exatos R$ 1.531.195.168,76), superando em quase meio bilhão a previsão orçamentária inicial (que era de R$ 1.110.194.392,00) 2 – apesar de ser um valor astronômico, vale destacar que esta fonte representa “apenas” 3,22% da arrecadação da maior Prefeitura do Brasil, que, em 2016, foi de mais de 47 bilhões e meio de reais. Em outras palavras, é como se, proporcionalmente, a Prefeitura já esperasse que cada proprietário de veículo registrado na Capital (sem contar a frota circulante), desembolsasse R$ 142,23 em multas de trânsito, o que significa, praticamente, cada um ter cometido uma infração de natureza grave (cujo valor, com desconto até o vencimento, é de R$ 156,18). A previsão ainda foi aquém do realmente ocorrido, tendo em vista que, no final, foi como se cada dono de veículo paulistano pagasse R$ 196,17 à Administração.
1 Dados do IBGE, disponíveis em https://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=saopaulo|sao-paulo|infograficos:-informacoes-completas
2 Comparativo da receita orçada com a arrecadada, da Prefeitura do Município de São Paulo, disponível em http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/16-Consolidado-2016-Anexo10-CompRecOrcArrec_1490361401.pdf Diante desta constatação, as reflexões que nos restam são: “e se nenhum veículo fosse multado?” ou “e se as ações de educação e fiscalização PREVENTIVA fossem tão eficazes, a ponto de evitar todas as infrações de trânsito ESPERADAS?” Apesar de QUERERMOS um trânsito mais seguro (e ser este o OBJETIVO PRINCIPAL das ações dos órgãos de trânsito), a constatação prática é que a Administração Pública já conta com a arrecadação de multas, antes mesmo das infrações acontecerem, ao ponto até de, na atual gestão paulistana, estar sendo apresentado um modelo inédito de captação de investimentos, na ordem de R$ 400 milhões, por meio da antecipação de valores recebíveis das multas de trânsito, para 2018. 3 Faço este preâmbulo exatamente para demonstrar o motivo pelo qual a arrecadação das multas de trânsito tem destino fixado: sua utilização deve ser exclusiva para despesas que representem INVESTIMENTOS para a melhoria da SEGURANÇA VIÁRIA, de tal modo que, uma vez não existindo mais infrações (ainda que seja utópico, estamos a tratar do campo IDEAL) e, consequentemente, multas de trânsito, não haja ruptura do funcionamento das estruturas administrativas, além de representar a conquista dos objetivos almejados. Por certo, menos multas significam, em tese, menos ocorrências de trânsito, menos mortos e feridos, menos gastos com saúde e demais áreas afetadas pela mortalidade viária. Por este motivo, o artigo 320 do Código de Trânsito Brasileiro estabelece que “a receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito”, ações estas que são devidamente delineadas na norma complementar que regulamenta o tema (Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n.638/16, com alteração da n. 660/17) 4. O que costuma transmitir a falsa ideia de que 5% das multas de trânsito devem ser aplicados na melhoria do trânsito é o disposto no § 1º deste artigo (renumerado pela Lei n. 13.281/16), segundo o qual “o percentual de cinco por cento do valor das multas de trânsito arrecadadas será depositado, mensalmente, na conta de fundo de âmbito nacional destinado à segurança e educação de trânsito”; como se vê, todavia, TODA A ARRECADAÇÃO deve ser usada no trânsito, sendo que 95% pelo próprio órgão arrecadador e 5% pelo Departamento Nacional de Trânsito, responsável pela gestão do fundo nacional citado pelo parágrafo transcrito e criado pela Lei n. 9.602/98 (1ª lei a alterar o CTB) e Decreto n. 2.613/98, denominado
FUNSET – Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito. O FUNSET tem como principais fontes de arrecadação, previstas no próprio CTB, os 5% das multas aplicadas em todo o país e 5% do valor arrecadado pelo Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Via Terrestre – DPVAT, pois metade do DPVAT é destinada à seguridade social 5
3 Notícia veiculada em http://www.valor.com.br/financas/5150666/prefeitura-de-sp-quer-usar-multa-de-transito-paracaptarorigem=G1&utm_source=g1.globo.com&utm_medium=referral&utm_campaign=materia
4 A Resolução n. 638/16 revogou a anterior, de n. 191/06, a qual era complementada pela Portaria do Departamento Nacional de Trânsito n. 407/11 – Cartilha de Aplicação de Recursos Arrecadados com a Cobrança de Multas de Trânsito – igualmente revogada, pela Portaria n. 239/16.
5 Lei n. 8.212/91 (Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui Plano de Custeio, e dá outras providências) – artigo 27, parágrafo único. “As companhias seguradoras que mantêm o seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres, de que trata a Lei nº 6.194, de dezembro de 1974, deverão repassar à Seguridade Social 50% (cinquenta por cento) do valor total do prêmio recolhido e destinado ao Sistema Único de Saúde-SUS, para custeio da assistência médico-hospitalar dos segurados vitimados em acidentes de trânsito”. e, desta metade, 10% são remetidos para o DENATRAN, conforme o parágrafo único do artigo 78 do CTB 6 (o artigo 3º do Decreto n. 2.613/98 cita, ainda, outros recursos) – em 1998, primeiro ano de sua criação, a arrecadação do FUNSET foi de quatro milhões de reais (R$ 4.609.341,34); dezoito anos depois, em 2016, foi de quase cem vezes mais (R$ 442.695.492,72) 7, sendo a maior parte decorrente de multas de trânsito (a parcela do DPVAT representou menos de 0,1% disso, segundo informações da Seguradora Líder, administradora do seguro obrigatório – em 2016, exatos R$ 434.730,00). 8 Façamos uma conta simples: se retirarmos o repasse do DPVAT e desconsiderando outras fontes de receita (menos significativas), imaginando que os R$ 442.260.762,72 restantes, do arrecadado pelo FUNSET em 2016, sejam equivalentes a 5% das multas de trânsito de todo o país, quer dizer que o TOTAL ARRECADADO pela fiscalização de trânsito, na União, Estados, Distrito Federal e Municípios atingiu a marca, EM UM ANO, de R$ 8.845.215.254,40. ISTO MESMO: QUASE 9 BILHÕES DE REAIS que DEVERIAM ser utilizados para redução de mortes no trânsito (será que foi isto que ocorreu?) Um registro importante é que, além do aumento dos valores das multas (ocorrido no final de 2016, é bem verdade), da crescente integração dos municípios ao Sistema Nacional de Trânsito e da ampliação da fiscalização de trânsito (em especial, por equipamentos eletrônicos), este crescimento exponencial do repasse ao FUNSET também se deu pela adoção de critérios, pela coordenação do SNT, para controlar, de forma mais efetiva, a arrecadação e a RETENÇÃO LEGAL do percentual pertencente ao Fundo nacional (o montante tende a aumentar ainda mais, por conta da mais recente norma a este respeito, a Resolução do CONTRAN n. 637/16, que reorganizou o RENAINF – Registro Nacional de Infrações de Trânsito, para deixar de ser uma sistemática adotada somente para as multas a veículos de outros Estados e constituir uma base nacional obrigatória para TODAS as infrações de trânsito). O fato é que, como visto, tanto o dinheiro do FUNSET quanto a arrecadação que permanece com o órgão ou entidade aplicador da multa de trânsito devem ser diligentemente direcionados para as ações específicas delimitadas pela legislação de trânsito; qualquer uso deste dinheiro “carimbado” fora das situações elencadas é ilegal e está passível de questionamento, em especial quanto à eventual improbidade administrativa, nos termos da Lei n. 8.429/92. Foi o que aconteceu, por exemplo, em São Paulo, onde o Ministério Público ingressou com ação civil pública contra a gestão do Prefeito Fernando Haddad, no final de 2015, questionando aplicação irregular do dinheiro arrecadado com multas de trânsito, dando destaque para a construção de terminais de ônibus e ciclofaixas e, ainda, pagamento dos funcionários da Companhia de Engenharia de Tráfego. Na decisão de 1ª instância, o Juiz de Direito Dr. Luis Felipe Ferrari Bedendi entendeu pela regularidade do uso em relação aos terminais e ciclofaixas, pois “se devidamente fundamentado o projeto [baseado em estudos], há de se considerar que a construção de terminais de ônibus e vias cicláveis
6 “O percentual de dez por cento do total dos valores arrecadados destinados à Previdência Social, do Prêmio do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Via Terrestre – DPVAT, de que trata Lei nº 6.194, de 19 de dezembro de 1974, serão repassados mensalmente ao Coordenador do Sistema Nacional de Trânsito para aplicação exclusiva em programas de que trata este artigo.”
7 Evolução de Receitas e Despesas do Denatran, disponível em http://www.denatran.gov.br/images/Transparencia_Publica/2016/Receitas_2016_-_Transparencia_Publica.pdf
8 Relatório da Administração do DPVAT, exercício 2016, disponível em https://www.seguradoralider.com.br/Documents/demonstracoes-financeiras/Exercicio-2016.pdf destinam-se à ampliação das condições de fluidez e segurança no trânsito” (destaca-se que a atual Resolução do CONTRAN – 638/16 – passou a prever, EXPRESSAMENTE, a regularidade nestas situações – artigos 6º, XIV, e 8º, XII, o que antes não constava taxativamente da Resolução n. 191/06, facilitando, doravante, os argumentos recursais da municipalidade), mas concluiu pela ILEGALIDADE do pagamento de funcionários da CET/SP, reiterando que “a manutenção da estrutura administrativa da CET não se constitui em investimento, não podendo, por conseguinte, ser bancada pelo dinheiro arrecadado de multas de trânsito”.
9 Diante deste quadro, a Prefeitura de SP recorreu e conseguiu manter, para 2016, autorização judicial para pagamento dos funcionários da CET, tendo de pleitear, novamente, a mesma interpretação para este ano de 2017, o que foi inicialmente negado, mas posteriormente concedido pela Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministra Laurita Vaz, em 30/06/17, a qual permitiu que, até trânsito em julgado da ação civil pública, o Município de São Paulo continue utilizando dinheiro do FMDT – Fundo Municipal de Desenvolvimento do Trânsito, para pagamento de funcionários da CET, além de construção de terminais de ônibus e ciclovias/ciclofaixas (Agravo Interno na Suspensão de Liminar e de Sentença n. 2.193-SP).
10 Como se vê, não obstante a LETRA DA LEI, há precedentes judiciais permissivos à utilização desta receita com outras despesas e, inclusive, a sua não utilização, como ocorreu na situação emblemática, que continua tramitando no Judiciário, referente ao contingenciamento dos valores do FUNSET (“congelamento” do dinheiro, sem utilização para os fins a que se destina), o que também já foi alvo de questionamento pelo Ministério Público Federal, inicialmente com decisão que lhe foi positiva, mas rapidamente suspensa – no dia 13/10/09, publicou-se decisão do Ministro Cesar Asfor Rocha, do Superior Tribunal de Justiça, deferindo o pedido da União para SUSPENDER a execução da sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública n.2005.61.11.003868-9, da 1ª Vara Federal da 11ª Subseção Judiciária de Marília, a qual determinava tão somente o cumprimento da lei (artigos 78 e 320 do CTB): que o Governo Federal utilize os recursos provenientes de multa e do seguro obrigatório – DPVAT, em programas de prevenção e projetos de educação e segurança no trânsito, que, NA ÉPOCA, totalizavam R$ 1.650.000.000,00 (um bilhão e seiscentos e cinquenta milhões de reais, que estavam – e ainda estão – PARADOS na conta, com o aval do Judiciário).A alegação da União, reconhecida pelo STJ, é a de que a sentença de primeira instância acarretou grave lesão à ordem e à economia públicas, na medida em que a decisão privilegiou as normas contidas no Código de Trânsito em detrimento do “nefasto impacto da decisão nas contas públicas” (o Ministério Público Federal recorreu mas o agravo regimental foi indeferido em 10/09/10, pelo Ministro Presidente do STJ e a ação aguarda final julgamento). 11
Da análise do STJ, no presente caso, destaco as seguintes explicações:
9 A decisão completa pode ser lida em https://www.conjur.com.br/dl/sao-paulo-nao-gastar-verba-multas.pdf
10 Disponível em:https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/componente=MON&sequencial=74016589&num_registro=201602777833&data=20170801&tipo=0&formato=PDF
11 Relatório e voto disponíveis em:https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/componente=ATC&sequencial=8590908&num_registro=200901835457&data=20100910&tipo=91&formato=PDF
“Seguindo essa linha de raciocínio, com toda a certeza, o controle da economia na atualidade será positivo para o futuro da saúde e da segurança públicas e para os demais investimentos sociais e em infraestrutura, devendo-se preservar, com responsabilidade e diante do contexto econômico vigente, a possibilidade de bloqueio de determinadas despesas, e em determinados valores, pela União com o propósito de evitar danos futuros à economia, à saúde pública, às políticas sociais, ao crescimento e ao desenvolvimento do País. Ademais, as campanhas de educação no trânsito não estão suspensas. Mesmo em volume inferior ao que se poderia eventualmente dispor, os gastos com propagandas educativas em jornais, televisões e placas nas ruas continuam, além da fiscalização efetuada diretamente pelos agentes públicos. Por último, a União bem lembrou em sua inicial que não haverá prejuízo irreparável ao DENATRAN, destinatário legal dos recursos, pois o contingenciamento não desfaz a vinculação da receita para o órgão, podendo, no futuro, ser utilizada nos projetos definidos na lei” (fl. 5).
Além das “concessões judiciais”, destaca-se outra mudança recente na norma CONSTITUCIONAL que passou a permitir a DESVINCULAÇÃO da receita com destino certo: o Congresso Nacional aprovou, no final de 2016, mais uma prorrogação da DRU – Desvinculação de Receitas da União (mecanismo que permite o governo federal usar livremente um percentual das receitas arrecadadas, prevista no Ato das Disposições Constitucionais TRANSITÓRIAS e que vem sendo, sistematicamente, alvo de prorrogação, desde sua criação em 2000) e ESTENDEU a mesma Desvinculação de Receitas para os Estados, Distrito Federal e Municípios, permitindo o uso LIVRE, até 31/12/23, de 30% DAS RECEITAS relativas a impostos, taxas e MULTAS (artigos 76-A e 76-B do ADCT da CF/88, incluídos pela EC n. 93/16). Verificamos, desta forma, que, apesar da previsão legal que obriga a aplicação da arrecadação com multas de trânsito para incremento da segurança viária, existem diversas ressalvas e artifícios que nos apresentam um quadro diferente do ideal. Por fim, destaca-se que a Lei n. 13.281/16 incluiu um § 2º ao artigo 320, determinando que “o órgão responsável deverá publicar, anualmente, na rede mundial de computadores (internet), dados sobre a receita arrecadada com a cobrança de multas de trânsito e sua destinação” 12. A partir de agora, teremos, pelo menos, maior TRANSPARÊNCIA na aplicação deste dinheiro. Vamos acompanhar!
São Paulo, 15 de outubro de 2017.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
12 A ideia já é anterior à mudança ocorrida em novembro/16, pois há Projeto de Lei no Senado que pretende tornar esta publicação MENSAL – embora apresentado antes mesmo da MP que deu origem à Lei n. 13.281/16, continua em tramitação: trata-se do PLS n. 567/15, da Senadora Sandra Braga, com Parecer favorável da Senadora Marta Suplicy, aguardando inclusão em pauta desde 14/07/16, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3570434&disposition=inline
Vinny Borges
Art. 7 – Fatores de risco à segurança viária, por Julyver Modesto de Araujo
Da mesma forma que, em 2018, a Rússia atrai a atenção mundial, por sediar a Copa de futebol, foi exatamente em Moscou que, há quase 9 anos, ocorreu algo de importância muito maior para toda a sociedade: o I Congresso Mundial Ministerial de Segurança Viária (novembro de 2009), cujas discussões culminaram na proclamação, em 2010, pela Organização das Nações Unidas, da “Década Mundial de Ações pela Segurança no Trânsito”, da qual o Brasil é um dos signatários e sobre a qual eu acredito que todo o profissional da área de trânsito tenha pleno conhecimento.
A Resolução da ONU sobre Segurança Viária que instituiu a Década, de 02MAR10, leva o número A/RES/64/255 (http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/64/255) e estabeleceu os cinco pilares sobre os quais os países deveriam direcionar suas ações, a fim de cumprir a meta de estabilizar e reduzir à metade o número de mortos e feridos no trânsito durante o período de 10 anos. São eles: I) gestão da segurança; II) infraestrutura viária; III) veículos mais seguros; IV) comportamento dos usuários da via; e V) atendimento às vítimas.
Destes pilares, gostaria, neste texto, de evidenciar a questão comportamental, posto que constitui senso comum no Sistema Nacional de Trânsito (baseado, inclusive, em evidências decorrentes de análises estatísticas) que a principal causa das ocorrências de trânsito é, justamente, a falha humana, do que decorre a necessidade de uma atenção especial.
Neste sentido, quais são as atitudes que, efetivamente, colocam os indivíduos em situação de maior vulnerabilidade e probabilidade de se tornarem (ou tornarem alguém) vítimas da imprudência no trânsito? A resposta a esta pergunta é, por certo, um ótimo referencial para as ações dos profissionais que têm a responsabilidade de contribuir com condutas mais seguras, dentre os quais destaco, na preparação dos futuros motoristas, os Instrutores dos Centros de Formação de Condutores e, no controle de cumprimento das normas de trânsito, os Agentes de trânsito.
A ONU elencou estes FATORES DE RISCO à segurança viária, tanto na Resolução da Década, quanto no Plano Global (http://www.who.int/roadsafety/decade_of_action/plan/en/), recomendando aos países a adoção de legislação que contemple tais temas.
Inicialmente, os fatores de risco eram somente cinco, sendo que a legislação de trânsito brasileira versa sobre todos eles, sem exceção, conforme apontado a seguir:
I) Cinto de segurança – artigos 65; 105, I e 167 do Código de Trânsito Brasileiro;
II) Capacete de segurança para ocupantes de motocicletas e similares – artigos 54, 55 e 244 do CTB e Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n. 453/13;
III) Dispositivos para transporte de crianças – Resolução do Contran n. 277/08 (exigência que, na verdade, deveria constar de LEI, em vez de ato normativo);
IV) Consumo de bebida alcoólica – artigos 165, 165-A, 276, 277 e 306 do CTB e Resolução do Contran n. 432/13; e
V) Excesso de velocidade – artigo 218 do CTB e Resolução do Contran n. 396/11.
Mais recentemente, a Organização Mundial da Saúde publicou o Relatório Global 2015 (http://www.who.int/violence_injury_prevention/road_safety_status/2015/Summary_GSRRS2015_POR.pdf) destacando os mesmos fatores e concluindo que “Nos últimos 3 anos, 17 países, representando 409 milhões de pessoas, alteraram as suas leis sobre um ou mais fatores de risco de traumatismos ocorridos no trânsito, para alinhar a legislação com as melhores práticas”.
Na sequência, por ocasião da 2ª Conferência Global de Alto Nível sobre Segurança no Trânsito, realizada em Brasília, em 18 e 19NOV15, a Declaração assinada pelos Estados participantes, além de congratular os países que adotaram legislação abrangente sobre os principais fatores de risco, “chamou a atenção para outros fatores de risco, como condições médicas e medicamentos que afetam a direção segura; fadiga; uso de narcóticos, drogas psicotrópicas e substâncias psicoativas; telefones celulares e outros aparelhos eletrônicos e de mensagens de texto” (http://www.who.int/violence_injury_prevention/road_traffic/Final_Brasilia_declaration_PT.pdf?ua=1)
Tal recomendação passou a fazer parte, expressamente, da nova edição da Resolução da Organização das Nações Unidas sobre Segurança Viária, de n. A/RES/72/271, datada de 12ABR18 (http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/72/271), que ampliou os fatores de risco para DOZE, isto é, além dos cinco anteriores, foram acrescentados mais sete: I) baixa visibilidade; II) condições médicas; III) medicamentos que afetam a condução segura; IV) fadiga; V) uso de estupefacientes e substâncias psicotrópicas e psicoativas; VI) telefones celulares; e VII) outros produtos eletrônicos e dispositivos de mensagens de texto.
Interessante notar que o primeiro deles (baixa visibilidade) trata-se de uma condição adversa e não, propriamente, um comportamento dos usuários da via (como ocorre com os demais).
Quanto à legislação de trânsito, é de se destacar, em relação aos novos fatores de risco:
– as condições médicas têm sido, cada vez mais, objeto de atenção do Conselho Nacional, ao regulamentar as peculiaridades do exame de aptidão física e mental para obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (Resolução n. 425/12 e alterações), chegando até a prever, por exemplo, a necessidade de avaliação dos distúrbios do sono, para condutores das categorias ‘C’, ‘D’ e ‘E’;
– os medicamentos que afetam a condução segura não possuem normativa própria, havendo, inclusive, dificuldade para a fiscalização de condutores que se encontram sob seus efeitos – uma curiosidade é que, quando da edição da Lei n. 11.705/08 (popularmente conhecida como “Lei seca”), chegou-se a prever que o Contran, atendendo à proposta do Ministério da Saúde, estabeleceria margens de tolerância para casos específicos (o que dava a entender que seriam tolerados medicamentos com composição alcoólica), mas tal regulamentação nunca chegou a ser criada, vigorando, para todos os casos, a margem de dois decigramas de álcool por litro de sangue (parágrafo único do artigo 276 do CTB, com redação dada pela Lei n. 11.705/08, e §§ 1º e 2º do artigo 1º do Decreto n. 6.488/08);
– a fadiga tem sido alvo, desde 2012, de preocupação legislativa, da qual resultou a chamada “Lei do Descanso” para os motoristas profissionais, de transporte de carga e coletivo de passageiros, exigindo-se prazos máximos de direção e mínimos de descanso; inicialmente, o tema foi incluído no CTB (Capítulo III-A) pela Lei n. 12.619/12, com alterações da Lei n. 13.103/15;
– o uso de substâncias psicoativas tem duas vertentes, hoje, na legislação de trânsito: de um lado, a exigência, polêmica e alvo de várias críticas (até mesmo da classe médica), do exame toxicológico para os condutores das categorias ‘C’, ‘D’ e ‘E’, incluído no CTB (artigo 148-A) justamente pela Lei n. 13.103/15, acima citada (apesar de não estar escrito taxativamente no artigo 148-A, tenho o entendimento que, pela sua origem, o toxicológico deve ser cobrado apenas do motorista profissional, como tratado na Lei n. 13.103/15, pois, em análise sistemática, constitui um complemento à necessidade de descanso do motorista, ou seja, obriga-se o descanso e impede-se o consumo de substância psicoativa para mantê-lo acordado); e, de outro lado, tais substâncias também são proibidas ao condutor em geral, da mesma forma que o álcool, constituindo infração de trânsito (artigo 165) e crime (artigo 306), inexistindo, porém, regulamentação adequada para os exames de sua comprovação quando da fiscalização de trânsito (a Resolução n. 432/13 limita-se a mencionar a possibilidade de realização de “exames realizados por laboratórios especializados”);
– a utilização de telefones celulares no trânsito já constituía infração de trânsito desde a vigência do atual CTB (artigo 252, inciso VI), mas, por se tratar de um problema crônico e cada vez mais comum, motivou o legislador a tornar mais severa a penalidade ao condutor que segura ou manuseia o equipamento, o que passou a constituir, desde novembro de 2016, infração gravíssima, em vez de média (inclusão do parágrafo único ao artigo 252 do CTB, pela Lei n. 13.281/16); e
– a utilização de outros produtos eletrônicos e dispositivos de mensagens de texto, além da inovação acima mencionada, quanto ao celular, tem regulamentação própria apenas no tocante a equipamentos geradores de imagens, permitindo o uso de aparelho gerador de imagem cartográfica (GPS) e sendo proibida a instalação de dispositivos com imagens para fins de entretenimento (DVD com videoclipes, por exemplo), quando voltados para o condutor (Resolução n. 242/07).
A legislação de trânsito brasileira é, como muitos sabem, deveras complexa e dinâmica, sendo constituída por grande número de Leis e Atos normativos. Pela dificuldade de se conhecê-la detalhadamente, penso que é necessário priorizar o conhecimento destes fatores de risco, com a devida transmissão destas informações aos condutores, por parte dos Instrutores de trânsito, e a cobrança sistemática na fiscalização, pelos Agentes. Talvez, com este direcionamento, consigamos atingir a mudança comportamental que tanto se espera para a melhoria da segurança viária!
São Paulo, 30 de junho de 2018.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 7 – Lei da Desburocratização e os Reflexos para Órgãos de Trânsito
O Diário Oficial da União de 09 OUT18 publicou a Lei n. 13.726/18, conhecida como “Lei da desburocratização”, a qual “racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação”.
Com o veto ao artigo 10, que estabelecia vigência imediata, a ausência da informação quanto à data em que suas regras entrarão em vigor nos remete ao disposto no artigo 1º do Decreto-lei n. 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro): “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”; ou seja, a partir do dia 23NOV18, os órgãos públicos brasileiros deverão seguir as novas regras estabelecidas pela Lei sob comento.
Para compreensão do objetivo normativo, cabe destacar o constante do artigo 1º, segundo o qual, “esta Lei racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios mediante a supressão ou a simplificação de formalidades ou exigências desnecessárias ou superpostas, cujo custo econômico ou social, tanto para o erário como para o cidadão, seja superior ao eventual risco de fraude, e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação”.
Em relação aos serviços prestados pelos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito, destaco dois procedimentos que terão de ser reavaliados, frente à alteração legislativa, conforme estabelece o seu artigo 3º, o qual passa a dispensar a exigência de:
I – reconhecimento de firma, devendo o agente administrativo, confrontando a assinatura com aquela constante do documento de identidade do signatário, ou estando este presente e assinando o documento diante do agente, lavrar sua autenticidade no próprio documento; e
II – autenticação de cópia de documento, cabendo ao agente administrativo, mediante a comparação entre o original e a cópia, atestar a autenticidade.
Tanto o reconhecimento de firma quanto a autenticação de cópias de documentos já eram procedimentos delimitados de maneira específica pela Lei n. 9.784/99 (regula o processo administrativo), como algo excepcional (e não como regra), como se verifica no seu artigo 22, §§ 2º e 3º: “salvo imposição legal, o reconhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade” e “a autenticação de documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão administrativo”.
Apesar disso, não é incomum nos depararmos com órgãos públicos exigindo, dos cidadãos, documentos com firmas reconhecidas ou cópias autenticadas, para dar prosseguimento a assuntos de seu interesse junto à Administração, o que, doravante, não mais poderá ocorrer.
Uma das primeiras situações que nos vem à lembrança, quando pensamos na aplicabilidade desta Lei aos serviços de trânsito, é a decorrente da transferência de propriedade de veículo automotor, procedimento que, até os dias atuais, exige do vendedor e comprador providências burocráticas que englobam justamente o que passará a ser isento.
O reconhecimento das assinaturas de ambos, no verso do Certificado de Registro de Veículo (em formulário denominado Autorização para Transferência de Propriedade de Veículo – ATPV), por autenticidade, decorre de regulamentação do Conselho Nacional de Trânsito, no exercício de competência normativa disciplinada no artigo 124, inciso III, do Código de Trânsito Brasileiro (“para a expedição do novo Certificado de Registro de Veículo serão exigidos os seguintes documentos: … III – comprovante de transferência de propriedade, quando for o caso, conforme modelo e normas estabelecidas pelo CONTRAN;”), mais especificamente na Resolução n. 310/09, que alterou os modelos e especificações do CRV e CRLV e assim passou a determinar, entre outros itens, que “é obrigatório o reconhecimento de firmas do adquirente e do vendedor, exclusivamente na modalidade por AUTENTICIDADE”.
Aliás, cabe apontar uma curiosidade, presente até hoje nos documentos de transferência de propriedade de veículo: o formulário da ATPV menciona o artigo 369 do Código de Processo Civil, como a base legal para o reconhecimento de firma, quando o CPC vigente era o de 1973, substituído anos depois, em 2015, pela Lei n. 13.105/15 (atual CPC), cujo artigo 411 é que passou a tratar da autenticação de documentos via reconhecimento de firma do signatário pelo tabelião (no exercício das competências determinadas pela Lei n. 8.935/94).
Além da Resolução n. 310/09, que continua em vigor, tal regra também foi mantida na Resolução n. 712/17, que versa sobre o CRV eletrônico, a ATPV eletrônica e a realização de comunicação de venda de veículo ao órgão executivo estadual de trânsito, cujo artigo 4º também prescreve a necessidade de reconhecimento de firma.
Com a entrada em vigor da Lei n. 13.726/18, é de se entender que deverá o Contran rever a regulamentação existente, de vez que não poderá mais exigir esta burocracia por parte dos proprietários de veículos, bastando que, nos termos do artigo 3º, inciso I, da novel legislação, o reconhecimento das assinaturas constantes da ATPV se faça no próprio órgão de trânsito, mediante a comparação com as assinaturas constantes dos documentos de identidade dos interessados, ou mediante a autenticação pelo agente administrativo, se aposta a assinatura no próprio órgão.
Além disso, a comunicação de venda do veículo ao órgão executivo estadual de trânsito (Detran), obrigatória ao antigo proprietário, não mais poderá ser restringida ao encaminhamento de cópia AUTENTICADA do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, conforme redação textual do artigo 134 do CTB (e ratificada pelo artigo 7º da Resolução n. 712/17), mas também deverá ser aceita cópia simples, com autenticação de documento pelo agente administrativo responsável, mediante a comparação com o original.
Considerando-se o volume de transferências de propriedade de veículos automotores, em qualquer Estado da federação, é de se supor que tais procedimentos, embora menos burocráticos, criem alguns entraves para que sejam colocados em prática pelos órgãos de trânsito, mas não há dúvidas de que tal situação fática se enquadra perfeitamente na Lei da desburocratização.
Outras duas questões que também serão atingidas pela desburocratização e que, por vezes, alguns órgãos de trânsito adotam procedimentos peculiares, não obstante a norma aplicável, são as seguintes:
Indicação de condutor autuado
O artigo 257, § 7º, do CTB estabelece a indicação do condutor, nas infrações sob sua responsabilidade, em que a identificação do infrator não for imediata, o que é atualmente regulamentado pela Resolução do Contran n. 619/16, a qual trata do processo administrativo para imposição da multa de trânsito.
Neste sentido, o artigo 5º da citada norma prevê os requisitos para o formulário de indicação de condutor e NÃO prevê a necessidade de que a assinatura do proprietário esteja com firma reconhecida (tal regra chegou a ser prevista na Resolução n. 363/10, a qual, entretanto, nem mesmo chegou a vigorar); não obstante, há alguns órgãos de trânsito que exigem o reconhecimento da assinatura do proprietário no formulário.
Se já não era obrigatório o reconhecimento da assinatura, por falta de previsão normativa, agora com muito mais razão é que não poderão os órgãos de trânsito exigir tal procedimento.
Reconhecimento de firma em procurações
Na representação de pessoas físicas, por procuradores, devidamente nomeados pelos interessados, não poderão os órgãos de trânsito, exigir que haja o reconhecimento da assinatura no instrumento de mandato, bastando, como já mencionado, a conferência com o documento original.
A este respeito, vale mencionar que a procuração, enquanto instrumento particular de representação de alguém, encontra previsão legal no artigo 654 do Código Civil, cujo § 2º estabelece que “o terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida”; obviamente, apesar desta prescrição normativa, a partir da Lei da desburocratização, não se admite que tal exigência seja feita pelos órgãos públicos aos cidadãos.
Na apresentação de defesas administrativas e recursos (1ª e 2ª instâncias), por exemplo, estabelece a Resolução do Contran n. 299/08, dentre os documentos a serem juntados, a procuração, quando for o caso (artigo 5º), não havendo menção à necessidade de reconhecimento de firma (embora alguns órgãos de trânsito costumeiramente adotem tal cautela).
Destarte, todavia, não caberá mais se exigir, desta procuração, o reconhecimento da assinatura do outorgante, mesmo quando apresentado a alguém que não seja advogado, de vez que não se exige a capacidade postulatória para o processo administrativo de trânsito (em relação ao advogado, em especial, a desnecessidade de reconhecimento de firma já era uma prerrogativa legal, desde que o CPC de 1973 teve o seu artigo 38 alterado pela Lei n. 8.952/94).
Resta-nos acompanhar, para verificar se os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito estarão aptos a cumprirem mais esta Lei que procura simplificar a vida dos cidadãos!
São Paulo, 24 de outubro de 2018.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 7 – Reflexões para a gestão do trânsito no novo governo federal, por Julyver Modesto de Araujo
Toda mudança de ano é época de rever nossos projetos pessoais e profissionais, de avaliar o que deu certo e o que não surtiu os resultados desejados, de verificar quais foram as promessas do ano (outrora) novo (agora velho) que conseguimos realmente cumprir e quais são aquelas que foram deixadas para trás ou que serão renovadas mais uma vez.
A virada de ano de 2018 para 2019, em particular, marcará, entretanto, uma ruptura, pois passaremos a viver um período recheado de mudanças, em vários aspectos, na esfera da União e dos Estados. Independente das escolhas partidárias de cada leitor que me acompanha (e sem a intenção de adentrar em discussões políticas a partir deste meu texto), é fato que o novo Governo federal, sob a Presidência do Sr. Jair Messias Bolsonaro trará novos rumos na gestão político-administrativa-econômico-financeira do Brasil, o que afetará, por certo, também a área em que atuamos, que é o TRÂNSITO.
Nem vou aqui trazer à tona os estarrecedores números da morbimortalidade no trânsito e a necessidade de sua diminuição; afinal, o Brasil não só aderiu à Década mundial de AÇÕES neste sentido, conforme proposto pela ONU, a partir de 2011, como incluiu tal proposta na própria LEI, com a mudança do Código de Trânsito Brasileiro pela Lei n. 13.614/18, como se a ação legislativa fosse suficiente para evitar a perda de vidas no trânsito – a decisão por não mencionar sobre o tema neste texto não se deve, obviamente, pelo grau de importância do assunto, mas pela sua notoriedade pelos profissionais que labutam diariamente no setor.
O que quero, nesta oportunidade, é propor algumas reflexões acerca do papel preponderante que, na minha humilde opinião, o Governo federal deveria assumir no Sistema Nacional de Trânsito, por meio do Ministério ou órgão da Presidência responsável pela sua coordenação máxima, nos termos do artigo 9º do CTB (havendo já a cogitação de que deve ocorrer a extinção do Ministério das Cidades pelo novo Presidente).
Não obstante o excepcional trabalho exercido pelo atual Diretor do Departamento Nacional de Trânsito (e, cumulativamente, Presidente do Conselho Nacional de Trânsito) e todos os outros que o antecederam (e suas correspondentes equipes de trabalho), sinto-me na obrigação de apontar um grave equívoco que vem de longa data e que precisa ter um freio: O CONTRAN NÃO É PODER LEGISLATIVO (ou, pelo menos, não deveria ser)!
De 1998, quando o CTB entrou em vigor, até novembro de 2018, foram publicadas 745 Resoluções pelo Conselho Nacional de Trânsito, grande parte delas exercendo claramente poder exclusivo do Poder Legislativo, que é o de inovar na ordem jurídica, criando obrigações ou proibições à sociedade, o que contraria o princípio da tripartição de poderes, constante do artigo 2º da Constituição Federal.
Aliás, mesmo aquelas Resoluções elaboradas em decorrência de autorização legislativa, há flagrante desrespeito ao constituinte, como se vê, em um exemplo simples, no artigo 105 do CTB, que assim estabelece: “são equipamentos obrigatórios dos veículos, entre outros a serem estabelecidos pelo CONTRAN..”.
O descumprimento constitucional se dá, no vertente caso, ao que dispôs o artigo 25, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF/88: “Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I – ação normativa”.
Em outras palavras, aquilo que a CF/88 determinou um prazo de 180 dias para que fosse revogado (a partir de 05OUT88), voltou a ocorrer 10 anos depois: o Poder Legislativo passou a delegar ação normativa a um órgão do Poder Executivo (no caso, o Conselho Nacional de Trânsito).
Como quem exerce a função jurisdicional é o Poder Judiciário, a ele cabe declarar o vício da inconstitucionalidade das Resoluções do Contran, quando houver a devida provocação, mas volto a dizer, na condição de doutrinador da área: O CONTRAN NÃO É PODER LEGISLATIVO!
Adotada esta premissa, minha proposta é SIMPLES: MENOS Resolução e MAIS Solução!
Por que não começar 2019 diferente? Não vejo, sinceramente, necessidade NENHUMA de mais Resoluções… Afinal, das 745 Resoluções existentes, quantas as pessoas, em geral, conhecem? Quantas elas PRECISAM conhecer?
Inclusive, cabe aqui uma ponderação: apesar de não ser possível alegar o desconhecimento da lei para deixar de cumpri-la, é inegável que se trata de algo um tanto quanto impossível conhecê-la completamente, o que nos obriga a avaliar que, talvez, a primeira obrigação do Governo fosse promover, sistematicamente (e não só deixar por conta da formação do condutor), um amplo canal de comunicação e informação a respeito da legislação de trânsito ao cidadão, de maneira fácil e compreensível.
Temos, inclusive, VÁRIOS exemplos de Resoluções que são editadas com prazos que não são cumpridos e/ou protelados diversas vezes, que são publicadas com erros e depois retificadas com meras publicações em novas edições do Diário Oficial, que são revogadas por Deliberações isoladas do Presidente do Conselho (ou por declarações em vídeo do Ministro), que são suspensas para serem novamente estudadas por Comissões formadas em detrimento às Câmaras Temáticas que as elaboraram e assim por diante.
Podemos citar DIVERSOS assuntos que, ao longo dos últimos anos, sofreram alterações normativas que trouxeram inúmeras dúvidas a todos nós: Cursos especializados para órgãos de Segurança Pública, simuladores para Centros de Formação de Condutores, Autorização para Conduzir Ciclomotores, extintor de incêndio do tipo ABC, dispositivo de transporte de crianças para veículo de escolares, amarração para transporte de carga, tolerância no excesso de peso, emissão da Carteira Nacional de Habilitação eletrônica, aplicação integral da “Lei do descanso”, entre tantos outros (e nem estou citando alterações da LEI, apenas as decorrentes de Resoluções).
Existem questões que, apesar de regulamentadas, nem mesmo estão em plena vigência, deixando o Sistema de Trânsito em total descrédito: notificação eletrônica, curso preventivo de reciclagem, cadastro de principal condutor, placas de identificação modelo Mercosul, Sistema de Identificação Automática de Veículos – SINIAV, multas de trânsito para ciclistas e pedestres etc.
Esta ação normativa confusa, rápida, desenfreada (e IRREGULAR) na área do trânsito cria um grave problema de INSEGURANÇA JURÍDICA e dificulta sobremaneira o conhecimento da legislação, tanto pelo diretamente atingido (o cidadão), quanto por aquele que deve colocá-la em prática (o representante do Estado).
Tenho a impressão que teríamos MUITO A GANHAR se fizéssemos uma pausa na edição de Resoluções e trabalhássemos com o conjunto normativo que já foi produzido até agora: é mais do que suficiente. É preciso sua ampla divulgação à sociedade, total conhecimento pelos profissionais, aplicação plena pelos envolvidos e supervisão pela coordenação do Sistema Nacional de Trânsito.
Só pra citar um exemplo prático: existem Manuais de Fiscalização e de Sinalização de trânsito que são, simplesmente, ignorados em várias localidades.
Com esta mudança de postura, o Governo federal passaria a atuar não como órgão eminentemente normativo, mas gestor e coordenador do Sistema Nacional de Trânsito, na esfera das competências do Conselho Nacional de Trânsito, composto por seus diversos Ministérios, e do seu órgão máximo executivo de trânsito (hoje, o Departamento Nacional de Trânsito), no exercício das atribuições determinadas, respectivamente, nos artigos 12 e 19 do CTB, principalmente os incisos apontados a seguir:
Art. 12. Compete ao CONTRAN:
II – coordenar os órgãos do Sistema Nacional de Trânsito, objetivando a integração de suas atividades;
VII – zelar pela uniformidade e cumprimento das normas contidas neste Código e nas resoluções complementares;
Art. 19. Compete ao órgão máximo executivo de trânsito da União:
I – cumprir e fazer cumprir a legislação de trânsito e a execução das normas e diretrizes estabelecidas pelo CONTRAN, no âmbito de suas atribuições;
II – proceder à supervisão, à coordenação, à correição dos órgãos delegados, ao controle e à fiscalização da execução da Política Nacional de Trânsito e do Programa Nacional de Trânsito;
III – articular-se com os órgãos dos Sistemas Nacionais de Trânsito, de Transporte e de Segurança Pública, objetivando o combate à violência no trânsito, promovendo, coordenando e executando o controle de ações para a preservação do ordenamento e da segurança do trânsito;
V – supervisionar a implantação de projetos e programas relacionados com a engenharia, educação, administração, policiamento e fiscalização do trânsito e outros, visando à uniformidade de procedimento;
SETE exemplos de SOLUÇÕES que poderiam ser prontamente implantadas e que, passados 20 anos de vigência do Código de Trânsito, continuam sendo problemas crônicos no trânsito:
1. Municipalização de trânsito
Atualmente, menos de 30% dos municípios brasileiros estão integrados ao Sistema Nacional de Trânsito. Que tal uma agenda permanente, com cronograma de ações conjuntas, cobranças pontuais, envolvimento de outros órgãos, como Ministério Público e Poder Judiciário, e objetivos definidos e pré-estabelecidos, atrelados a contrapartidas federais, aproveitando as experiências dos Conselhos Estaduais das Unidades Federativas que já realizaram trabalhos de sucesso neste sentido?
2. Educação de trânsito nas escolas
Um dos assuntos que mais se discute sobre o trânsito é a inclusão ou não do tema “Educação de trânsito nas escolas”, desde a conversa em redes sociais de grupos formados por profissionais da área até a opinião comum de quem se dispõe a dar palpites sobre o tema. Por que até hoje não se parou apenas para cobrar o disposto no artigo 315 do CTB? “O Ministério da Educação e do Desporto, mediante proposta do CONTRAN, deverá, no prazo de duzentos e quarenta dias contado da publicação, estabelecer o currículo com conteúdo programático relativo à segurança e à educação de trânsito, a fim de atender o disposto neste Código”. Este é o primeiro passo. Depois do currículo proposto pelo Contran, começaremos a cumprir o Capítulo VI, em conjunto com o Ministério da Educação, tudo bem?
3. Aplicação do dinheiro arrecadado com multas de trânsito
Nosso objetivo é que haja MAIS VIDA NO TRÂNSITO, correto? Para isso, as pessoas precisam cumprir a lei, dirigindo com cuidado e atenção, respeitando os demais usuários das vias e os seus próprios limites, sim? Isto significa MENOS MULTA.
Se estivermos de acordo com o raciocínio acima, nenhum órgão de trânsito deve subsistir dependendo do dinheiro arrecadado com multa de trânsito. E é por este motivo que este dinheiro, QUANDO EXISTIR, deve ser utilizado exclusivamente na melhoria do próprio trânsito – é o que estabelece o artigo 320 do CTB, cujo § 2º, inclusive, determina publicação, na internet, dos dados da receita e sua destinação.
Isto PRECISA ser cobrado pelo Contran de TODOS os órgãos de trânsito, a começar pelo próprio Governo Federal, que deve dar o exemplo, promovendo o descontingenciamento do FUNSET – Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito.
4. Inspeção veicular de segurança
A inspeção veicular de segurança é OBRIGATÓRIA pelo artigo 104 do Código de Trânsito e deveria ser realizada como condição para que os veículos continuassem a circular no território brasileiro; todavia, até hoje, o que vemos é que existem vários veículos sem quaisquer condições de segurança que continuam nas vias e cujos proprietários conseguem providenciar anualmente o licenciamento, simplesmente porque a inspeção não tem sido cobrada.
E por qual motivo não tem ocorrido a inspeção? Do ponto de vista, exclusivamente, normativo, pela ausência da norma, uma vez que a Resolução do Contran n. 84/98, que tratava do tema, foi suspensa pela Resolução n. 107/99. Mais recentemente, houve sua revogação pela Resolução n. 716/17, a qual determinava a implantação da inspeção até final de 2019, mas também foi suspensa, POR PRAZO INDETERMINADO, pela Deliberação n. 170/18.
Infelizmente, não tenho conhecimento dos motivos que estão por trás da decisão que levou a este quadro caótico, porém me parece que a inspeção veicular de segurança é um problema sério que mereceria uma atenção do Governo federal, já que VEÍCULOS MAIS SEGUROS constituem justamente um dos pilares da Década de Ações pela Segurança viária.
5. Capacitação e supervisão do trabalho executado por agentes de trânsito
Os órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários dos Estados e dos Municípios não possuem uma padronização única quanto à designação dos seus agentes de trânsito, tendo em vista que, diante da autonomia do ente federativo, é possível que seja criado um cargo ou emprego específico ou realizado convênio com a Polícia Militar (nos termos do artigo 23, inciso III, do CTB) ou, ainda, mais recentemente, com a Guarda Municipal (artigo 5º, VI, da Lei n. 13.022/14).
Alguns órgãos e entidades de trânsito, entretanto, simplesmente desviam servidores de outras funções para exercerem as atividades de agentes de trânsito, o que considero irregular, por contrariar a exigência constitucional de concurso público específico para investidura em cargo ou emprego público (artigo 37, II, CF/88).
Erros deste tipo ocorrem aos montes. E falta uma supervisão constante por parte do Sistema Nacional de Trânsito…
Além disso, o Denatran publicou a Portaria n. 94/17, instituindo o Curso de formação e atualização para agente de trânsito, igualmente havendo a necessidade de COBRANÇA, principalmente quanto à aplicação do contido no Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito.
6. Capacitação e supervisão do trabalho executado por julgadores de recursos
Por incrível que pareça, os julgadores de recursos de trânsito NÃO PRECISAM comprovar, necessariamente, conhecimento na área de trânsito. A Resolução do Contran n. 357/10, que estabelece as DIRETRIZES para o Regimento interno das Juntas Administrativas de Recursos de Infrações, ao tratar da composição das JARIs, prevê que, ao menos um integrante, deve ter “conhecimento na área de trânsito com, no mínimo, nível médio de escolaridade”, ou seja, apenas um e somente isso.
Se o Regimento interno da JARI não trouxer nenhuma outra inovação, ficará só nesta exigência. É claro que, em alguns órgãos, existe até mesmo processo seletivo, mas é EXCEÇÃO.
O que vemos, infelizmente, é que existem julgadores de recursos que NÃO CONHECEM adequadamente a legislação de trânsito e nos fazem passar vergonha, literalmente, pois não garantem o direito do cidadão de SER MULTADO CORRETAMENTE.
O órgão coordenador do Sistema Nacional de Trânsito precisa CONTROLAR o processo!
7. Formação de condutores e acompanhamento do processo de EXAME
A Resolução n. 168/04 é, de longe, a mais RETALHADA de todas as Resoluções. Recentemente, após várias audiências públicas, sugestões de diversos profissionais e muitos debates, com uma proposta de reformulação de todo o processo de formação de condutores, o Conselho Nacional resolveu retirar a nova Resolução de pauta e não se falou mais no assunto.
Além de melhoria na formação de condutores, para que tenhamos motoristas e motociclistas mais preparados e conscientes de seu papel no trânsito, penso que há algo mais IMPORTANTE e até mesmo mais PRIORITÁRIO a se CONTROLAR e SUPERVISIONAR com EXTREMO RIGOR, que é o processo de EXAME, seja para que as regras adotadas se pautem pela LEGALIDADE e IMPESSOALIDADE, seja para que não ocorram atos de CORRUPÇÃO, infelizmente ainda comuns pelo Brasil afora (mesmo que não seja REGRA, a EXCEÇÃO contamina o processo) e que despejam motoristas imprudentes nas vias públicas: são criminosos que entregam ao trânsito outros potenciais criminosos do trânsito, em um círculo vicioso que precisa ser rompido.
De nada adianta publicar 745 Resoluções, se as pessoas não conhecem nem 10% disso e se estas simples 7 ideias ainda nem sequer são realidade em nosso país. Que 2019 seja DIFERENTE!
Fica aqui minha contribuição: MENOS Resolução e MAIS Solução!!!
São Paulo, 23 de novembro de 2018.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 7 – No trânsito, o sentido é a vida, por Julyver Modesto de Araujo
“NO TRÂNSITO, O SENTIDO É A VIDA” – este é o tema para a “Campanha Educativa de Trânsito” no Brasil, de maio de 2019 a abril de 2020, conforme determinado pelo Conselho Nacional de Trânsito, por meio da Resolução n. 771/19. Além de ter divulgado o tema principal para o período indicado, o CONTRAN também estabeleceu um cronograma para as ações educativas, com uma divisão por quadrimestres (2º e 3º quadrimestres de 2019 e 1º quadrimestre de 2020) e foco, respectivamente, no pedestre, no ciclista e no motociclista.
Assim, o mesmo tema que foi utilizado em maio (por ocasião do “Maio amarelo”), deve continuar neste mês de setembro, durante a Semana Nacional de Trânsito, sendo que os órgãos e entidades de trânsito devem dar foco principal, desta vez, no CICLISTA (muito embora o que tenho observado, desde o início do mês, é a utilização da frase acima, mas sem direcionamento para este tipo de usuário da via pública, com campanhas generalizadas acerca do tema).
Interessante observar que a mesma Resolução n. 771/19 também estabeleceu a mensagem a ser veiculada em toda peça publicitária destinada à divulgação ou promoção, nos meios de comunicação social, de produtos oriundos da indústria automobilística ou afins (em cumprimento à Lei n. 12.006/09, que incluiu os artigos 77-A a 77-E ao Código de Trânsito Brasileiro), no período de maio de 2019 a abril de 2020, com uma pequena variação no texto, o que tem causado confusão entre alguns profissionais do trânsito: “NO TRÂNSITO, DÊ SENTIDO À VIDA”. Parece a mesma coisa, mas não é: para a campanha de trânsito, deve ser utilizado o tema “NO TRÂNSITO, O SENTIDO É A VIDA”; enquanto que nas propagandas da indústria automobilística ou afins, deve-se escrever “NO TRÂNSITO, DÊ SENTIDO À VIDA”.
De toda forma, o objetivo é promover a transmissão de informações que sejam úteis para ampliar o conhecimento da população, possibilitar a reflexão sobre as tragédias nas vias públicas e auxiliar na mudança de comportamento, para a busca do trânsito mais seguro, por meio de ações coordenadas dos componentes do Sistema Nacional de Trânsito, os quais devem ter a educação para o trânsito como um dever prioritário, conforme determina o artigo 74 do CTB.
Vejamos outras curiosidades sobre a Semana Nacional de Trânsito:
Embora a educação para o trânsito constitua uma obrigação perene aos órgãos de trânsito, há, na nossa legislação, uma importância maior à realização de campanhas educativas durante o período de férias escolares, feriados prolongados e Semana Nacional de Trânsito, comemorada anualmente no período de 18 a 25 de setembro, nos termos dos artigos 75 e 326 do CTB, sendo de responsabilidade do CONTRAN a fixação dos temas e cronogramas a serem atendidos.
A Semana Nacional de Trânsito, ao contrário do que alguns imaginam, não foi criada pelo atual CTB, e sim pelo Decreto federal n. 45.064/58, na vigência do 2º Código de Trânsito do país (Decreto-lei n. 3.651/41), o qual, entretanto, não fazia menção a um período específico para campanhas educativas. Foi o Decreto 45.064 que instituiu, em caráter permanente, a “Campanha Nacional Educativa de Trânsito”, estabelecendo, em seu artigo 2º, que “anualmente, durante a semana que proceder o dia 25 de setembro, que será consagrado como o ‘Dia do Trânsito’, aludida Campanha terá caráter intensivo, estendendo-se, inclusive, as escolas e universidades”.
O 3º Código de Trânsito, instituído alguns anos depois, pela Lei n. 5.108/66, determinou, em seu artigo 124, que “pelo menos uma vez cada ano, o Conselho Nacional de Trânsito fará realizar uma Campanha Educativa de Trânsito em todo o território nacional, com a cooperação de todos os órgãos competentes do Sistema Nacional de Trânsito”, sem mencionar, todavia, o período específico em que tal deveria ocorrer, o que foi resgatado apenas em 1997, com a publicação do atual CTB (Lei n. 9.503/97), que retomou a data fixada em 1958 como sendo a Semana Nacional de Trânsito (e, para brindar tal feito, coincidentemente ou não, a promulgação da Lei ocorreu no meio desta semana especial, efetivamente a 23 de setembro daquele ano).
De 1998 até o presente ano, dos 22 temas escolhidos pelo CONTRAN para a Semana Nacional de Trânsito, metade deles teve um direcionamento para um ASSUNTO ESPECÍFICO: em 2000, faixa de pedestre; em 2001, álcool; em 2002, celular; em 2005, pedestres; em 2006, motos; em 2007, jovens; em 2008, criança; em 2010, cinto de segurança e cadeirinha; em 2012, velocidade; em 2013, álcool (novamente); e em 2014, pedestres (novamente). Os outros 11 temas, a exemplo deste de 2019, foram amplos, contemplando valores que devem nortear a utilização das vias públicas e as relações interpessoais no trânsito, alguns até repetitivos; aliás, o tema atual é bem parecido com o 1º tema escolhido, em 1998: “Direito à vida no trânsito, agora é Lei”.
Veja, abaixo, todos os temas determinados para a Semana Nacional de Trânsito, ano a ano:
1998: “Direito à vida no trânsito, agora é Lei”;
1999: “Trânsito: a Segurança também depende de você”;
2000: “Faixa de pedestre, a vida pede passagem”;
2001: “Álcool x Trânsito”;
2002: “Celular. Não fale no trânsito”;
2003: “Dê preferência à Vida”;
2004: “O trânsito é feito de pessoas – Valorize a Vida”;
2005: “No trânsito somos todos pedestres”;
2006: “Você e a moto: uma união feliz”;
2007: “O jovem e o trânsito”;
2008: “A criança no trânsito”;
2009: “Educação no trânsito”;
2010: “Cinto de segurança e cadeirinha”;
2011: “Juntos podemos salvar milhões de vidas”;
2012: “Não exceda a velocidade, preserve a vida”;
2013: “Álcool, outras drogas e a segurança no trânsito: efeitos, responsabilidades e escolhas”;
2014: “Década Mundial de Ações para a Segurança do Trânsito – 2011/2020: Cidade para as pessoas: Proteção e Prioridade ao Pedestre”;
2015: “Década Mundial de Ações Para a Segurança no Trânsito – 2011/2020: Seja VOCÊ a mudança no Trânsito”;
2016: “Década Mundial de Ações para a Segurança no trânsito – 2011/2020: Eu sou + 1 por um trânsito + seguro”;
2017: “Minha Escolha Faz a Diferença no Trânsito”;
2018: “Nós Somos o Trânsito”; e
2019: “No trânsito, o sentido é a vida”.
Independente dos temas escolhidos, o mais importante é a atuação efetiva dos órgãos de trânsito, para fazer valer o direito da coletividade ao trânsito seguro, estimulando a reflexão e a participação plena da sociedade para tal garantia, a fim de dar cumprimento ao atual § 10 do artigo 144 da Constituição Federal, que, ao reconhecer a Segurança Viária como integrante do contexto da Segurança Pública, nos permite afiançar que se trata não apenas de um direito, mas de uma RESPONSABILIDADE de todos!!!
São Paulo, 16 de setembro de 2019.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Major da Polícia Militar do Estado de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
Vinny Borges
Art. 7 – Perceba o risco e proteja a vida, por Julyver Modesto de Araujo
O Movimento Maio Amarelo, de iniciativa do Observatório Nacional de Segurança Viária, com repercussão internacional e reconhecimento oficial do Ministério da Infraestrutura (e, consequentemente, de todo o Sistema Nacional de Trânsito) é, seguramente, um período de conscientização no trânsito de maior relevância do que a Semana Nacional instituída por Lei (artigo 326 do Código de Trânsito Brasileiro) e adotou, em 2020, o tema “Perceba o risco. Proteja a vida”, a respeito do qual quero apresentar minha particular impressão e propor algumas reflexões acerca do assunto (também expostas no Episódio 109 do meu Podcast, disponível em bit.ly/JMP109).
O artigo 28 do CTB estabelece que “o condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito”. A partir deste dispositivo legal, constante do Capítulo destinado às normas gerais de circulação e conduta, inicio minhas considerações, com a proposta de relacionar a palavra “atenção”, do texto do CTB, com a palavra “perceba” (o risco) do tema estabelecido para o Maio Amarelo de 2020: no linguajar comum, vulgar, cotidiano, quando falamos em “perceber”, muitas vezes estamos falando no sentido de “estar atento”, de “notar”, de “tomar ciência”; mas, se formos estudar o alcance do termo “percepção”, vamos concluir que “ATENÇÃO” é diferente de “PERCEPÇÃO”.
O Código de Trânsito, como visto, determina que o condutor tenha atenção no trânsito e o que é então a “percepção do risco”? O que significa o condutor perceber o risco e, a partir disso, proteger a vida?
Há alguns anos, o Departamento de Transportes de Londres desenvolveu uma campanha publicitária muito interessante em que mostra exatamente a necessidade de prestar atenção naquilo que é importante em um determinado contexto – o filme curto (que apresento no Podcast disponível em bit.ly/JMP109) procura fazer uma analogia de uma cena de investigação de assassinato com a atenção que devemos ter em uma estrada movimentada, para a proteção dos mais vulneráveis (com foco para os ciclistas) e demonstra o quanto deixamos passar várias informações pela falta de atenção – é neste aspecto que quero diferenciar “atenção” de “percepção”, pois não adianta se falar em “perceber o risco” como sinônimo de “saber da sua existência” ou “ter conhecimento suficiente a respeito daquele risco e das suas consequências”.
Às vezes a pessoa tem conhecimento sobre a legislação de trânsito, sobre as consequências advindas de ter assumido um risco para a segurança viária e, ainda assim, adota um comportamento inseguro; às vezes a pessoa percebe que está numa velocidade excessiva, só que aquela sua percepção tem um resultado diferente em relação ao comportamento de outra pessoa; então, “perceber”, no sentido de apenas “ciência da existência” não é exatamente o propósito que, em minha opinião, nós, profissionais de trânsito, devemos ter em mente quando queremos promover mudanças para um trânsito mais seguro.
Na história da humanidade, sempre se procurou avaliar aspectos da “percepção”, de como o ser humano se relaciona com o mundo que o cerca. Desde os primeiros pensadores da Grécia Antiga, os filósofos pré-socráticos, que se passou a questionar sobre essa relação entre o homem e o mundo: ao se perguntar se “o mundo existe por que o homem o vê ou o homem vê um mundo que já existe?”, os primeiros filósofos começaram a concluir que “o homem se relaciona com o mundo através da percepção”.
O primeiro filósofo que se tem notícia, segundo a história (da civilização ocidental), foi um grego chamado Tales de Mileto – numa das suas alegorias, de suas “verdades” (estes filósofos são conhecidos como “sofistas”, porque defendiam determinados “sofismas”, como verdades absolutas), ele dizia que tudo que existe na terra é derivado da água, a qual era o elemento principal de criação do mundo. Já Heráclito de Efésio, outro filósofo pré-socrático, dizia uma frase (que talvez você já tenha ouvido outras vezes), “que o mesmo homem não entra duas vezes no mesmo rio, porque, quando ele entra pela segunda vez, as águas já não são mais as mesmas e ele também já teve mudanças”.
Estes primeiros filósofos tratavam de como o homem se relacionava com o mundo. Se formos buscar nas diversas áreas do conhecimento humano: na Filosofia, Psicologia, Física, Neurociência (ou Neurolinguística), Psicologia do trânsito, encontraremos diversas vertentes e formas de se expressar o que é “percepção”, sendo que elas têm alguns pontos em comum e é isso que eu quero te apresentar.
Eu escolhi alguns autores que se destacaram nas diversas áreas do saber, não por uma predileção minha ou porque estes autores sejam os mais importantes, e sim porque, na minha pesquisa, encontrei pontos de convergência que me permitem chegar à conclusão que eu vou apresentar ao final.
No campo da Filosofia, por exemplo, eu quero trazer para análise a visão de um filósofo muito importante na época da Revolução científica, do Iluminismo, chamado René Descartes (filósofo e matemático francês, 1596-1650), em cujo livro “Meditações concernentes à Primeira Filosofia nas quais a existência de Deus e a distinção real entre a alma e o corpo do homem são demonstradas” (também chamado de Meditações metafísicas), de 1641, assim expôs:
“Suporei, pois, que há não um verdadeiro Deus, que é a soberana fonte da verdade, mas certo gênio maligno, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou toda a sua indústria em enganar-me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos de que ele se serve para surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei a mim mesmo absolutamente desprovido de mãos, de olhos, de carne, de sangue, desprovido de quaisquer sentidos, mas dotado da falsa crença de ter todas essas coisas. Permanecerei obstinadamente apegado a esse pensamento; e se, por esse meio, não está em meu poder chegar ao conhecimento de qualquer verdade, ao menos está ao meu alcance suspender meu juízo. Eis por que cuidarei zelosamente de não receber em minha crença nenhuma falsidade, e prepararei tão bem meu espírito a todos os ardis desse grande enganador que, por poderoso e ardiloso que seja, nunca poderá impor-me algo.”
A partir daí, ele concluiu a célebre frase “Cogito ergo sum”, que significa “Penso logo existo”, porque ele dizia, neste texto, que, muitas vezes, as nossas impressões a respeito do mundo exterior são irreais, fruto de nossa imaginação, e que, portanto, a única coisa certa é o “ser pensante”.
No campo da Psicologia, eu separei um Psicólogo, considerado um dos pais da Psicologia experimental, chamado Wilhelm Wundt (médico, filósofo e psicólogo alemão, 1832-1920), segundo o qual “a percepção de um objeto da realidade é o produto da síntese composta pelos conteúdos da experiência imediata, isto é, o resultado de um processo ativo que organiza as informações provenientes dos elementos em um todo significativo”.
Veja que, enquanto René Descartes admite que, muitas vezes, a percepção não traduz a realidade, Wilhelm nos traz uma informação importante, de que a percepção não é apenas aquilo que eu tenho de contato com o mundo exterior, mas o produto decorrente das minhas experiências subjetivas a respeito daquilo que eu tive contato – por isso, eu expliquei, anteriormente, que “atenção” é diferente de “percepção”: a “atenção” tem relação com “manter o foco”; quando eu presto atenção na sinalização de trânsito, por exemplo, estou trazendo uma informação ao meu intelecto; como eu vou “perceber” esta sinalização decorre desta transformação interna que vai depender das minhas crenças, dos meus valores, do significado que eu dou àquilo, de qual é o meu objetivo frente a um grupo social onde eu vivo etc.
E, por falar em “significado”, outra área do saber que eu trouxe para análise é a Semiótica: o principal idealizador desta área de estudo (que visa entender o significado das coisas), conhecido como “pai da Semiótica”, é Charles Sanders Peirce (filósofo, pedagogista, cientista, linguista e matemático americano, 1839-1914), cujo pensamento pode ser sintetizado (para o nosso estudo) na seguinte frase: “O simples ato de olhar está carregado de interpretação”.
Charles explica que, na colocação de significados a respeito daquilo que nos cerca, nós temos três etapas: a Primeiridade, que é a existência da coisa em si, que independe do sujeito; a Secundidade, que é a percepção da coisa, a consciência da sua existência; e a Terceiridade, que é a efetiva apreensão daquela coisa, a reflexão e interação com aquele objeto.
Por exemplo, quando eu vejo um semáforo vermelho, há um significado por trás do equipamento: ele representa, naquele momento, uma ordem dada pelo Poder público – poderia ser, no lugar daquele semáforo, um agente de trânsito determinando a imobilização de veículos e a continuidade do tráfego no sentido perpendicular, propiciando ali uma mobilidade segura e eficiente – quando eu vejo este semáforo, eu trago para dentro de mim uma reflexão sobre o seu significado e como vou interagir com ele; para algumas pessoas, o semáforo pode ser um elemento visual que coloca ordem no trânsito; para outros, pode ser um objeto que atrapalha sua vida, que está lhe impedindo que ele chegue mais rápido ao seu destino; ou seja, a “percepção”, pelo ponto de vista da Semiótica, é diferente de pessoa para pessoa.
No estudo da Física, eu vou trazer um autor contemporâneo, não pela sua importância neste ramo do conhecimento, mas porque ele tem livros muito interessantes, fáceis de serem compreendidos e que aproveitarei para indicá-los: trata-se de Leonard Mlodinow, Doutor em Física pela Universidade da Califórnia, Berkeley, nos Estados Unidos, autor dos Livros “O andar do bêbado” e “Subliminar”.
Em “O andar do bêbado”, destaco o seguinte trecho:
“Nadar contra a corrente da intuição é uma tarefa difícil. Como veremos, a mente humana foi construída para identificar uma causa definida para cada acontecimento, podendo assim ter bastante dificuldade em aceitar a influência de fatores aleatórios ou não relacionados.
Portanto, o primeiro passo é percebermos que o êxito ou o fracasso podem não surgir de uma grande habilidade ou grande incompetência, e sim, como escreveu o economista Armen Alchian, de ‘circunstâncias fortuitas’.”
Talvez você já tenha se deparado com pessoas que acreditam piamente na sua habilidade de dirigir, a ponto de não aceitar que existe uma probabilidade de se envolver em ocorrência de trânsito; pessoas que, em baixa velocidade, não usam cinto de segurança porque acreditam que a força do seu braço será suficiente para que não seja projetado contra o vidro do veículo.
Nós temos, segundo o autor, uma dificuldade no funcionamento do nosso cérebro, para compreensão de probabilidades, frente a fatos que independem da nossa vontade.
Em uma das suas explicações, Mlodinow aponta que:
“O que é maior, o número de palavras de seis letras na língua inglesa que têm ‘n’ como sua quinta letra, ou o número de palavras de seis letras na língua inglesa que terminam em ‘ing’? A maior parte das pessoas escolhe o grupo terminado em ‘ing’. Por quê? Porque é mais fácil para elas pensar em palavras que terminam em ‘ing’ que em quaisquer palavras genéricas de seis letras que tenham ‘n’ como sua quinta letra. Mas não precisamos examinar o Dicionário Oxford – nem mesmo saber contar – para provar que esse palpite está errado: o grupo de palavras de seis letras que têm ‘n’ como sua quinta inclui todas as palavras de seis letras que terminam em ‘ing’. Os psicólogos chamam esse tipo de erro de viés de disponibilidade, porque ao reconstruirmos o passado damos uma importância injustificada às memórias mais vívidas, portanto mais disponíveis, mais fáceis de recordar.”
Se eu perguntar para você, por exemplo, em que situação é mais provável de termos uma morte no trânsito: “alguém que dirige o veículo sem usar cinto de segurança” ou “alguém que dirige o veículo sem usar cinto de segurança, em excesso de velocidade e sob influência de álcool”? A tendência natural do nosso cérebro é acreditar que a segunda alternativa é mais provável; entretanto, ela contempla os casos da primeira alternativa, os quais podem também estar presentes em várias outras situações, ou seja, é possível ter alguém que está, tão somente, sem cinto de segurança; ou alguém que está sem cinto e sob influência de álcool, ou sem cinto e em excesso de velocidade, ou alguém que está nas três condições, isto é, no campo das probabilidades, morre mais gente por conta de apenas uma dessas circunstâncias do que pelas três em conjunto, mas nós temos uma dificuldade para avaliar isso.
A mesma questão ocorre com (alguns) profissionais de Segurança Pública que utilizam como argumento para o não uso do cinto de segurança na viatura, o fato de que podem precisar descer rapidamente numa eventual ocorrência de disparo de arma, numa abordagem, numa situação em que ele necessita sacar a arma rapidamente, e o cinto pode ser prejudicial: se a gente for avaliar, no campo das probabilidades, realmente, em ambos os casos, existe uma probabilidade de que aconteça, mas é mais provável morrer porque não usou o cinto, do que por ter usado o cinto e não ter conseguido descer da viatura – este é um dos aspectos que eu sempre comentei nas minhas aulas para Policiais Militares no Estado de São Paulo e que eu noto que há uma dificuldade (por parte de alguns) de aceitação de que o cinto salva vidas, ou seja, como que eu percebo esse risco, como eu dou significado para esse risco, não é apenas saber da sua existência, nem ter conhecimento sobre a legislação de trânsito aplicável e quais são as consequências, mas como eu reajo frente àquela minha condição subjetiva.
Outro livro que recomendo, de Leonard Mlodinow, é o “Subliminar”, do qual destaco:
“Nosso cérebro subliminar é invisível para nós, porém influencia nossa experiência consciente do mundo de um modo fundamental – a maneira como nos vemos e aos outros, o significado que atribuímos aos eventos da nossa vida cotidiana, nossa capacidade de fazer julgamentos rápidos e tomar decisões que às vezes significam a diferença entre a vida e a morte, as ações que adotamos como resultado de todas essas experiências instintivas.”
Neste trecho do livro, o autor ressalta o quanto nossas escolhas, frequentemente, são baseadas em critérios que nós não percebemos, que são inconscientes (ele usa esse termo como sinônimo de “não estar, naquele momento, sendo avaliado, analisado, notado”).
Este livro é excepcional, pois traz vários exemplos, inclusive da área de Neuromarketing, de como, com frequência, somos induzidos a determinadas compras, a determinadas escolhas, por fatores que não percebemos, os quais também estarão presentes nas nossas escolhas relacionadas à segurança viária.
Outro campo de estudo que quero abordar, rapidamente, é a própria Psicologia do trânsito: o psicólogo canadense e pesquisador, Gerald Wilde, descreve a fundamentação da “Teoria da Compensação do Risco” (The theory of risk homeostasis), desenvolvida em 1982, no livro (traduzido para o português pelo psicólogo Reinier Rozestraten), denominado “O limite aceitável do risco” – há, inclusive, um texto bem interessante disponível no site da Perkons (em http://www.perkons.com.br/pt/noticia/1148/teoria-da-compensacao-do-risco), que, resumindo, traz a seguinte informação: “Quando há mudanças no ambiente do trânsito, visando melhorar a segurança, os usuários trocam o ganho de segurança por ganhos na mobilidade e/ou comodidade”.
Este pesquisador fez um teste, um experimento, com os taxistas de Munique na década de 1980 e notou que aqueles taxistas que dirigiam veículos com freios ABS se tornavam menos cautelosos e se arriscavam mais do que aqueles com veículos sem ABS, porque, segundo a teoria dele, existe um limite aceitável de todo ser humano e quando os fatores externos são favoráveis a melhorar a segurança, proporcionalmente, o comportamento se torna mais inseguro para chegar novamente aquele limite aceitável do risco, determinado individualmente pelo sujeito. Esta teoria é questionada por alguns, mas é importante que você saiba da sua existência, pois é uma das formas de se avaliar a percepção do risco.
Na Programação Neurolinguística, que eu, particularmente, gosto muito e tenho estudado há muitos anos, também encontraremos algumas explicações importantes sobre a percepção: esta área de estudo acerca do funcionamento do ser humano surgiu na década de 1970, pelo trabalho de dois norte-americanos, chamados Richard Bandler e John Grinder, e pode ser assim definida:
“Estudo da estrutura da experiência subjetiva do ser humano e o que se pode fazer com isso.” (Richard Bandler)
“Estratégia de aprendizagem acelerada para a detecção e utilização de padrões no mundo.”
(John Grinder)
A Programação Neurolinguística (ou simplesmente PNL) surgiu da aproximação com outras três áreas estudadas por estes precursores: a Hipnose (em especial por conta do médico hipnólogo norte-americano chamado Milton Erickson), a Terapia familiar (de Virgina Satir) e a Terapia de Gestalt (de Fritz Perls), que ofereceram subsídios para a detecção de determinados modelos de comportamento.
A PNL possui vários pressupostos e um deles é decorrente de uma frase utilizada, pela primeira vez, por Alfred Korzybski (engenheiro, filósofo e matemático polonês, 1879-1950), em um encontro da American Mathematical Society, em 1931: “O mapa não é o território”.
Basicamente, a frase quer dizer que cada um de nós tem uma experiência subjetiva a respeito das mesmas situações vivenciadas por outras pessoas, ou seja, o território é o que existe na realidade, mas cada um de nós tem um mapa (uma representação pessoal) do território. Se solicitarmos para um grupo de pessoas desenharem uma mesma região, onde moram, o bairro, ou o país, cada mapa será feito baseado na forma como a pessoa interpreta o que vê e como se relaciona com o mundo.
Outro aspecto da PNL interessante a ser destacado é o que se chama de “Níveis neurológicos”, de Robert Dilts: nós temos diversos níveis com os quais trabalhamos na nossa vida, em todos os aspectos, começando pelo ambiente, depois vem o comportamento, as capacidades, as crenças e valores, a identidade e, por último, a espiritualidade: tudo aquilo que nós vivemos e a maneira como agimos estará relacionado a estes níveis neurológicos (em algum ou alguns destes níveis), sendo que, quanto mais baixo estivermos nessa pirâmide que representa os níveis neurológicos (ambiente o mais baixo e espiritualidade o mais alto), mais fácil a alteração e, quanto mais acima, mais difícil a alteração daquilo que foi sendo construído ao longo do tempo e sedimentado pelos patamares mais baixos.
É fácil alterar o ambiente. Para quem trabalha, por exemplo, na formação de condutores, se um aluno fala que não consegue aprender daquela maneira ou naquele local, numa sala de aula sem ar condicionado ou sem fazer aula prática (apenas ouvindo a teoria), é fácil resolver, pois basta mudar o ambiente; por outro lado, se ele já possui crenças e valores que foram atribuídos por outras pessoas em toda a sua vida, de que é uma pessoa que “não tem condições de ser alguém”, que é “burro”, que “não serve para nada”, que “não vai ter futuro na vida”, e aquilo já se transformou para ele numa crença limitante, será um pouco mais difícil de ser resolvido, o que não significa que seja impossível, tendo em vista que existem ferramentas e padrões da PNL que podem ser utilizados para alterar o nível neurológico desejado.
Desta forma, quanto mais alto o nível neurológico, mais difícil fica qualquer intervenção frente àquela pessoa e isso nos demonstra que a “percepção” nada mais é que a experiência subjetiva, ou seja, cada um tem uma percepção diferente a respeito dos riscos a que nós estamos todos envolvidos – determinadas pessoas vão se sentir bem, vão sentir prazer, através da produção de neurotransmissores, como a adrenalina, o cortisol, a noradrenalina, vão ter sensações que vão fazer com que ele queira cada vez mais dirigir em alta velocidade ou praticar racha – neste caso, a pessoa sabe dos riscos, sabe que não pode, sabe quais são as consequências, mas a forma como ele lida com aquele risco internamente é baseada em determinados critérios que vão refletir nas suas escolhas.
Veja que, nestas várias áreas do saber que eu fui pontuando, nós vemos que, em todas elas, a percepção do risco (ou de qualquer outro evento externo) vai ser diferente de pessoa para pessoa e não é apenas sinônimo de “ter conhecimento” ou “ter ciência” do risco.
Concluindo:
Desde o início, eu expliquei que “atenção é diferente de percepção” e que o CTB determina que a pessoa tenha uma atenção voltada à segurança do trânsito; destarte, em um primeiro momento, é isso que se espera do motorista (ATENÇÃO), para que ele tenha um comportamento seguro, e este é o objetivo final.
Para que se chegue a este objetivo, penso que teríamos que atender a uma sequência:
1. Atenção voltada à segurança do trânsito;
2. Percepção baseada em bons valores;
3. Motivação para hábitos seguros; e
4. Mudança do comportamento.
A atenção, muitas vezes, não é voltada aos fatores que realmente importam (como vimos, na campanha publicitária inglesa). A PNL, inclusive, explica que tudo que a gente faz compõe-se de algumas tarefas automatizadas por causa da criação de sinapses entre os nossos neurônios e isso faz com que a gente passe a dar atenção àquelas atitudes que não estão automatizadas. Quando a pessoa está aprendendo a dirigir, precisa prestar atenção nos comandos do veículo, mas depois que já sabe dirigir, ela consegue prestar atenção em outras coisas, porque os comandos do veículo ela já tem pleno domínio; e isto faz com que, se ela não tiver adquirido hábitos seguros, não terá isso como uma constante na sua vida.
Quando eu menciono que a “percepção” deve se dar baseada em bons valores, importante destacar que ser “bom” ou “mau” é uma referência interna e também vai variar de pessoa para pessoa, mas eu me refiro a “bons valores”, no sentido de “convivência em sociedade”. O filósofo Imanuel Kant, em seu imperativo categórico, dizia o seguinte: “Age de tal forma que seu comportamento possa se transformar em lei universal”, ou, como nós ouvimos desde criança, “faça aos outros aquilo que você queira que façam para você mesmo”; portanto, quando eu aponto a necessidade de que a percepção seja baseada em bons valores, é com o objetivo de que seja construída uma experiência subjetiva, a partir de crenças e valores, com a preocupação voltada à boa convivência social, para que realmente a gente tenha um trânsito com menos mortos e feridos em nossa sociedade.
A terceira etapa, voltada à construção de hábitos seguros, depende muito da MOTIVAÇÃO que cada pessoa possui: o que motiva cada um para adotar um comportamento seguro no trânsito? Há aqueles que mudam seu comportamento por medo da punição, de ficar preso, ser multado ou suspenso do direito de dirigir; outros mudam porque perderam um ente querido ou quase morreram no trânsito; alguns mudam porque começaram a exercer uma atividade profissional na área de trânsito e viram a necessidade de ser um exemplo, isto é, cada um tem uma motivação específica.
Eu já fiz esta provocação, em algumas das minhas palestras: ao final, pergunto à plateia o seguinte: “Se você soubesse que estaria sujeito a morrer nos próximos dias no trânsito, o que mudaria no seu comportamento para que a tragédia não acontecesse?” É a vontade de viver mais um pouco? Ou a vontade de poder criar seus filhos? Ou poder fazer aquilo que você ainda não fez?
Porque tem gente que não vai ter nenhuma motivação para mudar, mesmo que ele tenha conhecimento e que entenda que está diante de um risco, porque a motivação para ele é diferente da motivação que nós gostaríamos que tivesse.
Neste aspecto, quero destacar uma frase que, muitas vezes, é atribuída ao filósofo Aristóteles, do século IV antes de Cristo, mas que foi escrita por um filósofo contemporâneo norte-americano, chamado Will Durant (embora o tenha escrito com referência ao pensamento aristotélico): “Nós somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um modo de agir, mas um hábito”.
Enfim, segurança no trânsito depende desta atenção ao trânsito seguro, percepção baseada em bons valores, motivação para hábitos seguros e, efetivamente, mudança de comportamento, para se tornar algo constante.
Desta forma, quero mais uma vez parabenizar o Observatório Nacional de Segurança Viária pelo tema idealizado, juntamente com o Denatran, que abraçou a ideia já há alguns anos, e propor a você uma reflexão sobre as duas frases que compõem o tema do Maio Amarelo, pois não é apenas “Perceba o risco”, mas sim uma sequência de ações: “Perceba risco E Proteja a vida” – não adianta eu saber que o risco existe e conhecer quais são as consequências daquele risco, mas devo adotar internamente uma representação baseada em valores de convivência social, que me induzam a uma mudança de comportamento, para que as pessoas com quem eu convivo, mesmo que sejam pessoas que eu nem mesmo conheço, tenham o mesmo direito que eu gostaria de ter: uma vida saudável no trânsito e uma segurança para nossa mobilidade urbana.
São Paulo, 05 de maio de 2020.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano de 1996 a 2019, atualmente Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (2019/2021); Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.